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Um autarca com muita pedalada

Um autarca com muita pedalada

Vice-presidente da Câmara de Alpiarça é um apaixonado pelas bicicletas e chegou a ser ciclista profissional

Católico praticante e militante comunista “com as quotas em dia”, o vice-presidente da Câmara de Alpiarça é uma voz serena no contexto de crispação em que vive a política local. Bancário de profissão, Carlos Jorge Pereira vai no segundo mandato como número dois do município que celebrou cem anos no dia 2 de Abril. Avesso à fusão de concelhos, diz que as últimas polémicas na vida autárquica de Alpiarça não dignificam ninguém e considera que a gestão socialista no município hipotecou o futuro próximo da autarquia.

Qual era a melhor prenda que Alpiarça podia receber neste centésimo aniversário da criação do concelho?Para bem da população, a melhor prenda era que a câmara conseguisse recuperar financeiramente e que tivesse possibilidades de projectar o futuro de Alpiarça de outra forma.Não é um pouco frustrante gerir uma câmara subordinada às amarras de um plano de saneamento financeiro que não dá margem para grandes cometimentos?Por um lado pode ser um pouco frustrante, mas por outro pode ser um desafio enorme. Porque fazer uma gestão onde existe dinheiro não é a mesma coisa do que fazer a gestão de uma instituição como a Câmara Municipal de Alpiarça, que vive dificuldades financeiras.A gestão do socialista Joaquim Rosa do Céu hipotecou a gestão e a governabilidade do município por muito anos?Sim, hipotecou. Toda a gestão que foi feita anteriormente acaba por hipotecar o futuro. Daí ter surgido o plano de saneamento financeiro, para tentarmos organizar as coisas e garantir a sobrevivência da autarquia. Os políticos deviam ser responsabilizados criminalmente pelos actos de má gestão, nomeadamente pela acumulação de dívidas com valores insustentáveis?Pessoalmente, penso que sim, que deviam ser responsabilizados. Estou convencido que todas as pessoas que desempenham estas funções tentam fazê-lo da melhor maneira. Umas vezes corre melhor, outras vezes corre menos bem. Mas acho que todos nós devemos ser responsabilizados pelas decisões que tomamos e por aquilo que fazemos.Acha que houve obras aqui no concelho que eram perfeitamente dispensáveis e que não mereciam o dinheiro que se gastou nelas?É uma questão de opções. É o que se passa com aquelas que agora nós propomos. Há sempre alguém que não concorda ou que acha que não são necessárias. Quando era oposição, a CDU entendeu que algumas obras não deviam ser realizadas. Como o parque de estacionamento em frente aos Águias, por exemplo.Actualmente algumas pessoas também acham que o novo campo de futebol de 7 do Casalinho não é necessário.O campo de futebol de 7 fazia parte das nossas propostas eleitorais e surgiu a possibilidade de concorrer a fundos comunitários, por isso vamos avançar com o projecto. Acredita que algum dia vai ser feita a variante a Alpiarça, que permita retirar muito tráfego rodoviário do centro da vila?Já vi as coisas mais bem encaminhadas. Neste momento acredito que não vá avançar.É uma situação que acaba por condicionar o desenvolvimento da vila e a própria qualidade de vida.Sim, também. E ainda mais agora. Com as portagens nas auto-estradas aos preços a que estão, as pessoas andam muito mais pelas estradas nacionais.Tem-se falado na possibilidade de fusão de municípios. É um debate que faz sentido?Qualquer debate faz sentido em qualquer altura. A troca de ideias e de opiniões é sempre de valorizar. Como veria uma possível fusão dos concelhos de Alpiarça e Almeirim?Nem sequer quero pensar nisso. Acho que não faz grande sentido. Não consigo ver o povo de Alpiarça a ter de se deslocar à Câmara de Almeirim, da Chamusca ou de Santarém (risos). Gosto muito de Alpiarça. Andei muitos anos fora, quando andava no ciclismo, e a coisa que me dava mais prazer era chegar a Alpiarça.A proximidade de Alpiarça a Almeirim é uma vantagem ou uma desvantagem em termos de afirmação e desenvolvimento do seu concelho?Não ponho essa questão em termos de vantagem ou desvantagem. Cada concelho