“A ideia das pessoas é que os políticos estão nos cargos para ganhar muito e não fazerem nada”

Nuno Carapinha é adjunto da presidência na Câmara de Azambuja, autarquia onde trabalha há mais de duas décadas. Criado em Aveiras de Baixo, onde se lançou ao mundo do trabalho a servir num restaurante, gosta de explorar a sua veia criativa e não sabe estar parado. É director de um festival de cultura e integra um coro de gospel. A hipocrisia tira-o do sério e lamenta que haja quem esteja na política para dar nas vistas e ter atenção.
A ida para a escola, em Aveiras de Baixo, freguesia onde cresci, marcou a minha infância. Como mais novo de quatro irmãos era o menino da mamã. O primeiro dia de escola foi um drama tão grande ao ponto de subir a postes de electricidade, porque não queria ficar ali, longe dela. Fora isso, tive uma infância tranquila. Uma das memórias mais marcantes é ir a correr esperar o meu pai à paragem de autocarro, que vinha do trabalho, na Opel.
Sinto saudades da simplicidade da infância, de não ter preocupações, de a vida ser leve. Quando somos jovens a vida corre leve, apenas com aqueles problemas que nem o são, com os dramas ridículos do dia-a-dia. Nunca fui de ter grandes sonhos, de ser médico ou de seguir uma profissão específica. Sempre tive uma filosofia de vida de a deixar correr e perceber para onde me ia levar. Comecei a trabalhar com 17 anos, num restaurante em Aveiras de Baixo, enquanto terminava o 12.º à noite. Não fui para a faculdade porque os meus pais não tinham capacidade económica. Nunca tive vergonha de dizer que servi à mesa.
Trabalhei na Junta de Aveiras de Baixo, no Centro Paroquial de Aveiras de Baixo e aos 23 anos entrei para a Câmara de Azambuja, onde ainda hoje trabalho, agora como adjunto do presidente. Antes passei pelo atendimento telefónico, que adorei, por gostar do contacto com as pessoas. Passei pelo expediente geral e depois para o Gabinete da Presidência como assistente administrativo. Trabalhei com vários presidentes, fui secretário de vários vereadores.
Gosto de poder trabalhar de perto com a decisão e com os autarcas, de perceber como é o seu dia-a-dia. Dá para perceber muito bem a forma como as pessoas se dirigem a eles, às vezes de forma muito injusta. As pessoas acham que os autarcas têm uma vida espectacular, mas são muito mal pagos para a vida que têm e para os fins-de-semana em que têm de abdicar de estar com as suas famílias, de ter os seus hobbies, os seus tempos livres. É muito exigente porque tem de haver proximidade com as pessoas.
A ideia generalizada das pessoas é de que os políticos estão nos cargos para ganhar muito e não fazerem nada. É completamente errado e eu sei porque trabalho com eles. Como adjunto do presidente tenho mais autonomia e trabalho em alguns projectos como o Orçamento Participativo, do qual sou coordenador. É muito gratificante ver o resultado dos projectos vencedores.
Sou uma pessoa com veia criativa e que precisa de a extravasar. Integrei, durante 18 anos, o Rancho Folclórico de Aveiras de Baixo. Fiz parte da fundação de um grupo de teatro na freguesia, onde não tínhamos muito que fazer ou com o que nos distrair, e fundei, juntamente com outros amigos, uma associação de jovens. A música entrou na minha vida há quase oito anos e foi das coisas mais fabulosas que me podiam ter acontecido. Já tinha sido vocalista de algumas bandas mas tinha medo da interacção com o público. Um dia lembrei-me de enviar um vídeo com uma gravação a cantar e hoje sou tenor no coro no Saint Dominic’s Gospel Choir. Já organizei muitos eventos nacionais e internacionais, entre outros a Black Fashion Week Lisboa.
O que mais valorizo nas pessoas é a sinceridade. Acho que tenho uma espécie de radar que sente quando a energia da pessoa não é boa. Quando não gosto de alguém afasto-me, não entro em conflito. Tenho humor torcido e sou muito brincalhão. Gosto de surpreender mas não de ser surpreendido. Gosto de estar sempre envolvido em projectos que desafiem a minha criatividade. Considero-me boa pessoa. Não me lembro de algum dia ter feito mal a alguém, pelo menos de forma intencional.
Os meus pais são os pilares da minha vida, pelos valores que me ensinaram. Há amigos que também o são. Sou de poucos mas bons amigos. Hoje em dia prezo muito os momentos que tenho sozinho. Gosto de estar comigo, posso estar sozinho mas não me sinto só. Há uns anos não era assim, tinha muito medo da solidão. Com a idade aprendi a não fazer fretes e a saber dizer que não.
Sou director do Azambuja CULTFEST- Festival Cultural do Ribatejo, que tem quatro anos e que é já um dos três maiores eventos do concelho de Azambuja, juntamente com a Feira de Maio e a Ávinho. É um evento da Junta de Freguesia de Azambuja e tem uma equipa muito pequena que o faz acontecer. Somos basicamente quatro pessoas para um ano inteiro de trabalho. Fiz parte de listas à Assembleia de Freguesia de Azambuja no passado, mas sempre nos últimos lugares. Sempre tive medo da exposição e andei 20 anos a tentar esconder-me, mas este ano integro a lista do Partido Socialista à Junta de Azambuja, em segundo lugar. O convite veio do André Salema, uma pessoa que admiro muito por ver a política como uma forma de servir as pessoas. A decisão pareceu-me natural. Nunca digo nunca, gosto de manter na vida portas e janelas abertas.
A maldade, a hipocrisia, a política rasa, o aproveitamento da descontextualização de situações para aproveitamento político, tiram-me do sério. A política tem que ser feita de pessoas sérias que têm de ter um projecto capaz de convencer as pessoas. Andar a achincalhar não é a minha forma de ver a política. No concelho de Azambuja temos de tudo: pessoas que fazem e estão na política pelas razões certas e pessoas que estão para terem atenção e serem vistas.
Não vou a touradas com frequência mas não sou anti-taurino como algumas pessoas acham. Pelo contrário, trabalho na promoção da cultura tauromáquica há mais de 20 anos e percebo perfeitamente o conceito, que é muito mais lato do que uma corrida de touros. Em miúdo ia passar as festas do Colete Encarnado a casa dos meus tios, a Vila Franca de Xira, e tinha por hábito assistir às largadas e corridas de touros.
Devíamos nascer com um telemóvel incorporado porque era muito mais fácil. Sou muito dependente do telemóvel e se um dia o perco não sei o que é que faço, porque é uma ferramenta de trabalho muito valiosa. Sou bom cozinheiro mas não gosto de cozinhar só para mim. Gosto de ver filmes. Ler, só os livros que a minha amiga Inês Ramos escreve, porque ela me obriga (risos). Fui uma espécie de gerente do cinema de Azambuja quando abriu. Já não existe e faz falta.
Se pudesse trazia o rio Tejo mais para dentro da vila de Azambuja, para que as pessoas pudessem tirar mais partido dele. E tirava o cano da EPAL que está na entrada da vila, não é bonito de se ver. Gosto de Azambuja como ela é, não a imagino a ser uma grande cidade, ia perder toda a identidade. Moro em Azambuja há 20 anos e gosto da tranquilidade que me oferece, perto de Lisboa.