“Desde que sou coordenador municipal de protecção civil nunca mais tirei férias em Agosto”

Tiago Espírito Santo, 42 anos, foi oficial da Força Aérea, experiência que moldou a disciplina e o rigor que hoje leva à Protecção Civil de Alenquer, onde é coordenador desde 2023. Licenciado em Geografia e Planeamento Regional, passou por Angola e por grandes grupos empresariais como director de segurança e hoje é também adjunto de comando dos Bombeiros Voluntários de Alenquer. Dedicou-se à carreira e deixou sonhos para trás. É emotivo, justo e, desde que assumiu as actuais funções, não sai do país nem tira férias em Agosto.
Nasci em Vila Franca de Xira, mas sou residente no concelho de Alenquer desde sempre. Vivi no Carregado e, desde há três anos, em Alenquer. Lembro-me de ver serem construídos os primeiros prédios no Carregado, que chamávamos de Dallas, precisamente porque só víamos aqueles edifícios nos filmes. E o videoclube ficou com o mesmo nome. Não existia a Escola Básica Integrada do Carregado, eu fui estreá-la quando entrei para o 7.º ano. Foram dos melhores tempos da minha vida: jogávamos à bola na estrada, andava-se de bicicleta, apanhávamos pássaros e ninhos, brincávamos às escondidas.
Licenciei-me em Geografia e Planeamento Regional na Universidade Nova de Lisboa. Acabei em 2004. Antes disso tinha trabalhado nas férias e em part-time. Depois disso fui vigilante numa empresa de segurança e assistente de recinto desportivo nas equipas que se formaram para o Euro 2004, em que fazia part-time no Estádio da Luz.
Quando acabei a licenciatura, decidi-me pela Força Aérea, onde fui oficial. Estive lá sete anos. Queria continuar, mas os contratos terminaram porque o país entrou em crise e o número de vagas de acesso ao quadro era mínimo.
Fui fazer uma pós-graduação em Direcção e Gestão de Segurança, porque era da área da polícia militar. A minha carreira foi sempre na área da segurança e não fazia sentido regressar à Geografia anos depois. Fui para Angola, para uma cadeia de hipermercados, como director de segurança. Voltei para Portugal e fui director de segurança do grupo Efacec, na Maia, e depois surgiu a oportunidade de regressar a Alenquer para o grupo Alenmot, para implementar o sistema de gestão de qualidade e segurança. Depois fiz uma segunda pós-graduação em Higiene e Segurança no Trabalho, porque muita coisa mudou na área. Fui director de segurança da CLC e, quando saí, vim para a Câmara de Alenquer como técnico de higiene e segurança no trabalho.
Acabaram por me colocar no Serviço Municipal de Protecção Civil, para estar na área mais operacional. É onde estão os maiores riscos e perigos para os trabalhadores. Foi aqui que iniciei o percurso nos Bombeiros Voluntários de Alenquer e, com a saída do anterior coordenador municipal da Protecção Civil, fiquei como coordenador municipal, primeiro interinamente e depois nomeado, em Julho de 2023. Mais tarde, por convite do comandante dos Bombeiros de Alenquer, fiquei também como adjunto de comando, onde estou até agora.
Tento levar os valores da vida militar para os bombeiros, mas estamos a falar de voluntários e tem de ser doseado. Tem de haver rigor e disciplina, mas termos orgulho na farda que vestimos e a vontade de fazer o bem, que é do ADN militar. Sou muito emotivo depois de resolver o que há para resolver. Sou um coordenador que faz o seu trabalho, mas que não se importa nem lhe custa nada estar ao pé dos seus elementos a cortar uma árvore, varrer uma estrada, apanhar um animal ou outra coisa no âmbito da Protecção Civil que seja necessária. Somos poucos e temos de ter essa capacidade de fazer um pouco de tudo.
Sou assertivo quando preciso de ser. Olho nos olhos da pessoa e digo: “não gosto disto”. Considero-me um líder justo com os colegas, já estive sentado ao lado deles, hoje sou coordenador por escolha também deles, que foram ouvidos no processo.
Falo com os órgãos de comunicação social porque precisam de dar informação às pessoas. Quando não damos, abrimos a porta à especulação.
Estive este Verão no combate aos incêndios em Tabuaço, Oliveira do Hospital e Castelo Branco. Não senti algumas das coisas que se escreveram e disseram na comunicação social. Senti dificuldades de pormenor e comunicação, mas coisas pontuais. Não posso dizer que nesses dias houve falta de coordenação ou falta de alimentação. Criticam o modelo das sub-regiões, mas na minha realidade as coisas têm funcionado, quer na relação e integração com a Lezíria, quer com Lisboa, para além da minha sub-região. Nunca senti que a reorganização geográfica fosse um obstáculo a nada.
Sou um céptico da Inteligência Artificial, porque tem de ser muito controlada e vigiada pelo homem. Não podemos entrar em loucuras, que é o que acho que vai acontecer. Isso é perigoso. Mas é uma mais-valia na área da Protecção Civil quando bem enquadrada. Sou muito comprometido com a segurança das pessoas e com os riscos que o meu município tem. E isso, às vezes, tira-me o sono.
Jogo futebol num grupo de veteranos de 15 em 15 dias. Quando posso, jogo futsal com um grupo de amigos à sexta-feira e dou aulas de cycling no ginásio uma vez por semana, que são os 50 minutos em que “desligo”. Desde que sou coordenador municipal nunca mais saí do país, nunca mais tirei férias em Agosto nem em determinados momentos que são críticos. Já tive de interromper férias, mas faz parte do ofício. Faço isto por gosto e porque nasci aqui. Quero dar o meu contributo para que esta terra tenha qualidade de vida, o que implica segurança. Por isso interrompo férias e acordo às três da manhã para resolver problemas.
Sou um pouco teimoso, mas, se me provarem, mudo de ideias com facilidade. Ainda não tive filhos precisamente porque me dediquei muito à carreira, à vida que levei, mas um dos meus sonhos é ser pai. Agradeço a quem acreditou em mim. Tive várias oportunidades, mas dei sempre o meu contributo com trabalho e dedicação, nada me apareceu de mão beijada nem por herança. O meu pai é bate-chapas e a minha mãe operária fabril, trabalharam a vida toda para me darem um futuro. A maior sorte que tive foi a possibilidade de estudar e as pessoas boas que encontrei e acreditaram no meu valor e na minha capacidade para as relações humanas.