afirma-se com aquilo que tem ou vai criando. Tentamos valorizar aquilo que é nosso e que nos diz alguma coisa.Há interligação entre os dois municípios em relação a alguns projectos comuns, como foi o caso da ETAR?Sim, a estrada de Vale Peixe, por exemplo, também foi alcatroada em conjunto. Temos um excelente relacionamento com a Câmara de Almeirim. Já tínhamos com o anterior presidente e com o vereador José Carlos, tal como temos agora com Pedro Ribeiro e o resto da vereação. Inclusivamente, agora para as comemorações do 2 de Abril a Câmara de Almeirim emprestou-nos dois palcos.Um bancário apaixonado pelo ciclismoCarlos Jorge Pereira nasceu no dia 22 de Maio de 1952 em Alpiarça. É bancário de profissão mas desde 2009 assumiu a vice-presidência da Câmara Municipal de Alpiarça, integrando a equipa comunista liderada por Mário Pereira. Nos tempos livres gosta de fazer ciclismo. Integra a equipa de “Os Águias” de Alpiarça, participando em provas de BTT e de ciclismo de estrada.A paixão pelo ciclismo vem dos tempos de criança quando, depois de fazer a quarta classe na terra natal, foi juntar-se aos pais numa vila no norte de França. Viveu em terras gaulesas dos dez aos 16 anos. O pai comprou-lhe uma bicicleta e Carlos Jorge começou a pedalar para se entreter nos tempos livres.Quando regressou a Alpiarça trouxe a bicicleta consigo e foi contagiado pela tradição do ciclismo que sempre reinou na terra. Pertenceu a várias equipas desde “Os Águias”, a equipas de Vila Franca de Xira, Aveiras de Cima e Tavira. Não prosseguiu a carreira profissional de ciclista, após um ano no Tavira, porque entretanto se meteu pelo meio o serviço militar obrigatório na Escola Prática de Vendas Novas, que durava 16 meses. Quando saiu da tropa já namorava, casou e a partir daí a vida deu outras voltas e traçou-lhe outras metas.Posteriormente acabaram por voltar a convidá-lo e ainda correu mais alguns anos, mas como amador, nos Águias de Alpiarça e no Fazendense. Era sprinter e não gostava muito de montanha. Habitualmente fazia todos os anos uma etapa da Volta a França num dia de descanso da prova, aberta a quem quisesse, mas já não participa há oito anos. Este ano vai voltar a subir o Tourmalet, nos Pirenéus franceses. São 150 km de bicicleta em alta montanha. Não há fim-de-semana em que a bicicleta fique na garagem. Com o seu grupo de amigos percorre o país a pedalar. Nunca fazem menos de 100 quilómetros de percurso, mesmo por estradas do Ribatejo. “É uma forma de relaxar e abstrair dos problemas e situações mais complexas do dia-a-dia. O grupo com quem corro não fala de política, o que é uma vantagem”, diz com um sorriso bem-disposto.Já pegou o bichinho das corridas à esposa e é normal Aida, com quem está casado há quase três décadas, acompanhá-lo. Também o filho foi ciclista dos Águias, tendo feito parte das selecções nacionais de cadetes, juniores e sub-23. Uma lesão no Campeonato do Mundo em Itália obrigou-o a desistir da paixão das bicicletas. Jorge Alexandre tem 27 anos e tirou o curso de Medicina na Universidade de Coimbra, onde entrou ao abrigo do estatuto de atleta de alta competição. Actualmente frequenta o ano comum no Hospital de Santarém. Carlos Jorge confessa que gostava que o filho viesse a reforçar a equipa de médicos de família do seu concelho.O vice-presidente da câmara diz que os seis anos que viveu em França foram importantes para crescer enquanto pessoa e ajudaram a abrir horizontes. A vila onde viveu, curiosamente, também era governada por comunistas. Filho de pais comunistas foi com naturalidade que optou por essa ideologia. Em casa ouvia-se a Rádio Moscovo e a mãe, quando podia, distribuía o Avante, jornal oficial do PCP. Gosta de todo o tipo de música e a primeira coisa que faz quando acorda é ligar o rádio para ficar bem-disposto. Pink Floyd e Dire Straits estão entre as suas bandas favoritas. Também gosta de cinema.Polémicas nas reuniões de câmara não dignificam a autarquiaA crispação política em Alpiarça é habitualmente muito acentuada. Há demasiada “partidarite” na vida autárquica?Acho que temos de dividir a situação em duas fases. Uma até às últimas eleições