Reforma compulsiva é tão violenta como um despedimento
No final da passada semana participei activamente na organização, e depois na concretização, de uma mesa redonda sobre “Transições de vida em pessoas com mais de 50 anos”. Embora fizesse parte do painel do debate remeti-me ao silêncio porque a companhia era de peso e tinha muito para contar. Escrevi este texto que resume a iniciativa e pode interessar a quem está atento às novas realidades no mercado de trabalho, mas também na vida social e cultural.
A Constituição Portuguesa no seu artigo 13 diz que ninguém pode ser discriminado em razão da orientação sexual, religião, raça, situação económica e convicções políticas ou ideológicas. Mas pode ser em razão da idade e isso é a maior discriminação que se pode fazer a uma pessoa em vida, diz Maria João Valente Rosa, socióloga e demógrafa, que no dia 21 foi uma das que participou numa mesa redonda promovida pela InTransitus, moderada por Maria Ana Botelho Neves, professional activator. Rita Cunha, André Moreira e Vera Norte, completaram o painel que debateu o papel das transições de vida em pessoas com mais de 50 anos. O objectivo era mapear tendências e desafios emergentes.
Foi a primeira iniciativa pública da InTransitus. Maria João Valente Rosa abriu a conversa e não foi meiga com os políticos que parecem desinteressados dos problemas das pessoas mais velhas, dando como exemplo a questão da reforma obrigatória aos 70 anos: “A discriminação pela idade e o facto de estar a ser ignorado que vivemos numa sociedade de vidas longas. André Moreira é director de operações e parcerias, Movimento 55+, Movimento e Plataforma 55+, que trabalha no mercado com mão-de-obra oferecida exactamente por pessoas que se reformaram e não querem ficar paradas. André contou vários episódios que demonstram as dificuldades que existem para as pessoas que querem ser úteis, mas também para aqueles que precisam de mão de obra e ainda gostam de recrutar pondo a idade como um motivo de escolha. André tem 34 anos, era de longe o mais novo de todos os participantes, e contou que tirou a carta de condução ao mesmo tempo que a sua avó, e frequentou a universidade ao mesmo tempo que o pai; Os exemplos serviram para contar que tem consciência que vive numa sociedade cada vez mais mudada e diferenciada e que não faz sentido discriminar as pessoas por serem mais velhas.
Vera Norte, assessora de comunicação e empresas da Associação dNovo, que também mobiliza pessoas em transição para o mercado de trabalho, contou a sua história pessoal e exemplificou: “quando me perguntam a idade digo que tenho um filho com 31 anos”. Depois contou que no seu tempo a maioria das mulheres não ia para as fábricas, mas ela foi tirar um curso e acabou em engenheira química; depois, contrariando tudo o que era norma, que era as mulheres não saírem de casa, emigrou para a Dinamarca e fez lá boa parte da sua carreira profissional.
Rita Cunha, professora catedrática de Gestão de Recursos Humanos já tinha dado o mote mas mais tarde constatou a situação que marcou o debate; “Todos se indignam quando são vítimas de despedimento, ou sabem de alguém que sofreu essa situação traumática, mas a reforma compulsiva não deixa de ser também uma violência, e nos nossos dias pode ser considerada uma forma de violência tão grande ou ainda maior que a de um despedimento, porque as pessoas que sofrem essa situação não têm quem as apoie, está instituído que são uma carta fora do baralho, e mesmo que não sejam é assim que são vistas”, disse.
“As gerações vivem separadamente e as próprias sociedades, ou os seus representantes, organizam assim a nossa vida colectiva; esse é o mal. A educação tem um efeito mais diferenciador do que a nossa idade. Apenas cerca de trinta por cento do nosso envelhecimento é genético, o resto depende do nosso comportamento social, e pouca gente quer saber disto, preferem ignorar porque dá trabalho ajustar políticas públicas e privadas, mas não desisto de falar destes assuntos para que na União Europeia a questão da idade deixe de vir à cabeça em todos os estudos sobre discriminação”, insistiu Maria João Valente Rosa.
Maria Ana Botelho Neves provocou ainda a discussão à volta de situações em que um profissional que vai para a reforma, ao cortar a relação com o trabalho corta também o interesse pela vida; O assunto foi pretexto para contar episódios de pessoas que ainda hoje, depois de serem despedidas, continuam meses e meses a esconder da família essa realidade, até que um dia, já em grande sofrimento, são obrigadas a deixar cair a máscara da vergonha. JAE.