Três Dimensões | 14-05-2025 07:00

Joana Gomes: “fazem falta mais mulheres em cargos públicos”

Joana Gomes: “fazem falta mais mulheres em cargos públicos”
TRÊS DIMENSÕES
Joana Gomes é directora técnica da Farmácia Carvalho, em Salvaterra de Magos

Joana Gomes nasceu em Lisboa mas foi no concelho de Salvaterra de Magos que desenhou o seu destino profissional. Farmacêutica há 26 anos, é a actual directora técnica da Farmácia Carvalho, em Salvaterra de Magos, herdeira de um legado familiar centenário que ajudou a reconstruir com dedicação, sentido de responsabilidade e um gosto particular pela estética e pela proximidade com os utentes.

Tive uma infância muito feliz. Daquelas mesmo à antiga, com muitas brincadeiras, muita rua e poucas preocupações. Vivi em Lisboa até aos 10 anos, mas as férias - as grandes, as da Páscoa, as do Carnaval - eram sempre em Marinhais, onde viviam os meus avós maternos. Brincava na rua, andava de bicicleta, ia para a estufa da minha avó. Até ajudava a lavar roupa no tanque. Hoje, quando penso nisso, percebo que tive uma infância que já não se vê. E não ficava só por Marinhais, porque muitas vezes seguíamos para Valada do Ribatejo, de onde a minha avó materna era oriunda. E foi em Valada que surgiu o “bichinho” da farmácia.
A farmácia que existia em Valada pertencia a familiares nossos. Gostava muito de ir para lá. Ajudava a conferir encomendas e a arrumá-las. Lembro-me perfeitamente. Em momentos mais calmos, o Sr. Neves desafiava-me: “descobre lá onde é que está a aspirina!”. E lá andava eu, de volta dos armários à procura. Ele dizia “Boa! Agora o Dolviran”. Passávamos horas naquilo e divertia-me muito. A minha primeira venda foi às escondidas. Ainda me lembro: vendi uma pinça por 50 escudos. Fui à registadora antiga, daquelas com manivela, e fiz tudo como devia ser.
O primeiro contacto com a farmácia começou ali, mas a ligação ao ofício já vinha de família. A farmácia Carvalho, em Salvaterra, era dos meus avós paternos. Quando vim para cá há 26 anos, a farmácia estava no mesmo local onde está hoje, mas necessitava de bastantes obras. Foi quase uma farmácia nova que tive de erguer. E posso dizer que me deu um gozo tremendo. Gosto muito de decoração. Gosto de transformar o velho em novo. Quando cheguei, tive liberdade para remodelar tudo e isso deu-me uma satisfação enorme. Às vezes penso: se não fosse farmacêutica, talvez tivesse ido para uma área criativa, ligada à decoração. Tenho ainda um sonho por concretizar: fazer algo relacionado com decoração.
Formei-me em Ciências Farmacêuticas no Instituto Superior Egas Moniz e, assim que terminei o curso, assumi a direcção técnica da farmácia. Faz agora 26 anos e aqui estou. É um gosto e uma responsabilidade enorme. Ao início, tudo era entusiasmo. Hoje é mais responsabilidade e preocupação. É manter um legado que já vem de há muitos anos, e fazê-lo num tempo em que ser farmacêutica é muito diferente. Adoro o contacto com os utentes.
Construir a credibilidade desta farmácia, com mais de cem anos de história, criou-se toda à custa de todos aqueles que por aqui passaram. Hoje em dia, é raro ver esse compromisso. Em todas as áreas, é um entra e sai constante de colaboradores. Um dos colaboradores que por aqui passou, contava muitas vezes que via os amigos a irem jogar à bola enquanto ele ficava a trabalhar. Ficou até à reforma. Foram essas pessoas, e as que me acompanham neste momento, que ajudaram e ajudam a manter a credibilidade desta farmácia. Não posso deixar de o dizer.
Sou filha de médico. Lembro-me bem de quando o Hospital de Santarém, há 20 ou 30 anos, era uma referência. Os médicos estavam lá e depois tinham os seus consultórios. Sempre houve complementaridade entre o público e o privado. Mas as coisas funcionavam. É preciso criar condições para fixar os médicos. Condições reais. Porque senão, isto vai continuar a descambar.
A mentira, a injustiça e a traição, tiram-me do sério. Magoam-me mesmo. Entristecem-me. Se ganhasse o Euromilhões ajudava quem me é próximo e precisa. E viajava. Muito. Tudo o que envolva entrar num avião faz-me feliz. Não tenho um destino de sonho específico, adorava conhecer o mundo.
Tenho uma enorme dificuldade em dizer “não”. Se me pedissem para escolher uma qualidade, talvez dissesse que sou justa. Uma pessoa amiga do seu amigo. Sensível. Coisas que, para mim, valem mais do que diplomas. O problema é que, muitas vezes, deveria dizer não. E não digo. Isso tem o seu preço.
Às vezes também sinto que não dou a atenção que devia aos que me são mais próximos. Familiares ou amigos. Pessoas de quem gosto e que passam por fases difíceis e em relação às quais, mais tarde, dou por mim a pensar: “Bolas, não telefonei, não estive presente”. E se fosse ao contrário, se fosse comigo, gostaria que estivessem. Não é que não me preocupe, não me lembre. Preocupo-me, sim. Lembro-me, sim. É algo, que tenho de me obrigar a melhorar: Dar mais atenção aos que me são próximos. Gerir melhor o meu tempo.
Acredito que fazem falta mais mulheres em cargos públicos. Temos algo que muitas vezes falta nos homens: a sensibilidade e a intuição. Se tivesse um superpoder, escolheria a justiça e a Paz no mundo. Nos tempos livres, adoro passear, comer bem, de ir a bons restaurantes. Gosto de estar com os que me são próximos. Família e amigos, divertida e descontraída. Isso, para mim, é o que me dá prazer.
Moro em Santarém, embora trabalhe em Salvaterra de Magos. Gosto do sítio onde vivo, numa zona onde os vizinhos são mais do que vizinhos, são amigos. Conhecemo-nos todos. Mas há coisas que me custam. Acho que Santarém é uma cidade um bocadinho morta. Tem tanto potencial… o centro histórico é uma dor de alma. Tem casas lindas, mas ruas tão sujas, com tão pouca vida. Mesmo assim, gosto de lá viver.
Há algo em Santarém que sempre valorizei: a segurança. Andei sempre sozinha, a pé, para todo o lado. Os meus filhos também. Vão às explicações, saem à noite. Mas hoje já não é como era há cinco anos. Já me sinto mais receosa. Já não há a mesma tranquilidade. Ainda há liberdade, mas menos garantias.
Quem é que me faz sentir especial? É difícil dizer um nome. Não é uma pessoa só. São momentos. Palavras, atitudes, gestos. Do marido, dos filhos, dos amigos, dos utentes. Pequenas coisas que fazem a diferença. A mencionar alguém seria a minha avó, sim. Ela fazia-me sentir muito especial. Era carinhosa e muito minha amiga. Tínhamos uma ligação muito forte e próxima.

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