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Postal de Paris

Postal de Paris

Saio da Torre Eiffel desiludido. Subi ao ponto mais alto e pouco ou nada pude ver por causa da neblina que paira sobre Paris. À saída do elevador passa por mim um pelotão de negros em grande correria. No seu encalço vão quatro ciclistas. São os vendedores de recordações que me atazanaram o juízo enquanto estive na fila para comprar o bilhete. Os perseguidores são polícias.Os maratonistas de ocasião atravessam a imensa avenida na zona do Trocadero causando confusão no trânsito. Os polícias ciclistas atrapalham-se e perdem terreno. Tilintam centenas de porta-chaves com a miniatura da torre que vão pendurados em arames. Esvoaçam carteiras de postais ilustrados. Meto a mão ao bolso e encontro o brinco de mola que pisca em verde e vermelho, que me foi impingido por um Caboverdiano por cinco euros. Um dos africanos é apanhado antes de conseguir descer para o cais dos bateaux mouches.Entro no metro para regressar à Pousada da Juventude na rua Vitruve. Tenho que mudar de linha duas vezes até chegar à Porte de Bagnolet. É Sábado. São seis da tarde. Cada um vai na sua. As conversas são raras. Perco-me a olhar para uma loira rechunchuda que conversa com as amigas. Lembra-me vagamente alguém. Ela sente-se observada e faz um ar de enfado na minha direcção. Os franceses não gostam de ser olhados. E evitam olhar os outros nos olhos. São discretos. Educados. Demasiados formais para o meu gosto.No domingo de manhã, quando vou a caminho do Marrais, para visitar o Museu Picasso, há músicos por todo o lado. Árabes. Quase todos árabes. Vêm sózinhos ou em grupos de dois e três. Mini bandas e solistas. Primeiro dois acordeonistas e um tocador de pandeireta. A seguir um tocador de um instrumento de corda no túnel de acesso a uma outra linha. Dez minutos depois, um entreteiner quase perfeito. Numa estrutura de carrinho de compras montou uma coluna de som amarrada por elásticos, um amplificador colado à coluna com fita isoladora, um microfone um leitor de mp3. Canta uma antiga canção da Sandie Show. Those were the days em versão marroquina ou argelina. Quando acaba faz soar uma música de Natal e vai pela carruagem com um copo de plástico receber as moedas.A primeira vez que tive que pedir uma informação na rua receei ser mal recebido. Utilizei o excusez-moi aconselhado nos guias turísticos e obtive bons resultados. Daquela vez e de todas as outras. Um cinquentão com cara de poucos amigos que abordei na praça da Concórdia para saber do Museu d’Orsay ficou desolado por não me puder ajudar. Pediu-me desculpa pela ignorância. Três vezes. Uma sandes mista são quatro euros e meio. Uma imperial quatro. Um bilhete de metro um euro e trinta. Os preços vão descendo do centro da cidade para a periferia. Em Villemomble vou jantar a um restaurante tunisino. Couscus, legumes, grelhada mista e vinho rosé. Pelo meio uma dançarina de ventre que vai de mesa em mesa. Os clientes metem-lhe notas de cinco, dez e vinte euros nas alças do sutiã. É uma artista amadora e não ganha mais que as gorjetas. Tem uma pele branca de leite e uns olhos negros, profundos. É jovem e um pouco presa de ancas. Estou numa roda de família e não tenho acesso à conta para poder dizer se foi caro ou barato. Nem à conta nem às alças do sutiã da dançarina. Quando me vou deitar encontro uma agenda debaixo do colchão. Foi deixada por um peruano quatro ou cinco meses antes. Victor Hugo Aparício. Tem anotações de empréstimos e planos de pagamentos. Tem também assinalados aniversários. Do pai, da mãe, da namorada. Uma brasileira de Campinas senta-se à minha mesa ao pequeno almoço. É socióloga e está a fazer um mestrado. Chegou há cinco dias a Paris. Conta-me a história da chinesa que lhe pediu para comprar uma bolsa de dois mil euros numa loja chique dos Campos Elísios e que uma semana depois andava a vender réplicas, feitas em casa, a 35 Euros.Quando me levanto da mesa há uma jovem com um lenço amarrado à cabeça que me pede para falar com ela em português. Chama-se Rachel e é francesa de gema. Fala a língua de Camões porque aprendeu com uma amiga, filha de emigrantes portugueses. Dois dedos de conversa e vou fazer a mala. Horas depois estou em Lisboa e chove. Bocejo e arrasto a mala até a um táxi. Acaricio a carteira, preparo-me para ser esfolado vivo e entro. No tablier uma Nossa Senhora de Fátima fosforecente. Na Antena 1 passa um fado. Este é o meu cantinho da Europa à beira-mar plantado. Alberto Bastos
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