Três Dimensões | 08-10-2025 21:00

Victor Rosa: “As PME são sempre pisadas pelos grandes”

Victor Rosa: “As PME são sempre pisadas pelos grandes”
TRÊS DIMENSÕES
Victor Rosa, fundador da BenaMáquina, recorda a infância, o trabalho e a luta das empresas para manter empregos, pagar salários e investir no país

Fundador da BenaMáquina, empresa de Benavente dedicada à venda e manutenção de máquinas agrícolas e industriais, Victor Manuel Alves Rosa, de 67 anos, recorda a infância humilde, o trabalho desde os 14 anos, a experiência em três continentes e a visão de futuro que o levou a criar, há décadas, um negócio de referência.

A vida levou-me a trabalhar e a aprender em três continentes. Europa, África e Ásia trouxeram-me bagagem profissional e ensinaram-me a olhar para os problemas de forma diferente. Em África e na Ásia tive de aprender a viver com pouco, a arranjar soluções onde nada parecia possível. Muitas vezes não basta um plano A, é preciso ter um plano B e até um plano C. Essa escola de vida enriqueceu-me e deu-me ferramentas para o que faço hoje.
A minha infância foi passada aqui em Benavente. Estudei e cresci nesta vila, numa época em que ser criança era muito diferente de hoje. Éramos felizes com pouco: jogávamos ao berlinde, à bola, inventávamos jogos de rua. Havia uma liberdade total e uma segurança que já não existe. Os mais novos respeitavam os mais velhos, a quem chamávamos sempre “senhor” e de quem aceitávamos conselhos. Hoje a sociedade é outra, os valores mudaram. Vejo jovens que já não têm esse respeito e penso que isso começa em casa, na educação de berço. Nos meus tempos, nunca ouvi falar em violações ou maus-tratos a crianças. Eram outros tempos.
Venho de uma família humilde, ligada à agricultura. Os meus pais eram agricultores, tínhamos animais, horta e tudo isso fazia parte da nossa vida. As dificuldades eram muitas. Comecei a trabalhar aos 14 anos e estudava à noite. Nasci, cresci e fui adolescente antes do 25 de Abril e sei bem o que eram as carências. Não passava fome em casa, mas sentia à minha volta muitas famílias a viverem com necessidades. Isso obrigava-nos a crescer cedo e a assumir responsabilidades. Trabalhar e estudar ao mesmo tempo foi um grande sacrifício, porque os meus pais não tinham condições financeiras para que pudesse estar somente dedicado aos estudos. Deu-me força para enfrentar a vida.
Sempre tive a preocupação de definir objectivos. No início de cada ano faço uma retrospectiva. Olho para o que falhei, para o que consegui e traço novas metas. Se pelo caminho aparece uma montanha, tenho de levar uma escada. Se há um rio, atravesso-o a nado. É assim que encaro a vida. Acredito que dos 20 aos 30 anos ganhamos experiência, dos 30 aos 50 é tempo de pôr em prática o que aprendemos e depois dos 50 é manter, com a consciência de que já estamos na segunda metade da vida.
Trabalhei em várias empresas nacionais, como por exemplo no grupo Salvador Caetano. Aprofundei conhecimentos de mecânica, electrónica, matemática, física e química. Tudo isso me ajudou a perceber como funcionam os equipamentos industriais e como se lida com clientes e com a gestão de negócios. Aos 30 anos, depois de ganhar experiência, percebi que estava a dar demasiado para os outros e que estava na altura de dar para mim. Foi assim que, em 1994, fundei a BenaMáquina, que se dedica ao comércio e reparação de máquinas industriais e agrícolas.
A empresa começou pequena, mas cresceu sempre em curva ascendente. Apostámos em formação tecnológica, em inovação e em acompanhar de perto as marcas que representamos. Trabalhamos hoje com clientes em todo o país, incluindo Açores e Madeira, e fazemos assistência a empresas e a particulares, inclusive ao domicílio. A equipa é jovem, todos com idades entre os 30 e os 40 anos, e também transmito os conhecimentos e experiências que adquiri. Sou o mais velho da casa, mas faço questão de dar formação e de acompanhar cada passo. Temos clientes fidelizados porque nos preocupamos em resolver os problemas. As marcas confiam em nós porque sabem que o nosso compromisso é sério.
O que mais valorizo nas pessoas é o humanismo. Na empresa digo sempre que o que conseguimos angariar é para dividir. Divide-se em ordenados, prémios, bem-estar. Todos vestem a camisola e jogam para o mesmo objectivo. Se uma engrenagem falha, a roda pára, e quando isso acontece todos perdem. O que me entristece é ver a falta de vontade de determinadas pessoas, como se fossem mercenárias e sem pensar no colectivo. Uma empresa não existe para ser um problema, existe para ser solução. É por isso que insisto tanto no espírito de equipa.
Tenho críticas duras à forma como o Estado trata as pequenas e médias empresas. Somos tributados como os grandes grupos, mas não temos os mesmos meios. Pagamos IRC e pagamentos por conta iguais aos gigantes, enquanto estes ainda têm benefícios fiscais. Os pequeninos são sempre pisados, mas todos fazemos falta ao tecido empresarial do país. Muitos de nós lutamos todos os dias para manter empregos, pagar salários e investir, mas deparamo-nos com uma carga que trava a evolução.
Ainda tenho sonhos por realizar. Um deles é voltar a estudar e tirar engenharia. Estudei até ao 12.º ano e, embora a experiência prática me tenha dado muitos conhecimentos, gostava de saber mais. Seria um objectivo pessoal e profissional. Gosto de aprender e nunca me limitei ao que sabia.
Também tenho os meus hobbies. Gosto de futebol, mas vejo os jogos em casa porque os estádios tornaram-se palco de batalhas campais. Não tenho paciência para insultos e agressões. Prefiro estar sossegado no sofá. A caça é outra das minhas paixões. Gosto de ir com os amigos, passar uma manhã ou um dia no campo, almoçar juntos. Faz-me bem, liberta-me do stress e dá-me energia para enfrentar a semana. Também gosto de praia e de viajar. Costumo fazer uma ou duas viagens por ano, porque a vida também mo permite fazer.
Sinto-me privilegiado por viver em Benavente. Estamos numa posição geográfica excelente. Estamos perto de Lisboa, das praias, dos aeroportos e temos um bom clima. Num raio de 50 quilómetros temos a zona mais rica do país. Moro a pouco mais de um quilómetro do trabalho, posso almoçar em casa, não perco tempo em filas de trânsito. Isso é qualidade de vida. Mas também vejo problemas. O trânsito pesado em Benavente e Samora Correia é um caos. Faltam estacionamentos e não houve visão de futuro no planeamento urbano. Neste caso poder-se-ia ter mais, como por exemplo ter-se criado um parque de estacionamento subterrâneo quando se fez a requalificação do Parque 25 de Abril. Espero que os futuros autarcas tenham essa visão.
Não sou uma pessoa vaidosa. Não me considero especial. O meu maior prazer é satisfazer os clientes, estar com os amigos e viver de forma simples. Cumprimento todos, falo com todos. Já contribuí muito para este país e, se ganhasse o Euromilhões, talvez parasse a actividade ou deixasse a empresa a outro gerente, mas sobretudo faria felizes os que me rodeiam.

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