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O inventor

Manuel Lopes de Sousa diz que o seu maior gozo é criar coisas novas

Aos 14 anos começou a trabalhar como aprendiz de serralheiro e mais tarde foi canalizador. Apesar de trabalhar desde muito novo Manuel Lopes de Sousa nunca tinha dinheiro para gastar nos “vícios” da juventude – umas bebidas, uns bailaricos. Praticamente até ao dia do seu casamento entregava religiosamente em casa “a féria” que recebia semanalmente. E esse facto puxou-lhe a criatividade e levou-o ao que hoje é – um inventor com medalhas e prémios recebidos a nível internacional.

“A fome e o frio metem a lebre ao caminho”, diz Manuel Lopes de Sousa, 79 anos já feitos mas com um espírito que continua jovem, solto e criativo. “A criatividade está em toda a gente, mas na maioria dos casos não é agitada, não é despertada”, refere o inventor, acrescentando que isso deve acontecer entre os dez e os 20 anos – “é como tirar a carta de condução, se se tirar depois dos 30 anos nunca mais se é um condutor capaz, os reflexos não são os mesmos”.O “bichinho” criativo do inventor de Abrantes foi despertado ainda antes dessa idade, mais precisamente aos oito anos, quando começou a jogar à bola com os amigos. “Naquele tempo fazíamos bolas de meias, mas duravam muito pouco tempo e eu pensei em arranjar uma bola capaz”. Pediu à irmã que lhe ensinasse a fazer malha e fez uma meia concha em fios de guita que ia pedir às lojas. Depois desta estar terminada começou outra meia concha, ao contrário, acabando assim por formar uma esfera perfeita, que encheu de trapos ou papéis. Estava feito o primeiro invento, que durou uma eternidade.Manuel Lopes de Sousa diz que apesar dessa bola ter sido feita há cerca de 70 anos ainda hoje está actualizada – “estou convencido que se fizermos uma bola com fio de couro ou fio sintético, obteríamos uma bola para o futebol completamente esférica e sem gomos”.Desde essa altura que não mais parou. Aos 16 anos fez uma máquina para fazer uns arames em “s” que serviam para segurar as telhas dos telhados à portuguesa, a telha de canudo – “vendia muito para os pedreiros e para as casas de ferragens”. As invenções eram feitas sempre após o horário de trabalho, “muitas vezes até às duas ou três da manhã, à luz de uma candeia”.De há 30 anos para cá largou tudo, dedicando-se exclusivamente à arte e ao engenho de inventar novas coisas. “Tudo o que é feito na minha oficina é exclusivamente daquilo que crio e já cheguei a ter 32 empregados”. Hoje são apenas quatro trabalhadores.Manuel Lopes de Sousa vende grande parte dos inventos que cria, a maioria dos quais estão patenteados e registados. À sua oficina aparecem também sempre pessoas que esperam que o inventor lhe resolva determinados problemas no campo da invenção. “Se lhe for aqui a contar quantas pessoas me aparecem à procura de soluções não saíamos daqui”, diz, sem falsa modéstia.“A criatividade não é nem mais nem menos do que a aplicação engenhosa dos nossos conhecimentos”, diz o inventor. Mas é também preciso gostar muito do que se faz. “Quem não sentir um prazer no trabalho que está a fazer nunca pode ser um inventor”.A máquina para limpar azeitona é considerada para Manuel Lopes de Sousa a sua grande invenção. “Não é uma coisa transcendente de peças em movimento mas aí é que está o segredo do êxito”, diz, acrescentando que o ponto alto de um inventor é ele ser capaz de fazer simples, eficiente e leve – numa palavra, perfeito. “Essa é a meta a atingir pelo inventor, aquela que não deixa que os outros o ultrapassem, aí é que está toda a argúcia”.Foi isso mesmo que aconteceu com a máquina de limpar azeitona inventada por Manuel Lopes de Sousa – “Foi feita há 25 anos e ainda hoje não está ultrapassada”. Uma máquina que pesa apenas 125 quilos e limpa quatro mil quilos de azeitona por hora é um feito difícil de igualar, e não é por não tentarem. O inventor diz que espanhóis e italianos – “que também fazem coisas muito boas” - já tentaram, mas as suas máquinas são sempre mais pesadas.Foi precisamente a máquina de limpar azeitona que deu ao inventor de Abrantes a medalha de ouro da exposição internacional dos inventores, na Suíça, em 1977. Anos mais tarde, em Bruxelas, Manuel Lopes de Sousa volta a receber uma medalha de ouro, desta vez por inventar um filtro respiratório para aplicação nasal.Manuel Lopes de Sousa é também cidadão honorário da cidade de Bruxelas, numa cerimónia das mais pomposas que teve até hoje, na presença de mais de centena e meia de inventores de todo o mundo. “Primeiro que a minha própria cidade”, diz, mostrando as fotos que ponteiam as paredes do escritório da sua oficina. A nível nacional também ganhou muitas medalhas, nomeadamente na feira de Santarém. Tem todas as suas invenções feitas em miniatura, guardadas e catalogadas em sua casa.“Há muita gente que não gosta de ouvir dizer que fulano é um inventor mas uma pessoa que inventa, que regista o seu invento, tem de ter um nome”, diz, acrescentando que essas pessoas têm é mal de inveja – “estou convencido que a esses tanto fazia eu ter o nome de inventor, criativo ou outra coisa qualquer”, diz, encolhendo os ombros.O inventor tem sido por diversas vezes convidado para fazer palestras sobre os seus feitos em várias escolas secundárias e faculdades, “precisamente para espevitar e agitar esse bichinho da criatividade na juventude”, refere, adiantando que hoje em dia os jovens já não sentem necessidade de encontrar soluções porque têm tudo. “A criatividade está lá, mas não é exercitada”. Com quase 80 anos Manuel Lopes de Sousa continua a exercitá-la. E não pára. Neste momento tem três projectos em curso – um maior, outro médio e outro mais pequeno. “Quando me chateio de um vou para o outro”, diz, adiantando “há pessoas que gozam de muita maneira. O meu maior gozo é criar”.Margarida Cabeleira

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