Três Dimensões | 06-08-2025 21:00

Carlos Lourenço: burocracia impede o desenvolvimento

Carlos Lourenço: burocracia impede o desenvolvimento
TRÊS DIMENSÕES
Carlos Lourenço é Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Arruda dos Vinhos há três décadas - foto O MIRANTE

Carlos Lourenço, 69 anos, é um rosto conhecido em Arruda dos Vinhos. Empresário, dirigente associativo e ex-presidente de câmara, é também Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Arruda dos Vinhos, o segundo maior empregador do concelho, gerindo um orçamento anual de oito milhões de euros. Diz que a burocracia é um dos grandes entraves ao desenvolvimento dos projectos e que o maior desafio da actualidade é conseguir que a sociedade olhe para os problemas do outro como se fossem seus.

A Misericórdia de Arruda dos Vinhos já foi o maior empregador do concelho mas fomos ultrapassados pela câmara municipal. Somos um oásis de solidariedade para quem precisa de ajuda, mesmo quando os tempos são difíceis e os apoios são escassos. Não visamos o lucro mas também não podemos ter prejuízo, não conseguimos financiar e pagar ordenados aos colaboradores quando o Estado não nos dá o suficiente para as necessidades. Um exemplo: fomos aumentados no pré-escolar em 30 euros e mesmo assim temos um prejuízo de dezenas de milhares de euros nessa valência. Sou Provedor há quase 30 anos porque não há muita disponibilidade das pessoas para virem para aqui, tomar conta de um barco grande como este que já movimenta 8 milhões de euros e tem 270 colaboradores.
As exigências são cada vez maiores e a burocracia é terrível. Somos fiscalizados por tudo e mais alguma coisa. Muitas vezes tira-me o sono as responsabilidades desta casa. Temos felizmente conseguido levar este barco para a frente, mas com uma gestão ao cêntimo e a ter muito cuidado na gestão para não haver imprevistos. Temos dois lares de idosos, um com 37 e outro com 63 utentes, ambos com mais de cem utentes em lista de espera; temos berçário e creche, pré-escolar, um clube de jovens, unidade de cuidados continuados com 33 camas; temos fisioterapia com duas centenas de utentes, gabinetes de especialidade clínica, uma farmácia que é a nossa grande fonte de receita e apoio domiciliário para 37 utentes, lavandaria e cozinha que serve 900 refeições diárias. Isto sem esquecer a banda e a escola de música.
Tira-me do sério não conseguir ampliar o hospital e irrita-me toda esta burocracia. Querermos fazer as coisas e não conseguir. A burocracia é uma âncora que nos empurra para baixo enquanto país e região. Para tratarmos de um assunto demoramos imenso e isso não se compreende. Na ampliação de um dos nossos lares, por exemplo, numa simples modificação nas casas de banho, estamos há 3 meses há espera de uma resposta. A outra frustração é que acho que sozinhos não conseguimos fazer nada. Temos de colaborar todos, na comunidade, desde a autarquia passando por outras entidades, para juntos podermos fazer as coisas avançar.
O trabalho que fazemos é de proximidade e afecto, que não tem nada a ver com o que o Estado faz. Se não houvesse estas instituições não sei como seria, porque o Estado não tem capacidade de dar estas respostas de proximidade e de agilização de processos. Os idosos são o maior desafio da nossa sociedade, os mais vulneráveis e os que precisam do nosso apoio. Estamos a fazer a ampliação de um dos lares para aumentar a capacidade em sete camas; e no outro temos um projecto de aumento para 50 camas, dando melhores condições. Mas ainda estamos à espera de um apoio para isso. Também vamos ter residências assistidas, em casas individuais, onde as pessoas estão no seu espaço mantendo todo o apoio de um lar.
Sou do Turcifal, Torres Vedras, mas vim para Arruda com nove anos. O meu pai veio para cá trabalhar e aqui fiquei até hoje. Aqui casei, tive as minhas duas filhas e os meus cinco netos. Fui técnico oficial de contabilidade. O meu primeiro trabalho foi nas férias de Verão: ia para o Algarve para casa de um tio que era chefe de cozinha e aos 16/17 anos estava num hotel de cinco estrelas a ajudar no serviço de mesa. Estudava à noite e comecei a trabalhar num escritório num stand de automóveis. Passados uns dois anos fui para chefe administrativo de uma grande empresa de Arruda e quando ela faliu abri um gabinete de contabilidade e meti-me nesse ramo, com dois ex-professores meus.
Fui presidente de câmara durante 16 anos e presidente da Comunidade Intermunicipal do Oeste. Na altura gostava de ter feito a variante, que entretanto foi feita. Quando entrei para a câmara nem chefe de secretaria tinha. Os serviços tinham um computador para processar ordenados que ainda funcionava com disquetes. Entrei na política por desafio. Estava em casa, perto da meia noite, quando me bateram à porta a pedir para ir a uma reunião em frente à câmara. Mesmo tarde estava longe de imaginar o que era.
A honestidade, seriedade e a compreensão para com os outros, saber ajudar e dar de nós aos outros, devem ser valores fundamentais. Se fizéssemos isso, tudo era diferente à nossa volta. Se dermos um bocadinho de nós próprios aos outros, que não custa nada, a sociedade seria melhor. Vejo com muita preocupação o rumo que a sociedade está a tomar. A maior parte das pessoas exige tudo sem saber as dificuldades e as possibilidades que há do outro lado. Acredita que tem direito a tudo e isso não é verdade. Temos de aprender a comparticipar na sociedade e ver o problema do outro como se fosse o nosso. Ando no voluntariado desde os 16 anos. Comecei na comissão de festas, depois passei pelo Clube Recreativo Desportivo Arrudense. Nunca deixei de me envolver na vida da comunidade.
O meu sonho é ter saúde e ver a família reunida e os amigos também. Nos tempos livres tenho uma empresa de energias renováveis e passo aí grande parte do tempo. Nunca estou parado e tenho uma parte agrícola em casa que me ocupa bastante tempo e onde há sempre coisas a fazer. Não tenho momentos livres, é só tempo de sentar em casa ao fim do dia. Mas tento sempre ver uns jogos do meu Benfica e da selecção (risos).

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