Três Dimensões | 11-03-2025 21:00

Mário Ferreira: o director que gosta de ouvir o que os alunos pensam

Mário Ferreira: o director que gosta de ouvir o que os alunos pensam
TRÊS DIMENSÕES
Mário Ferreira é formado em História e há quatro anos que é director do Agrupamento de Escolas da Golegã, Azinhaga e Pombalinho

Mário Ferreira, 56 anos, foi professor de História durante 17 anos na Escola Mestre Martins Correia, na Golegã. Há quatro anos assumiu as funções de director do agrupamento de escolas do concelho, que tem como lema Tradição e Inovação.

Vim de Moçambique com oito anos e vivo desde então no Entroncamento. Desde miúdo que a História era a minha paixão e o ensino a segunda. O meu objectivo era ser professor de História, porque acho que é uma área que permite uma formação muito completa e fundamental para compreender o mundo em que vivemos. Acho que há um excesso de disciplinas, quando surge um problema cria-se uma disciplina. É pena que o Ministério da Educação tenha cortado a importância da História no ensino, diminuindo o número de horas para leccionar a disciplina quando, por exemplo, é fundamental para a Educação para a Cidadania.
Iniciei a leccionação em 1990, sou filho único e tenho um filho de 22 anos a frequentar o mestrado em Direito. Concluí a licenciatura em História na Faculdade de Letras em Coimbra, o mestrado em História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa na Universidade Nova de Lisboa e uma pós-graduação em Administração Escolar no Instituto Superior de Educação e Ciências, em Lisboa. Fui professor na Golegã durante 17 anos e resolvi concorrer a director porque senti saudades da escola da Golegã. Acho que tem características muito próprias e positivas: a afectividade dos alunos com os professores e auxiliares e o ambiente entre professores.
Há factores que me levam a desejar continuar e outros a desejar sair. É o meu quarto ano, o primeiro mandato termina em Junho e vou ter de pensar se me recandidato. A escola serve para tudo e para responder a pedidos de instituições variadas, desde participar em estudos ao preenchimento das plataformas electrónicas. É uma sobrecarga muito grande a nível burocrático e administrativo. Desde que sou director não dou aulas, porque cada vez temos reuniões mais frequentes em vários sítios e não há uma estabilidade que me permita garantir dar aulas sem faltar. Tenho saudades. A melhor parte é o contacto com os alunos e por isso é que certas decisões do ministério me deixam triste. São trabalhos que não são comparáveis, um é mais burocrático do que o outro. É preciso preencher muitos papéis e ocupa tempo que podia ser canalizado para preparar actividades e projectos para as aulas.
Passo o dia na escola quando não tenho reuniões ou actividades fora. Durante o dia tenho de responder a e-mails, preencher plataformas, ler relatórios, falar com os colegas e vou falando com os alunos nos intervalos para perceber o que sentem e tentar responder aos interesses. Sempre achei que os alunos da Golegã são muito afectivos, vêm cumprimentar-me, dizem o que podia ser melhor e o que acham que funciona. Temos iniciativas para os ouvir, como as assembleias de alunos e de escola. É uma relação de proximidade e a Associação de Pais também é esforçada. Os serviços de intervenção psicossocial e a educadora social também têm um papel muito importante na relação com os pais através dos directores de turma.
Quando acabar a carreira quero voltar à investigação. Para além de ser professor, era também investigador da Universidade Nova. Fui candidato à Câmara do Entroncamento nos anos 90 e vice-presidente da distrital do CDS. Muito dificilmente me voltaria a candidatar. Ainda sou filiado, mas sem actividade partidária. Já pensei mudar-me para a Golegã e continuo a pensar, mas por razões familiares ainda não aconteceu. É uma possibilidade.
Temos como lema Tradição e Inovação. Há professores que são mais rápidos na absorção das novas tecnologias. Falei com uma colega e já utilizaram Inteligência Artificial na elaboração de um questionário que vão fazer a um artista do concelho que estamos a estudar este ano, o pintor Serrão de Faria. Ter amor à terra é fundamental. Mais dificilmente uma pessoa abandona a sua terra se a conhece e gosta dela. Tentamos junto dos alunos trabalhar os temas que têm a ver com o meio em que estamos, quer através do estudo de figuras históricas do concelho ou da região, quer da oferta formativa, no caso da produção agropecuária e do curso de técnico de gestão equina que tenta ligar os alunos ao tecido empresarial e à economia da região.
Nesta escola ainda se mantém a tradição do recreio ser muito animado. Temos uma iniciativa que são os recreios inclusivos, onde a educadora social dinamiza actividades e jogos durante os intervalos para estimular e desenvolver o trabalho em equipa. Até ao 2º ciclo, inclusive, não é permitido trazer o telemóvel para a escola. A partir do 3º e até ao secundário mantém-se a regra de que durante a aula não devem usar. Estamos a tentar trabalhar na compra de mobiliário novo, também temos vindo a desenvolver uma política de aquisição de materiais pedagógicos para tornar o ensino mais experimental, mais prático e atractivo.
Os rankings de escolas que aparecem nos jornais não são muito úteis. São realidades completamente díspares, independentemente da região, do contexto sócio-económico, do número de alunos. No entanto, há outras estatísticas que nos interessam muito, algumas estatísticas produzidas pelo Ministério da Educação em que se comparam escolas que são comparáveis. Temos cerca de 640 alunos desde o pré-escolar ao 12º ano, cerca de 14% estrangeiros. A maior comunidade é a brasileira e a segunda afegã, porque através da Fundação Aga Khan e da Casa Mendes Gonçalves vêm famílias de refugiados afegãos trabalhar para a empresa. Acho que era importante o ministério repensar a forma como os alunos são integrados, sobretudo os que não falam português.
Assustam-me as mudanças que estão a ocorrer, sobretudo para as gerações futuras. A nível da política internacional, das mudanças geoestratégicas que estão a acontecer a uma velocidade gigantesca, a importância da Europa que está a diminuir a nível mundial e a nova postura dos Estados Unidos são questões que me deixam inquieto. Há uma regra que tenho na vida que é fazer aos filhos dos outros o que gostaria que fizessem ao meu e enquanto director não me posso esquecer que continuo a ser professor e voltarei a sê-lo a tempo inteiro.

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