Três Dimensões | 25-02-2025 07:00

Maria Castela Lopes: uma directora que aceita todos os desafios

Maria Castela Lopes: uma directora que aceita todos os desafios
TRÊS DIMENSÕES
Maria Castela Lopes dirige o Agrupamento de Escolas de Salvaterra de Magos que conta com cerca de 1800 alunos e 200 professores

Maria Castela Lopes é professora há mais de duas décadas e actualmente preside ao Agrupamento de Escolas de Salvaterra de Magos.

Nascida há 52 anos e criada na Várzea Fresca, nos Foros de Salvaterra, em Salvaterra de Magos, mantém uma forte ligação à terra que a viu crescer, recordando com nostalgia uma infância repleta de brincadeiras ao ar livre. Apesar de, em jovem, nunca ter imaginado enveredar pelo ensino, foi na sala de aula que encontrou a sua verdadeira vocação. Hoje enfrenta desafios diários, equilibrando a tradição e a inovação num sistema educativo em constante transformação.

Sou uma pessoa simples, com raízes profundas na terra que me viu nascer. A minha infância foi marcada por momentos que hoje raramente se vêem nas novas gerações. Cresci no campo, onde a liberdade de brincar e explorar era uma constante. Recordo com carinho os percursos diários para a escola, que se tornavam verdadeiras aventuras. A escola situava-se numa pequena aldeia na Várzea e, embora o trajecto fosse curto, estava sempre repleto de brincadeiras saudáveis. No caminho, encontrávamos os colegas, e juntos seguíamos, sem pressas. Muitas vezes demorávamos mais de uma hora a chegar a casa, simplesmente porque aproveitávamos cada instante para brincar. Era um tempo diferente, onde o jogo da macaca, do elástico, o trepar às árvores, saltar à corda ou o esconde-esconde faziam parte do nosso quotidiano. Hoje já não se vê nada disso.
Enquanto criança, era discreta e sossegada. Nunca fui de chamar atenção e mantive esse perfil até à adolescência. Quando entrei na faculdade mudei radicalmente. Curiosamente, ser professora nunca esteve nos meus planos. Desde cedo, sempre disse que ia para as engenharias, nomeadamente para algo ligado à construção civil. O fascínio de ver uma construção a erguer-se, imaginar o processo por trás de um grande edifício, sempre me cativou. No entanto, o meu percurso escolar nunca seguiu essa direcção. Escolhi a área de Economia e mesmo quando chegou o momento de ir para a faculdade estava muito indecisa. Gostava de ajudar os outros e cheguei a candidatar-me a um curso de Serviço Social numa instituição particular em Lisboa, onde até fui aceite. Mas também concorri para o Instituto Superior de Educação, no curso de professores do 2.º ciclo do ensino básico, variante de Matemática e Ciências Naturais, com possibilidade de leccionar no 1.º ciclo. Optei pela educação, uma escolha da qual nunca me arrependi.
A questão de ser professora, no meu caso, não posso dizer que nasceu comigo. O contacto directo com os alunos revelou-se uma descoberta. Desde os primeiros estágios, percebi que ensinar era uma vocação que se foi construindo ao longo do tempo. Identifico-me especialmente com os estudantes do 2.º ciclo, uma fase em que ainda necessitam muito do nosso toque e do mimo, mas já começam a ganhar autonomia. É uma idade muito interessante.
O meu percurso profissional foi sempre muito próximo da minha zona de origem. Comecei em Almeirim, passei por Benavente, Samora Correia, Coruche, Vila Franca de Xira e Salvaterra de Magos. Nunca me aventurei para muito longe, o que teve vantagens e desvantagens. Tive a felicidade de ficar sempre muito perto. Os alunos e a sociedade hoje estão diferentes. São diferentes dos de há 23 anos, quando iniciei. Não se trata de os estudantes serem melhores ou piores, mas de estarem adaptados a uma sociedade que evoluiu rapidamente.
