Três Dimensões | 12-11-2025 21:00

“Ser empresário em Portugal é um acto de coragem” 

“Ser empresário em Portugal é um acto de coragem” 
TRÊS DIMENSÕES
Alexandre Neves, economista, formador e consultor mantém o cordão umbilical a Coruche, localidade onde cresceu e residiu até há pouco tempo - foto O MIRANTE

Natural de Santarém e criado em Coruche, Alexandre Neves, 48 anos, é economista, consultor e formador. Passou quase duas décadas no ensino e hoje lidera duas empresas na área da consultoria e da contabilidade, com clientes em Portugal e no estrangeiro. Acredita que a fé e a ética são traves mestras da sua vida e da sua forma de estar nos negócios. Entre os números, a família e o desejo de continuar a empreender, Alexandre Neves é o retrato de uma geração que cresceu com valores sólidos.

Coruche foi a terra que moldou o meu carácter e onde aprendi quase tudo o que sei. Filho de pais ligados à contabilidade e neto de um agricultor empreendedor, cresci entre a terra e os números, entre a humildade e o rigor. A infância é provavelmente o nosso melhor período de vida e às vezes só mais tarde é que percebemos. Tive uma mãe extraordinária, que me marcou profundamente e que perdi demasiado cedo. Tinha apenas 18 anos quando ela morreu, e essa ausência deu-me a noção real da fragilidade da vida. Foi ela quem me transmitiu os valores que carrego até hoje: o respeito pelo próximo, a solidariedade, o trabalho e a meritocracia. A sua influência estende-se a cada decisão que tomo e ao modo como educo os meus filhos.
O meu avô, David João, foi também muito importante na minha educação. Foi um homem ligado às vertentes florestal e agrícola. A primeira profissão que quis ter foi a dele. Venho de famílias humildes e nós tínhamos terras arrendadas, aprendia o valor do trabalho e do tempo. Mas foi o meu avô quem me orientou para outro caminho. “Tu és bom aluno, segue a área da gestão. Um dia, a terra pode faltar, mas o conhecimento fica”. Essa frase ficou comigo, foi um murro no estômago.
Acabei por seguir a contabilidade, que foi algo natural pois gostava de números e de matemática. Não tive problema. Também fui professor durante 18 anos, sobretudo no ensino profissional, e essa experiência foi uma das mais gratificantes da minha vida. Ensinar é um acto de partilha e de fé. O ensino profissional continua a ser subvalorizado em Portugal, mas é essencial. Continuamos abaixo do nível médio de alunos do ensino técnico-profissional. Precisamos de canalizadores, carpinteiros, técnicos e contabilistas, profissões que sustentam o país e que merecem dignidade.
Tenho uma antiga aluna a trabalhar connosco. A falta de mão-de-obra qualificada não é só naqueles sectores que toda a gente fala, e neles inclui-se a contabilidade. Hoje continuo ligado à formação, quer em empresas privadas, quer no Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), onde desempenho funções de formador. Acredito que a aprendizagem é contínua, que o mundo muda todos os dias e que é preciso estar em cima dos acontecimentos. Sou consultor e formador. Tenho duas empresas, a Alexandre Neves Consulting, dedicada à consultoria e à gestão de projectos, e a Traduz Resultados, que partilho com o meu sócio Rogério Mesquita e se foca na contabilidade e fiscalidade de empresas de norte a sul do país, e também além-fronteiras.
Sempre fui empreendedor. Talvez por herança genética, talvez por inquietação. Digo muitas vezes que os empresários portugueses são verdadeiros super-homens, porque ser empresário em Portugal é um acto de coragem. Temos um país com demasiadas taxas e prazos, com uma carga fiscal sufocante, e isso exige não só competência, mas também resiliência. Mas o que mais me preocupa é a iliteracia financeira. Há pessoas com ideias brilhantes e enorme capacidade de trabalho, mas sem noções básicas de gestão. Defendo que qualquer empresário devia ter, no mínimo, cinquenta horas de formação em gestão antes de abrir um negócio porque é muito desafiante ser micro, médio ou grande empresário.
A tecnologia tem transformado o nosso sector. Já trabalhamos com inteligência artificial e especializei-me em Ciência de Dados para acompanhar essa revolução. A IA vai mudar o futuro da contabilidade e da economia, mas acredito que o lado humano nunca poderá ser substituído. Os números contam histórias. Não temos uma bola de cristal, mas conseguimos prever certos cenários através de modelos analíticos e estatísticos com alguma capacidade de antecipação.
A fé sempre teve um papel fundamental na minha vida. Fui escuteiro e mantenho uma devoção profunda a Nossa Senhora do Castelo e Nossa Senhora de Fátima. Todos os anos faço a peregrinação a pé a Fátima, não por promessa, mas por gratidão. É a forma que encontrei de fazer balanço e agradecer o que tenho. Essa espiritualidade orienta também a minha forma de liderar. Tento ser justo e dar as melhores condições a quem trabalha comigo. Nas empresas que lidero damos, todos os anos, apoio a instituições sociais e desportivas, porque acredito que o sucesso empresarial deve andar de mãos dadas com a responsabilidade social.
Acredito que o Ribatejo tem um potencial imenso. O sul do distrito, onde vivo e trabalho, é fértil em talento e recursos, mas precisa de mentalidades mais abertas e de maior cooperação entre municípios. Porque não unir Coruche, Benavente e Salvaterra de Magos em projectos conjuntos de saúde, porque nos faz muita falta um hospital, mas também em áreas como o turismo e a indústria? Temos tudo o que é preciso, portanto, é unir o poder político, o poder empresarial e o poder social.
Sou casado, tenho dois filhos, a Constança e o Tomás, e o que mais me preocupa é o futuro deles. A minha filha entrou este ano em Medicina Dentária, e é já financeiramente autónoma. Orgulho-me de lhe ter ensinado a gerir o dinheiro e a responsabilidade desde cedo. Nos meus tempos livres gosto de estar com a família e os amigos. Não sou de grandes hobbies, mas não dispenso um jantar bem servido, um bom vinho e uma conversa sem pressa. Adoro desportos motorizados, em especial os ralis e a Fórmula 1. Estive no Estoril a assistir à primeira vitória de Ayrton Senna e ainda hoje é uma das minhas melhores memórias.
Gostava que Coruche tivesse melhores acessibilidades e que a mentalidade se alterasse um pouco. Em contraponto, é uma vila que tem tudo. É crucial manter o rio lindíssimo e toda aquela envolvência. Tem um bom ensino secundário, profissional e uma dependência da Universidade Aberta. Precisamos de pessoas com garra, com capacidade e com dinamismo para poder projectar. Daqui a dez anos imagino-me ainda a empreender. O sonho é viver junto ao mar com a minha mulher, a Fatinha, que foi quem me apoiou nos momentos mais duros, quem acreditou quando poucos o faziam. Sem ela, nada do que tenho seria possível.

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