“Hoje se uma criança é empurrada por outra na escola já é vítima de bullying”
Isabel Veiga, 48 anos, directora do Agrupamento de Escolas Alves Redol em Vila Franca de Xira.
Isabel Veiga nunca quis ser professora mas apaixonou-se pela profissão à primeira aula. Ao fim de 27 anos de serviço confessa que já pensou por um ponto final na carreira, que deixou há muito de ser atractiva. Explosiva por natureza, a directora do Agrupamento de Escolas Alves Redol não suporta hipocrisias. Viveu uma infância livre e feliz e lamenta que as crianças de hoje não tenham a mesma sorte.
As crianças têm pouca liberdade para brincar e desenvolver autonomia. Muitas não sabem o que é saltar à corda ou andar de bicicleta, vivem agarradas ao telemóvel. Tive a sorte de ter uma infância feliz a tratar das cabras com a minha avó, a jogar aos jogos da pedra e do lenço e ir e vir da escola a pé com outras crianças.
Hoje se uma criança é empurrada por outra na escola já é vítima de bullying. Mas isso é o viver normal de uma criança, que ainda não tem consciência que está a fazer mal. Não quero com isto dizer que o bullying não existe porque existe mas é preciso saber o que é.
Nasci numa pequena aldeia do concelho de Alvaiázere. A minha mãe trabalhava no campo e o meu pai era polícia em Torres Novas. Aos 15 anos fui viver para Tomar, onde tirei um curso técnico-profissional de informática. Licenciei-me depois na mesma área num pólo do ISLA em Torres Novas.
Nunca quis ser professora mas depois de experimentar nunca mais deixei o ensino. Comecei a dar aulas de informática na Escola Profissional em Torres Novas enquanto fazia a faculdade à noite. Em concurso nacional a primeira vez que fiquei colocada foi na Secundária de Ourém.
Já pensei em abandonar o ensino por estar zangada com o Ministério da Educação. Há muito que a carreira de professor deixou de ser atractiva. Tenho 27 anos de serviço e acabei de integrar o quarto escalão da carreira. Nem eu nem nenhum professor da minha geração vai chegar à reforma no topo da carreira.
A sociedade criou a imagem que os professores trabalham pouco, ganham muito e se reformam cedo. Não é verdade e também é preciso desconstruir a ideia de que temos três meses de férias.
A falta de professores vai ser o maior desafio da escola pública nos próximos cinco anos. Vai haver uma debandada de reformas e ninguém para ocupar esses lugares porque os cursos base pedagógicos para formar professores ficam desertos. E em zonas como Vila Franca de Xira onde o preço das casas é um absurdo o problema vai agravar porque com salários de mil euros e deslocados, muitas vezes a pagar duas casas, fica difícil. Não se percebe como é que os professores do norte vêm parar ao sul e os do sul ao norte.
Os alunos ainda não estão habituados a usar o telemóvel na aula para fins pedagógicos. Para a maioria é só para brincar. Hoje dizem-nos que não podemos dar aulas como há 20 anos mas há questões como a dos telemóveis que são culturais e levam o seu tempo a mudar.
Os meus pais priorizaram e valorizaram a minha formação académica e foi o melhor que podiam ter feito por mim. Apesar de não serem ricos para os estudos, nunca me faltou nada. O primeiro computador que me deram custou uma fortuna.
Não podemos servir-nos dos cargos que exercemos para fazer perseguições. Enquanto directora tracei uma linha recta de valores que assenta em tratar todos por igual. No dia em que a quebrar vou-me embora.
Sou energética e por vezes explosiva, mas logo de seguida acalmo-me e procuro resolver o problema que tenho em mãos. Às vezes tenho excesso de opinião, mas não sou ressabiada nem de guardar rancor. Hipocrisia e maldade gratuita são as piores características do ser humano. O que mais valorizo no outro é o espírito solidário e a lealdade. Hoje tenho menos amigos que há uns anos mas os que tenho são leais. A vida ensinou-me a seleccionar melhor quem quero ter à minha volta.
O meu pequeno prazer da vida é ficar em casa com os amigos a comer uns grelhados e a beber um copo de vinho tinto. Gosto de dançar e de cantar karaoke em casa, com privacidade.
Na minha vida não pode faltar o meu marido e a minha filha. Em minha casa não pode faltar café. Sou uma mãe muito orgulhosa da filha que tenho. Não sou de Vila Franca de Xira mas sinto-me vilafranquense. Se pudesse trazia para a cidade um bom restaurante com música ao vivo. Não vou às touradas mas respeito muito essa tradição.
Na vida falta-me fazer voluntariado numa pediatria e viajar mais. Quero conhecer o Egipto, a Índia, Turquia, Moçambique e Cabo Verde, pelas suas culturas. Sou de andar com a mochila às costas, não tenho paciência para ficar numa praia a apanhar sol.