Três Dimensões | 21-05-2025 21:00

“A velhice não tem de ser um negócio, mas também não pode dar prejuízo”

“A velhice não tem de ser um negócio, mas também não pode dar prejuízo”
TRÊS DIMENSÕES
Luís Vieira passou de ser um dos primeiros enfermeiros nas instalações da ARIPSI da Póvoa de Santa Iria para hoje ser o seu presidente

Luís Vieira, 55 anos, é o novo presidente da Associação de Reformados e Idosos da Póvoa de Santa Iria (ARIPSI) e tem como objectivo deixar as contas da associação em ordem e reforçar o cuidado com os idosos que estão a cargo da associação, que tem lar, centro de dia e apoio domiciliário.

Natural de Angola, considera-se de Ourém e vive na Póvoa de Santa Iria. Foi oficial da Guarda Nacional Republicana, estando actualmente na reserva. Foi na GNR que aprendeu a ser enfermeiro e descreve-se como uma pessoa curiosa e incapaz de estar parada.

Quando a ARIPSI abriu estas novas instalações, há 14 anos, fui dos primeiros enfermeiros a vir estreá-la. Na altura era presidente o já falecido João Quítalo. Formei uma equipa, especializei-me em geriatria e conheço muito bem esta casa. Sou de Ourém embora tenha nascido em Angola. Acabei por vir para Lisboa trabalhar e vivo na Póvoa de Santa Iria. Fui oficial da GNR e tenho formação na área da saúde. Sou enfermeiro e adoro esta profissão. Fiz toda a minha carreira de enfermagem dentro da GNR e cheguei a chefe de serviço até passar à reserva, onde estou há seis meses.
Na altura acabei por ter um litígio com o João Quítalo e a coisa não correu muito bem. Foi a primeira vez que me despedi e apresentei a demissão. Mas na altura prometi voltar, porque gosto muito desta casa e das pessoas que aqui estão. E assim fiz. Gosto de cumprir com a minha palavra. Desde que tomei posse, em Dezembro de 2024, que passo aqui boa parte dos meus dias, excepto quando dou aulas na escola de saúde da Cruz Vermelha, em Lisboa.
A minha equipa tem mandato até 2028 e queremos deixar a associação num rumo de estabilidade financeira. Está a ser uma aventura desafiante mas muito boa. O objectivo é muito ambicioso, tentar equilibrar as contas da associação, e felizmente nesta altura estamos bem. Nesta Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) os custos financeiros fixos são enormes e as receitas limitadas. Trabalhamos com um orçamento a rondar os dois milhões de euros, dos quais 63% é para suportar encargos com recursos humanos, o que mesmo assim já é estar abaixo de muitas outras IPSS. Mas se compararmos com uma empresa, que anda na casa dos 38% a 56%, temos uma outra perspectiva sobre a dimensão destes custos.
Para mim a ARIPSI tem uma missão social acima de tudo, mas deve ter uma gestão empresarial. E por gestão empresarial não falo numa perspectiva de lucro mas sim de cuidado na gestão, rigor, procurar as vantagens, encontrar novas formas de fazer as coisas para bem servir os nossos utentes. Conheço a realidade e também fiz formação na área da gestão na Universidade Católica e na Business School da Nova. Tento sempre saber mais e estar o melhor preparado possível para estar nesta função. Hoje temos 65 trabalhadores e 59 utentes em lar, 54 em centro de dia e 34 em apoio domiciliário. São à volta de 150 utentes, se considerarmos os centros de convívio onde estão outros utentes autónomos. O lar está esgotado e com fila de espera.
Temos sorte de ter um bom nome na sociedade que fomos construindo ao longo dos anos. Pagamos a tempo e horas e temos uma boa imagem. O anterior presidente (Rui Benavente) fez dois mandatos e achei importante que agora outra pessoa pudesse tomar as rédeas da instituição. Isto não pode ser feito com amadorismo, porque é uma casa que gere um orçamento grande e mexe com a vida de muitos utentes e trabalhadores. Foi por isso que quis dar o meu contributo. Gostava de sair deixando obra feita. Esta casa estava muito fechada e tem de se abrir à comunidade. Este edifício pode ter um segundo piso e não me chocava abrir uma segunda unidade por cima no futuro, de cuidados continuados ou paliativos. É um sonho. Estamos a fazer uma missão que é do Estado. Ele ajuda mas também temos de fazer pela casa, não podemos ficar exclusivamente de mãos abertas à espera dos subsídios. A velhice não tem de ser um negócio, mas também não tem de dar prejuízo.
Os idosos não são um problema para a sociedade. Foram os heróis de ontem e temos de os manter activos e tratar o melhor que podemos. Aqui damos vida aos anos. Eles não podem ser vistos como um peso na sociedade. O fim de vida tem de ser condigno e é importante mantermos isso. Temos de respeitar as vidas destas pessoas. Aterroriza-me um pouco pensar que um dia também terei de sair da minha casa e vir para um lar. Mas é a vida e temos de aceitar a degradação da nossa vida e eu lido diariamente com a doença terminal. Há sempre um caso ou outro que nos toca. Já me emocionei com um ou dois utentes.
Encaro este papel como uma missão social. Foi o dever cívico que me chamou para este cargo. Mais do que dois mandatos não farei, certamente. Mas quero deixar a casa bem financeiramente para quem vier a seguir. Vamos aos poucos melhorando, há ainda ajustes a fazer mas temos de ter cuidado ao cortar nas gorduras, porque arriscamo-nos a cortar também o músculo e isso não pode acontecer.
Infelizmente, hoje, nem toda a gente consegue pagar os preços que são praticados em muitos lares. Se as pessoas forem bem tratadas não me choca existirem lares ilegais. Muitas vezes são ilegais pelo espaço não ter uma licença, um elevador ou uma determinada infraestrutura, mas se tratarem bem os idosos e cuidarem bem deles, com uma equipa dedicada, isso é o mais importante. É preferível do que ter um edifício moderno e depois lá dentro os velhotes não terem o cuidado que merecem. Se calhar é competição desleal com quem tem tudo legal, admito que sim, mas temos de ver que há pessoas que não têm 1.500 euros ou mais para pagar por um lar.
Tira-me do sério na vida a incompetência e o chico-espertismo. Porque todos erramos e eu próprio já errei muitas vezes. Mas pedir desculpa e ser humilde é melhor do que tentar esconder a coisa e ser desonesto. Vejo com preocupação o estado da saúde em Portugal. Ela vai oscilando, já esteve melhor, agora está pior. Sou um defensor das parcerias público-privadas (PPP). Veja-se por exemplo o que aconteceu no Hospital Vila Franca de Xira e o quanto se degradou, pelo que oiço de utentes e colegas. Desde que as PPP sejam bem estudadas e negociadas e que sejam vantajosas para ambas as partes não vejo nada contra.
Ainda vou a Ourém muitas vezes visitar a família, mas gosto muito de viver na Póvoa de Santa Iria. É uma terra simpática para viver, embora pudesse ter outra qualidade de vida e melhores infraestruturas mas sim, gosto de viver aqui. Estamos perto de Lisboa mas afastados o suficiente para termos alguma paz. E a zona ribeirinha está engraçada e pode ficar ainda melhor com a requalificação que ali vão fazer. A Póvoa esteve muito tempo de costas voltadas para o rio e esta é uma oportunidade de nos reaproximarmos. Tenho duas filhas e espero que Portugal melhore e se transforme num país mais social e solidário. É importante que deixássemos esse legado.

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