“A educação de base compete à família, não à escola”

Margarida Franca é directora do Agrupamento de Escolas Alexandre Herculano, em Santarém, há 12 anos. Não queria ser professora como a mãe, mas acabou por se apaixonar pela profissão que, diz, está cada vez mais difícil. Determinada, não tem papas na língua mas a sua frontalidade nem sempre é bem recebida. Proibiu o uso de telemóveis no intervalo grande e conseguiu que a escola voltasse a ter alunos a jogar à bola e a conversar.
Nasci em Coimbra, mas nunca lá vivi. O meu avô, que era médico, tinha uma clínica e a minha mãe ia lá ter os bebés. Depois vivi até aos seis anos por esse país fora, porque o meu pai era engenheiro e fazia barragens, inclusive em São João do Campo, no Gerês. Mais tarde fui para Lisboa, onde fiz o meu percurso escolar até ao ensino superior.
Ser professora era uma profissão que não queria para mim. A minha mãe era professora, as mães das minhas amigas eram professoras e não queria essa profissão de maneira nenhuma. Queria seguir Medicina, mas não tinha média. Então acabei por calhar em Agronomia, no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa. E a experiência foi óptima. Gostei mais de tirar o curso do que do curso que tirei. Gostava muito de toiros e de cavalos, tanto que fui forcada no Aposento Feminino da Tapada. Não pegávamos toiros mas vacas. Ainda assim apanhei alguns sustos: uma costela partida e algumas cicatrizes.
Depois de largar a Agronomia fui para o ensino. Sou professora de Matemática e Ciências e posso dizer que me surpreendi. Concorri ao ensino numa altura em que fiquei sem emprego e logo na primeira vez que dei aulas adorei. É onde estou bem. Costumo dizer que vou acabar a minha carreira no pré-escolar, porque comecei a dar aulas no ensino superior, desci para o 12º e quando fiz o estágio já foi no 2º ciclo.
Não interessa se é matéria, adoro ensinar coisas aos alunos e vê-los descobrir o mundo, raciocinar sobre as coisas. Mas ser professor também é muito cansativo. Os pais estão muito difíceis, acham que o seu filho é único e que nós temos que viver para o filho deles como eles vivem. O sentido de comunidade perde-se. Tenho dez tios, dez tias, 30 primos e sempre vivemos em comunidade. Isto é, não havia filhos e sobrinhos, havia toda a gente. Se uma tia dava uma ordem era para cumprir.
Hoje as crianças têm muitas razões e pouco sentido de obrigação. Há demasiada permissividade e negociação e pouco aquele sentido que me foi incutido pela minha família da obrigação, que faz muita falta porque nós temos obrigações na vida. No emprego não há negociação. Numa empresa privada, o chefe diz e as pessoas podem não gostar, mas têm de cumprir.
Sou política desde os oito anos. O 25 de Abril foi muito vivido lá em casa. Os primeiros cartazes colados em Lisboa fui eu que os colei. Mas, atenção, adoro política, mas não gosto de politiquice. Ainda hoje discuti porque ouvi dizer que os políticos todos saem dos cargos cheios de dinheiro. Para mim, os políticos trabalham imenso, dão a sua vida privada à causa pública. Acontece-lhes como aos professores, que são julgados de forma errada. Dizem que os professores só têm férias, que só fazem greves e que chegadas as 13h00 não fazem nada.
Houve um ex-ministro que me perguntou: se eu pudesse, quantas pessoas despedia? Respondi: 10 a 15%. Ele disse que é o que todos os directores dizem. Portanto, dos professores, 10 a 15% são desadequados. Mas de certeza que no resto das empresas há muito mais gente desadequada. Só que nós estamos expostos. A educação de base compete à família, não à escola. E muitas falham. Porque acham que as crianças não podem ser contrariadas, ou sentir desconforto ou ansiedade. Há famílias que protegem demasiado, esquecendo-se que as crianças devem aprender a lidar com as emoções.
Na escola pública cabe toda a gente e actualmente temos uma multiculturalidade gigantesca. Mais de 20 nacionalidades, 30% dos alunos. São crianças que temos de educar com a nossa cultura. Agora, não podemos fazer tudo. E cada vez se pede mais à escola. A saúde escolar é que tem que fazer rastreios auditivos, aos olhos, é que tem que ter os psicólogos para tratar a saúde mental, é que tem que ter assistentes sociais para tratar as famílias. Os ministérios têm que fazer a parte deles.
Neste agrupamento de escolas os alunos não podem usar os telemóveis no intervalo grande. Passavam-no a jogar no telemóvel, agora jogam à bola, alimentam-se, conversam. Acabam por estar sem telemóvel das 08h30 até às 11h30, excepto na sala de aula, que serve de ferramenta e com autorização. Se não cumprirem, os telemóveis são tirados e só são entregues à sexta-feira. Não olho para esta medida como uma proibição mas como uma regulação do uso do telemóvel. A responsabilidade nunca foi problema para mim. Aprendi com o meu pai que temos que ser responsáveis. Gosto da escola que tenho ajudado a criar, que tinha tudo para ser de muita indisciplina e não é. A maior parte dos directores não dá aulas. Eu dou, mas com a ajuda de uma professora titular, porque tenho muitas reuniões e por vezes tenho de faltar.
Sou determinada e combativa, com bom coração. Não consigo fazer mal a ninguém. Não sou rancorosa. Sou muito frontal e as pessoas dizem que sou má por isso. Porque digo o que tenho a dizer. Quando me arrependo, peço desculpa. Prefiro uma verdade dura a uma boa mentira. Detesto que me mintam. Adoro conviver. Sou um animal social. Temos que nos dar com toda a gente, mas não temos que privar com toda a gente. Gosto de estar com os amigos à volta da mesa e de comer chocolate. Gosto de fazer desporto, de tomar conta das pessoas e de fazer pelos outros. Sou mãe de três. Não sou calma nem negociante. Mas fui a mãe da bicicleta, do subir à árvore do ‘se caíste, levanta-te’. Na vida falta-me viajar mais e, talvez, ter uma relação duradoura.