A escola enquanto edifício modernizou-se. A tutela tem vindo a impor muitas situações novas, mas os professores são feitos de uma massa que é algo resistente à mudança. É sair de uma área em que se controla a situação para uma área que pode correr mal, e ninguém gosta de falhar, sobretudo perante um público que, neste caso, é grande. Estou no terceiro ano à frente da direcção do Agrupamento de Escolas de Salvaterra de Magos. Antes disso, acumulei experiência em cargos de direcção, sempre conciliando essa função com a docência.
A função de directora tem muito a ver com o poder mobilizar, motivar e trazer alguma harmonia, o que nem sempre é fácil. É preciso, por vezes, parar, reflectir, não tomar decisões precipitadas ou na hora. São esses desafios e são os anos que nos dão essa prática. Os meus colegas dizem que sou a senhora dos projectos porque aceito todos os desafios que surgem e, na verdade, julgo que devemos abarcar tudo aquilo que traga mais-valias para os alunos.
Optei por dedicar-me exclusivamente à direcção. Temos cerca de 1800 alunos e um aumento expressivo, em cerca de 200 estudantes, do ano passado para este, sobretudo de crianças do pré-escolar e 1.º ciclo, o que reflecte o crescimento populacional na região, com mudanças de residência para estas zonas. A escola gere ainda os recursos de 60 auxiliares, que agora são competência da autarquia, e cerca de 200 professores. A escola é uma organização atípica, pois o seu produto final são pessoas, e isso exige uma abordagem sensível e ponderada.
A educação é um trabalho conjunto entre professores, alunos e famílias. Se algum destes pilares falha, o processo educativo ressente-se. Em relação ao uso dos telemóveis, por exemplo, não se pode proibir pura e simplesmente estes aparelhos. A tecnologia faz parte da sociedade e a escola tem de acompanhar essa evolução. A solução passa pelo equilíbrio e pelo envolvimento das famílias na sensibilização sobre o uso adequado.
Não percebo muito de tecnologia, mas faço umas coisas. A última coisa que aprendi foi fazer um vídeo com recurso a inteligência artificial numa formação. Fiquei encantada, porque ao colocar uma fotografia minha consigo recuperar uma série de anos. Também nos deixa preocupados, por um lado, mas, por outro, a rapidez a que as coisas evoluem é impressionante.
Não tolero a mentira e, por isso, lido muito mal com ela. Sinto-me mesmo frustrada, não lido bem com isso. A injustiça tira-me do sério, mas hoje em dia já reflicto e paro antes de me precipitar numa resposta. Sou uma pessoa dedicada ao trabalho, mas reconheço que essa entrega tem um lado negativo: levo sempre o trabalho para casa, não consigo desligar e isso é um defeito porque acabo por roubar tempo à família. Gosto muito de ler e aprecio a tranquilidade da praia, mas acima de tudo, a minha maior paixão é a família. Tenho uma filha, que está a frequentar o ensino superior, e é nela que está o meu maior foco. É ela que me faz sentir especial, em particular quando me diz que sou uma inspiração para ela.
Gosto do sítio onde vivo, no meio do campo. Não tenho muita gente à volta, o que também é uma vantagem. Também gosto de movimento e não fica fora de pensamento, um dia mais tarde, sair da zona do campo e ir viver para a cidade. Gosto das coisas bem-feitas, sou perfeccionista e de ter noção de tudo o que se passa à minha volta. Sonhos, todos temos, e o meu neste momento passa por encontrar mais tranquilidade. Poderia dizer uma viagem, mas não, o meu sonho é que a sociedade aprenda a desacelerar, a reflectir e a valorizar o presente.

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1704
    19-02-2025
    Capa Médio Tejo
    Edição nº 1704
    19-02-2025
    Capa Lezíria Tejo
    Edição nº 1704
    19-02-2025
    Capa Vale Tejo