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Lá vem o comboio

Lá vem o comboio

José Leal Santos, maquinista da CP

Se é utilizador habitual do transporte ferroviário já de certeza foi “conduzido” por José Leal Santos. Sempre em segurança, como gosta de salientar este maquinista da CP, residente em Pousos, concelho de Torres Novas. Há 29 anos na profissão, José Leal Santos nunca teve um acidente nem apanhou grandes sustos. O segredo, diz, está em conhecer bem os percursos.

José Leal dos Santos entrou para a CP, como aluno maquinista, precisamente dez dias antes de se dar a Revolução dos Cravos, tendo feito o mês passado 29 anos de casa. É o terceiro maquinista mais antigo a trabalhar no Entroncamento.Ao fim de um ano de formação passou a andar na linha. Fez o estágio na linha de Sintra, ficando sediado em na estação de Campolide, onde tirou o curso. E, apesar de hoje em dia aquela linha fazer o transporte de muito mais passageiros, as condições de trabalho no pós 25 de Abril eram bem piores. “O material circulante era mau”.No tempo de José Leal Santos já não haviam cursos para máquinas a vapor, o que por paradoxo que possa ser, existe hoje. Há cerca de três anos foi feito um curso de maquinistas para composições a vapor mas José Leal Santos não pode concorrer por já ter ultrapassado a idade limite.“Houve interesse por parte da CP em dar instrução a maquinistas mais novos para os ter durante mais tempo”, refere, adiantando que os poucos maquinistas a conduzirem composições a vapor que a CP tinha antes deste curso estão actualmente a reformar-se.José Leal dos Santos ficou com pena de não poder fazer o curso. “Tinha gostado muito de o ter feito, não para depois trabalhar com esse tipo de máquinas no dia a dia mas pela curiosidade, para saber como é que se conduz uma máquina daquelas”.Desengane-se quem pense que para ser maquinista de comboios só precisa de tirar o curso geral de maquinistas. É preciso um curso específico para cada nova máquina que a CP adquire. Mas nem todos os maquinistas têm cursos de todas as máquinas. “Esses cursos específicos são tirados consoante as necessidades que cada depósito tem”, diz o maquinista, esclarecendo que se chama depósitos de máquinas ao local de trabalho de um grupo de maquinistas. Por exemplo, há determinadas máquinas que estão distribuídas no Entroncamento que não existem no depósito do Porto ou de Coimbra. E são os maquinistas do depósito do Entroncamento que irão tirar o curso específico para conduzir essas composições.Em 29 anos as coisas mudam muito. E se nos últimos cursos que houve os alunos maquinistas aprenderam a conduzir através de um simulador, no tempo de José Leal dos Santos havia simplesmente uma mesa, em cima da qual estava construído um circuito ferroviário com várias estações, a sinalética e o indispensável comboio, que fazia o percurso em miniatura inúmeras vezes.José Leal dos Santos não faz ideia de quantos quilómetros já percorreu em cima de carris – “seguramente são muitos milhares”. Actualmente a carga horária é muito inferior à que existia há alguns anos. As escalas estão mais humanizadas. “Cheguei a trabalhar semanas seguidas com turnos de 12 horas consecutivas. Nos anos 70 entrávamos às oito, saíamos às 20 horas ou vice-versa”.Outro dos melhoramentos que José Leal dos Santos salienta foi a introdução do período de refeição. “Costumavam dizer que o maquinista não tinha direito a comer, a fazer a refeição”, diz contando um caso exemplificativo dessa situação.“Na altura em que fazíamos 12 horas consecutivas, no serviço de manobra, tínhamos um chefe de maquinistas que nos dizia «vocês não parem, andem mais devagarinho, comam mas não parem para não prejudicar o serviço» e nós fazíamos exactamente isso, comíamos enquanto a máquina lá ia andando devagarinho”.Actualmente não passa pela cabeça de ninguém fazer qualquer coisa do género. Hoje os maquinistas têm uma flexibilidade de horário entre seis e nove horas e dentro desse horário de trabalho a escala é feita de modo a que o horário das refeições coincida depois da chegada ou antes da partida de um comboio. De qualquer modo horários específicos não existem, tanto se pode comer ao meio-dia como às três da tarde.De outubro para cá os maquinistas do depósito do Entroncamento foram divididos em dois grupos – uns conduzem comboios de passageiros outros de mercadorias. José Leal dos Santos optou pelo transporte de passageiros e conduz agora na linha do Norte (Lisboa/Porto e vice-versa), da Beira Baixa, no ramal de Tomar e ainda faz serviço internacional para Badajoz. Não admira por isso ter já o curso de muitas máquinas.Em 29 anos de maquinista nunca teve qualquer acidente e diz que conduzir um comboio é tarefa fácil. “A parte mais difícil é a condução dos comboios pesados, de mercadorias, por causa do peso”. Segundo o maquinista tem de se ter uma certa experiência naquelas máquinas e um perfeito conhecimento do percurso para dar o desconto ao peso quando se abranda ou quando se imprime maior velocidade".Na memória tem a má lembrança de três mortes, duas por quedas à linha e um suicídio. As más disposições dos passageiros, principalmente quando os comboios avariam, são coisas quase diárias mas José Leal dos Santos não leva a mal. “Cada um tem a sua vida e quando há percalços as pessoas não podem fazer mais nada que desabafar”.Margarida Cabeleira
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