“Não é possível fazer agricultura como se fazia; há práticas ambientais que os agricultores têm de cumprir”
Com um percurso feito entre o campo e a cidade, João Fonseca fala da agricultura como uma actividade que se constrói ao longo do tempo. Da infância em Lisboa, cidade onde nasceu em 1970, às responsabilidades actuais na Companhia das Lezírias, defende decisões assentes no conhecimento, no racional económico e no respeito pelo ambiente.
Estudei e vivi em Lisboa, onde também fiz a minha formação académica em Agronomia. Sou agrónomo com a especialidade em Economia Agrária e Sociologia Rural. As coisas aconteceram naturalmente. Não posso dizer que sempre tive esta vocação, porque não é verdade. Quando era criança cheguei a pensar em ser médico. A medicina era uma coisa que me fascinava de certa forma. Mas depois acabei por não escolher. Acabei por ir para agronomia e gostei.
Logo após tirar o curso, fui trabalhar para fora de Lisboa. Estive num projecto da Transgás. Era uma infraestrutura de gás natural que vinha do Norte de África e em que, de grosso modo, o traçado era um T. Havia um troço que era de Elvas a Leiria. Fiz as avaliações dessas propriedades todas. Esse foi um dos meus primeiros empregos e foi aquele que mais me marcou. Apanhei o país todo. Encontrei realidades muito diferentes e tipos de propriedade muito diferentes. Agricultores muito diferentes e proprietários que não eram agricultores. Do ponto de vista pessoal, enriqueceu-me muito porque apanhei desde o juiz ou o diplomata até à pessoa mais analfabeta e mais básica. Isso obrigou-me a saber comunicar com pessoas diferentes.
Na altura não havia as comunicações que há hoje. Estamos a falar de 1995. Os primeiros telemóveis eram enormes e as equipas tinham um. A comunicação era feita muito deficientemente. Não havia cadastro lá no Norte. Tinha de arranjar soluções. Em aldeias mais pequenas, numa delas fui falar com o padre da aldeia. No final da missa de domingo, o padre explicava às pessoas que eu estava lá fora e que precisava de falar com elas porque estava a decorrer um projecto. Era assim que se conseguiam identificar os proprietários para pagar as indemnizações pela passagem do gasoduto.
Não tive uma vida completamente urbana, mas também não tive uma vida completamente ligada ao mundo rural. Foi depois, mais tarde, que acabei por, já casado com a minha mulher, que é agrónoma, e com o primeiro filho a caminho, mudar de casa para Santarém, em 1999. Não estou arrependido.
A minha infância foi a infância dos anos 70. Brincávamos na rua até haver dia. Ia de transportes públicos para o ciclo preparatório com 10 ou 11 anos. Era uma infância vivida de uma forma muito mais despreocupada do que é vivida hoje. Em Santarém consegui proporcionar aos meus filhos uma infância parecida.
Tive uma carreira profissional longa, progressiva, na Quinta da Lagoalva. Comecei como projectista, depois estive ligado à área financeira e administrativa, passei a director-geral e mais tarde fui convidado para o conselho de administração. Foi um processo evolutivo dentro da empresa. Hoje, na Companhia das Lezírias, por ser a maior exploração agrícola do país, por estar inserida numa Registo Nacional dos Empreendimentos Turísticos (RNET) e numa Zona de Protecção Especial (ZPE) e por ter o Estado como accionista, existem responsabilidades sociais e ambientais acrescidas. Mas a Companhia é uma empresa. O racional económico tem que lá estar. Ele tem que estar sempre no fim da linha das decisões. Se ele não estiver, corremos o risco de deturpar decisões ambientais e sociais com outros prejuízos.
A agricultura portuguesa tem mudado muito. Quem não acompanhou ou resistiu a essa mudança tende a marginalizar-se. Não é possível continuar a fazer agricultura como se fazia. A margem não permite isso e há práticas ambientais que os agricultores têm de cumprir. Na minha opinião, os maiores zeladores do ambiente são os agricultores, porque dependem de um recurso natural fundamental, que é o sol e a água.
A agricultura não é uma actividade de resultados imediatos. Os investimentos não têm retorno imediato. Está dependente de muitos factores aleatórios, como as condições climatéricas. O agricultor pode fazer tudo bem feito e, no fim, acontecer qualquer coisa que não domina e as coisas correrem pessimamente.
Na floresta, a zona sul do distrito de Santarém é mais de montado e a zona norte também, mas já com algum eucaliptal. As opiniões sobre o eucalipto estão carregadas de ideologia e com pouca base científica. O eucalipto é uma espécie florestal como outra qualquer. Tem de ser bem gerida. E bem gerida, ela não arde mais nem menos do que as outras. Se tivesse de escolher uma árvore para representar o meu percurso, escolhia o sobreiro. Pela longevidade e pela sustentabilidade. Dá rendimento e não pede nada. Desenvolve-se em solos pobres, resiste a picos de calor e continua a viver.
Um gestor agrícola tem de estar no campo e à secretária. Não é possível tomar decisões sem ter os pés na terra, mas também não é possível não dominar uma folha de cálculo. As decisões têm de ser tomadas com trabalho proveniente das duas áreas. O que me ajuda a desligar é a minha família. A minha mulher e os meus três filhos são o meu pilar. Nenhum deles está ligado à agricultura e vivem todos fora de Portugal. Vivemos num mundo globalizado. Também faço bricolage, vou ao ginásio e procuro passar o pouco tempo livre com a família e os amigos.
Estar em espaços naturais ensina-me a relativizar a nossa dimensão humana. Tive alguns percalços de saúde ao longo da vida e isso ensinou-me a relativizar muita coisa. A vida é muito curta. Quero ter esperança nos jovens que entram no sector. Conheço jovens com boa formação académica, interessados e bons profissionais, muito virados para as novas tecnologias. Julgo que vem aí uma geração de bons profissionais.
Se amanhã acordasse sem qualquer cargo teria mais tempo para tratar de assuntos dos meus filhos e a dar mais atenção à minha mãe. Tenho pena de não lhe conseguir dedicar mais tempo. A nossa sociedade, infelizmente, tem pouca sensibilidade para com as pessoas mais velhas, é mesmo um problema social. A minha maior qualidade é a generosidade. Um defeito é a teimosia. Mas quando percebo que não estou correcto, sou o primeiro a reconhecer e a emendar. Sonhos por concretizar? Viajar mais. Gostava de conhecer o Oriente por curiosidade intelectual.
Estou ligado a algumas associações por uma questão de contribuição cívica, nomeadamente a Associação de Moradores do Centro Histórico, onde resido. Sou dos resistentes e uma das maiores limitações é a questão do estacionamento. A praça perto de onde moro foi requalificada pelo município, ficou muito bonita, há vários bares que dão vida, o que é muito positivo, mas para quem tem filhos pequenos ou familiares com limitações ou com mais alguma idade torna-se um problema enorme não ter onde deixar o carro. Gostava de ver resolvida essa questão.


