“Sou obrigada a ir trabalhar todos os dias de táxi pago para trabalhar e poder sair de casa”

Paula Sequeira é desde 2019 a presidente da Mithós Histórias Exemplares de Vila Franca de Xira, uma associação de apoio à multideficiência sem fins lucrativos e de utilidade pública, fundada na cidade em Abril de 2012. Nasceu com paralisia cerebral, mas nunca baixou os braços e tem sido uma voz activa na defesa dos direitos das pessoas com deficiência e incapacidade.
Nasci com paralisia cerebral por causa do parto. Se fosse hoje se calhar as coisas não tinham acontecido como aconteceram na altura. Contrariamente à maior parte das pessoas com deficiência fiz a escolaridade mínima, tenho o 12º ano na área de contabilidade e gestão, além de outras formações. Trabalho em part-time como escriturária mas só consegui encontrar um trabalho aos 37 anos. Os empresários ainda não vêm as pessoas com deficiência com capacidade para poderem trabalhar. Ainda há um grande estigma. Quando acabei a escola mandei currículos para diversos gabinetes de contabilidade em Azambuja e ainda hoje espero uma resposta. Estamos no caminho para mudar as mentalidades, mas mesmo com a lei das quotas em vigor ainda é muito complicado as pessoas com incapacidade terem oportunidade de trabalhar.
Sou presidente da Mithós desde 2019, até então era tesoureira e fazia um trabalho de backoffice no tempo da Manuela Ralha. Quando ela saiu não fiquei logo como presidente, primeiro assumi o cargo o vice-presidente e quando houve eleições achámos por bem que seria melhor para a associação a presidente ser uma pessoa com incapacidade. Ainda procurei outra pessoa mas ninguém aceitou porque isto acarreta muita responsabilidade e tempo disponível. Este vai ser o meu último mandato até 2027. Temos hoje 300 sócios mas a maioria são não pagantes porque têm insuficiência económica.
O principal pedido de ajuda que recebemos na associação são pessoas a procurar emprego e a tentar saber que tipo de apoios existem e a que têm direito. Ainda há muita desinformação sobre os apoios económicos que existem. As pessoas pensam que os apoios se cingem às cadeiras de rodas mas não é só. Há programas informáticos, telemóveis, computadores que podem ser pedidos. Se a pessoa estiver a trabalhar pode fazer o processo com o IEFP para poder ter uma melhoria no trabalho. Em VFX temos também o XiraAdapta para ajudar na remodelação e adaptação das habitações.
Quando encontro a Manuela Ralha vou-lhe dizendo o que ainda falta fazer mas temos consciência que ela sozinha é uma gota e tem sempre uma máquina à sua volta. Sentimos que houve boas alterações e fez-se algumas coisas para melhorar a mobilidade na cidade desde que ela foi eleita vereadora. Outras melhorias foram por causa de acções da Mithós. Sinto que ela tem feito um bom trabalho na medida que pode. É um trabalho que não depende só dela. Moro em Samora Correia que é uma cidade que ainda não está adaptada para a mobilidade das pessoas com deficiência. Muita gente não faz ideia o que é deslocar-se de cadeira de rodas em cidades que não estão preparadas.
Samora Correia não tem transportes adaptados. Tem uma única operadora de autocarros e já me queixei no livro de reclamações e depois escrevi-lhes por causa disso. Responderam-me dizendo que não têm na frota nenhum autocarro adaptado nem sabem quando vão ter. Sou obrigada a ir trabalhar todos os dias de táxi. É uma grande despesa. Pago para trabalhar e poder sair de casa. Mas isso sou eu, que ainda consigo sair de casa, porque o prédio onde moro tem elevador. Conheço muitas pessoas que não conseguem sair de casa. Isso não é aceitável nos tempos modernos que vivemos. Adorava ter o meu carro porque é muito complicado estar a pagar centenas de euros de táxi todos os meses.
Infelizmente a deficiência não é uma prioridade. A Mithós tem um projecto em que vamos às escolas falar com as crianças, tentar sensibilizar, porque já que não conseguimos chegar aos adultos ao menos tentamos fazer-nos ouvir às crianças. Até porque a melhoria das acessibilidades não é apenas para pessoas com deficiência. Esse pensamento é português. Carrinhos de bebé, pessoas idosas, em pleno século XXI deparamo-nos com carros parados em cima do passeio e obstáculos nos passeios. Tem de haver civismo.
A vida independente é o meu sonho. A Mithós candidatou-se a um projecto-piloto desse género mas não conseguiu ser aceite por causa de um erro na candidatura. No ano passado foram anunciados acordos de cooperação para abertura de novos CAJIS, os Centros de Apoio à Vida Independente e o meu sonho é que isso venha a ser uma realidade para todos. Ter um assistente pessoal devia ser um direito de todas as pessoas com deficiência. Já existe na Suécia há mais de 30 anos e nós só agora é que ainda estamos a dar esses passos.