“Não podemos apostar no Tejo se não forem criadas infra-estruturas para o usar”

Paulo Bernardino, 49 anos, é o empresário responsável pelo Atelier do Barco, situado na zona dos Caniços, entre o Forte da Casa e a Póvoa de Santa Iria.
O empresário, povoense de gema, ainda se lembra dos tempos em que se podia brincar na rua e onde praticamente não existiam prédios. Trabalhou no ramo imobiliário até decidir lançar-se por conta própria no negócio da venda e reparação de embarcações. Em três anos o negócio é um sucesso. O excesso de burocracia é um problema, mas para Paulo Bernardino há outro ainda pior: falar-se na preservação e aproveitamento turístico do rio Tejo e depois faltarem cais em maior quantidade para a náutica de recreio.
Estou registado como sendo natural da Póvoa de Santa Iria, apesar de ter nascido em Lisboa. O meu pai foi um dos primeiros autarcas da Póvoa no pós-25 de Abril, chamado Vítor Hugo Bernardino, que fez parte da comissão instaladora. Foi também vereador com o Daniel Branco na câmara, com os pelouros da habitação e urbanismo. Tenho muito boas memórias da minha infância na Póvoa. Imensas. Ainda hoje tenho um grande gosto pela cidade e tudo o que a envolva. É um excelente local para viver e trabalhar.
Sempre estive ligado ao negócio do imobiliário mas depois decidi dar o salto e começar o meu próprio negócio. Tudo começou depois de ter comprado uma embarcação de recreio que estava na marina do Parque das Nações. Quando teve um problema nos motores precisei de a reparar. Foi para uma oficina no Poço do Bispo e quando veio a conta foi uma fortuna. Eu já tinha ouvido o ditado de que quem tem barco tem de ter dinheiro, porque é tudo muito caro. Mas agora vejo que isso não é verdade. Comecei a investigar o negócio da náutica na zona de Lisboa, andei a ver o que se fazia e decidi implementar-me. Vi que nesta franja entre a marina do Parque das Nações e Valada não existia nada desta área, e nós temos uma zona muito interessante, com muitos pescadores e náutica de recreio. Decidi arriscar e não me arrependo nada.
O Atelier do Barco fez três anos em Abril. Nunca pensei que o negócio evoluísse e crescesse desta maneira. A principal dificuldade que temos hoje é a mão-de-obra. Temos aqui dois profissionais já com largos anos de experiência na náutica - pessoas importantes para o nosso negócio - e um outro colaborador que está a estudar engenharia na escola superior náutica em Paço de Arcos. Queremos continuar a crescer e não tive medo de me aventurar no meu próprio negócio. Tinha a certeza de que era um negócio com pernas para avançar. Não estou arrependido. Encontrei a minha vocação ao fundar este negócio. Tenho adquirido muito conhecimento de coisas ligadas à náutica e ao rio com os pescadores.
Gosto de dar oportunidade às pessoas da terra e tenho sempre tentado estabelecer parcerias com entidades da cidade. Um exemplo é a associação dos avieiros (ACAPSI), onde através de colaboração usamos parte das instalações deles. Também patrocinei a equipa de futsal feminina do Povoense e temos sempre actividades a decorrer com a ACAPSI. É importante um empresário dar de si à comunidade que o abraça. Nasci na Póvoa e estou ligado a estas pessoas desde pequeno.
Sou incapaz de estar quieto no sofá. Estou sempre com a cabeça em movimento e acordo a pensar em soluções para os desafios do dia. O segredo para o sucesso é a resiliência. Ser empresário é muito difícil. Entre a questão dos recursos humanos e a burocracia, são muitos os desafios que temos de ultrapassar. Optei por dimensionar a empresa para o mundo das cartas de marinheiro, com embarcações até 12 metros. Estamos aqui para resolver os problemas aos nossos clientes. Viemos desmistificar a ideia de que ter um barco é caro. Tenho preços justos e procurei fornecedores europeus. Somos o concessionário oficial de Lisboa da Suzuki, uma marca que já tem muita notoriedade de motores marítimos e está a crescer a quota de mercado a 18% ao ano.
No Atelier do Barco também fazemos reparações multimarca em motores de outras marcas. No fundo, tratamos de tudo o que tenha a ver com barcos, com preços acessíveis e margens bem calculadas para beneficiar os nossos clientes. Também temos desenvolvido muito trabalho com a Autoridade Marítima Nacional e a capitania do Porto de Lisboa. Neste momento estamos a trabalhar em duas embarcações deles.
Um barco dá-nos uma imensa liberdade durante todo o ano e não apenas no Verão. Infelizmente não temos boas infraestruturas no país, no mar e rio, para dar um apoio correcto aos negócios e à parte social das embarcações de recreio. É estranho, num país com uma costa imensa, termos tantas deficiências. Um exemplo foi o dia em que contactei a Câmara de Vila Franca de Xira para implementar um clube náutico junto à ACAPSI mas preferiram fazer um estacionamento. Tentam levar as pessoas para as margens do rio, criar ciclovias e infraestruturas para bebermos um café, por exemplo, mas depois esquecem-se de permitir que as pessoas possam ir fazer tudo isso vindas de barco pelo rio.
Há muita gente que gostava de visitar VFX vinda de barco mas não tem onde atracá-lo. Quando eu tinha barco percorri o rio todo, desde o Escaroupim até à baía do Seixal e o canal da Moita e Alcochete. Mas hoje se quiser agarrar num barco para irmos almoçar a qualquer lado não temos um cais público para acostar durante umas horas e poder usufruir. Não existe nada, nem aqui nem no mar. Espanha está extremamente desenvolvida comparado connosco. Adoro o rio Tejo, tem um potencial incrível, sobretudo no turismo, que infelizmente não é observado por ninguém. Podia-se fazer muito mais. Começando por tirar lama da rampa da Póvoa. Bastava haver uma dragagem ali para se poder usufruir da rampa. Qualquer pessoa com uma mota de água podia chegar e usufruir. Assim só é usado a partir da meia maré.
A grande mais valia de um barco é a paz e conseguirmos fugir da confusão. Descansar, ir à pesca, ouvir o som do mar e desfrutar da calma. Mas na Póvoa devia mesmo haver um pouco de vontade política para ter aqui um pontão de uso público. Não podemos apostar e defender o rio se depois não criamos infra-estruturas para o podermos usar. Andar de barco não é uma actividade sazonal, quem tem barco anda o ano todo.
O sucesso de um empresário é estar sempre a aprender para fazer melhor. Se fosse hoje, faria tudo igual ou melhor tendo em conta o que aprendi. Fazemos imensas formações para acompanhar o mercado. Hoje o trabalho absorve imenso do meu tempo, mas adoro viajar de carro, ir para um sítio qualquer com a família e usufruir de um almoço e dar uns mergulhos na praia. São as pequenas coisas da vida que nos podem fazer realmente felizes.