“Para poupar é preciso ter dinheiro, mas há pessoas que não sabem gerir o que têm”

Nuno Fazenda é administrador da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Pernes e Alcanhões, freguesias do concelho de Santarém onde não há outras instituições bancárias.
Diz que os portugueses não sabem investir as suas poupanças e que falta literacia financeira. Engenheiro agrónomo, disse um dia que nunca iria trabalhar num banco. É de Almeirim, gosta de cozinhar e tem como maior sonho poder ver os filhos crescer e ajudá-los a encontrar o seu caminho.
Sou de Almeirim, mas fui nascer a Santarém. A infância foi passada em Almeirim, de onde é a minha família materna. É uma terra pequena, onde as pessoas se conhecem. Pelo menos era assim. Hoje não será tanto. Enquanto criança inaugurei duas escolas, a primeira quando passei para a quarta classe e depois para o liceu. Guardo várias memórias interessantes, como as brincadeiras de rua. Na altura o futebol estava em crescendo, porque havia os mundiais e era uma das brincadeiras que tínhamos com bancos a fazer de balizas no Jardim da República.
Sou um curioso por natureza. O meu pai, que perdi muito cedo, costumava dizer que o saber não ocupa lugar. Aos fins-de-semana eu ia para a propriedade que temos ao pé da Raposa. Fui aprendendo de tudo um pouco, desde a parte agrícola, à electricidade, à mecânica e até culinária, que aprendi com a minha avó. No Natal era eu quem fazia os bolos-rei, as broas... O peru recheado ainda faço.
No meu tempo havia liberdade. Saímos da escola e íamos para casa sozinhos. Conseguíamos ir escolhendo os nossos caminhos. Hoje é mais as redes sociais, não é tanto os valores que são incutidos. Ainda sou do tempo em que na escola se davam reguadas. Não levei, era filho de uma professora e, por isso, privilegiado. Não era excelente, mas era bom aluno. Matemática, Física e Química eram o meu forte.
Acho que se perdeu o respeito, a tolerância. Hoje é tudo muito acelerado e faz falta mais compreensão. O bichinho da agricultura ficou-me e fui estudar Agronomia para Lisboa. Nessa altura puseram-me em hipótese ir trabalhar para um banco. Disse que para um banco é que nunca iria. Ficar fechado entre quatro paredes? Nem pensar! Eu queria era tirar um curso para depois trabalhar ao ar livre. Durante mais de um ano fiz estágio numa vacaria e depois surgiu oportunidade de emprego na Federação do Crédito Agrícola para desenvolver projectos agrícolas.
Uma das paixões que sempre tive e não desenvolvi foi o mercado de capitais. Quando fui estudar para Lisboa passava muitas tardes na bolsa a ver os velhotes de volta dos jornais... Ainda era muito arcaico. Em 2003 passei a ser administrador da Caixa de Crédito Agrícola de Pernes e Alcanhões. A longevidade e a competitividade do Crédito Agrícola (CA) devem-se à sua génese e missão de apoio às comunidades. Parece um cliché mas é a verdade. A maior parte das caixas são concelhias e nós acabamos por estar inseridos em freguesias; a proximidade que temos é um legado que nos dá notoriedade. Em 2012, quando praticamente todos os bancos fecharam a torneira e não havia empréstimos em lado nenhum, nós conseguíamos emprestar e isso marcou as pessoas.
Estar em duas freguesias limita, mas acabamos por conseguir captar os que têm aqui os seus negócios. E, se inicialmente era um banco para a agricultura, hoje é um banco como outro qualquer que financia qualquer tipo de actividade. Sentimos que estávamos afastados dos jovens porque eles também se estão a afastar para os meios urbanos, onde os outros bancos acabariam por ter mais representatividade. Mas o facto de sermos competitivos no crédito à habitação, por exemplo, é um atractivo. Somos uma caixa que apoia as colectividades e temos parcerias com outras entidades, como a CUF. O CA tem vindo num crescendo, porque outros bancos centraram-se nas grandes cidades e encerram balcões para optimizar custos. Há muitas localidades onde o único contacto com a banca é o CA. São exemplo Alcanhões e Pernes, onde outros bancos foram embora.
Sou trabalhador, simpático, introvertido e gosto de ajudar a comunidade. Foi o que me fez enveredar pela política. Fui fundador do Movimento Independente em Almeirim e vereador na câmara municipal. Sempre fui social-democrata e ainda hoje sou membro da Assembleia Municipal de Almeirim pelo PSD. Estar na política é dar da nossa disponibilidade, mas erradamente somos mal vistos. Não se olha pelo sentido de se estar a contribuir, cataloga-se pela negativa. E isso faz com que muita gente boa se afaste, para não ter de ouvir que anda ali para o tacho.
Sou uma pessoa poupada. Como se poupa? Não gastando. Herdei da minha avó, que dava duas voltas ao mercado para ver onde comprar mais barato. Ainda hoje comparo preços. Os portugueses não sabem poupar nem investir o seu dinheiro. Claro que para poupar é preciso ter dinheiro, mas há pessoas que não sabem gerir o que têm e outras que sabem gerir bem em termos de investimento e poupanças. Noutros países, nomeadamente nos Estados Unidos da América, as pessoas usam o mercado de capitais para pôr as poupanças porque a longo prazo traz grandes rentabilidades. Em Portugal não se assumem riscos, falta literacia financeira.
Prefiro um bom filme a um bom livro; sempre fui um preguiçoso para a leitura. É um dos defeitos que tenho. A última vez que fui ao cinema foi há um mês para ver o Rei Leão com os meus filhos de oito e quatro anos. Casei e fui pai tarde. Consigo desdobrar-me nas muitas tarefas e ser um pai presente e atencioso. A minha esposa trabalha em Lisboa e eu é que de manhã os visto, dou de comer e vou pôr à escola. Às vezes ponho-me a pensar que idade terei quando eles tiverem 30 anos... Há o medo de não os poder acompanhar.
Não me importava de ser turista metade do ano. Viajei muito sozinho. Sempre gostei do Brasil, onde já fui várias vezes. E claro que fui sambar no Carnaval. Gostava muito de ir à Índia. Não saio de casa sem o telemóvel. Se me esquecer volto atrás. Não sou pessoa de vícios. Hoje durmo bem mas andei anos a rebolar na cama sem dormir. Dormia três a quatro horas por noite. Já não me lembro da última vez que fui ao médico. Em Santarém, onde resido há 10 anos, as pessoas falam mal da própria cidade. Gostava que tivesse mais espaços pedonais. Quero poder ver os meus filhos crescer e dar-lhes a melhor educação possível. Se tivesse uma bola de cristal, pedia para ver como os devia encaminhar.