autárquicas e outra depois das eleições. Antes, estivesse a CDU ou o PS na oposição, o relacionamento entre as duas forças políticas era sempre cordial. Fui vereador da oposição no primeiro mandato de Joaquim Rosa do Céu (1997-2001) e quando ganhámos as eleições em 2009 o nosso relacionamento com as duas vereadoras do PS também foi sempre cordial. O que não acontece agora com uma das forças políticas…Com uma das forças políticas ou com um dos vereadores?Não é só com o vereador do PSD, pois na assembleia municipal o estilo é o mesmo, de achincalhar.Que opinião tem sobre os últimos episódios que se verificaram em reuniões de câmara, nomeadamente as trocas de galhardetes entre o presidente Mário Pereira e o vereador Francisco Cunha?São situações que não dignificam de forma alguma qualquer autarquia. E no caso de Alpiarça estas atitudes não dignificam o órgão município. Fomos eleitos pelo povo e temos de ter uma postura diferente da que os elementos do PSD estão a ter actualmente. Quer na câmara quer na assembleia municipal.Essa crispação pode ter mais a ver com questões pessoais do que propriamente de natureza política?Penso que não. Tem a ver com a maneira de ser de cada um. Acho que os elementos que fazem parte das listas do PSD são de um anti-comunismo primário. E isso leva a estas situações. Penso que o que os move é um pouco isso.Tem de contar até 10 para não reagir a determinadas intervenções ou a sua postura serena é inabalável?Acho que sou uma pessoa calma até uma certa altura. Confesso que ultimamente é difícil contermo-nos até final. Faço um esforço, como qualquer elemento da CDU faz, porque achamos que devemos ter uma postura diferente e não ir atrás das arruadas que se costumam fazer nas reuniões de câmara. Isso é bom para se fazer no largo dos Águias.Imagina-se presidente de câmara?Não. Acho que o cargo de presidente está muito bem entregue. Já tive de substituir o presidente e não houve qualquer problema. Mas não quer dizer que seja uma coisa que tenha como objectivo. Quando o Mário deixar de ser presidente, o partido decidirá quem reúne mais condições para desempenhar essas funções. Não sou eu que o vou dizer. Morte de filho bebé minou-lhe a féNão é muito habitual encontrar comunistas que sejam católicos praticantes. Essas duas facetas por vezes não se chocam?Acho que isso de os comunistas não frequentarem a igreja é mais um mito que apareceu. E é bom também lembrar que em tempos a igreja teve um comportamento diferente do que tem agora. Eu sou baptizado e casei pela igreja. Comecei a frequentar a igreja com regularidade por volta dos 18 anos e confesso que actualmente gostava de lá ir mais vezes. Quando vou sinto-me bem e saio de lá um pouco mais limpo das ideias. Acho que uma coisa não tem a ver com a outra. Tenho inclusivamente uma Bíblia no quarto.O que o levou a frequentar a igreja aos 18 anos?As pessoas com quem me relacionava na altura levaram-me a isso. Houve depois uma fase da minha vida em que deixei de ir. Fiquei um bocado revoltado com uma situação. Cheguei a ter dois filhos, mas um faleceu com 16 meses. Foi há cerca de 19 anos. Nessa altura surgiram questões para as quais não conseguia ter resposta. Quando o padre Diamantino veio para Alpiarça tivemos uma breve conversa e ele foi a pessoa que me fez voltar a frequentar a igreja.O que é que o padre lhe disse?Disse-me que também não tinha resposta para as minhas questões, nomeadamente o porquê de uma criança de 16 meses, que não fez mal a ninguém, partir da forma que partiu. Como ser humano, o padre Diamantino é uma pessoa extraordinária que me marcou bastante e por quem nutro uma simpatia muito grande. Preto no brancoBranco ou tinto?Gosto mais de tinto, mas também não rejeito o branco. Sou um bom garfo. Gosto de um bom petisco e de conviver com as pessoas.Bicicleta ou moto?Bicicleta, sem dúvida.Benfica ou Sporting? Benfica, obviamente.Praia ou campo?A praia não me diz muito. Gosto mais de viajar e de conhecer coisas. Ganga ou fato e gravata?Tanto faz. Gosto muito de usar fato. A roupa que escolho para vestir também tem a ver com a ocasião.Lezíria ou charneca?Gosto muito das duas.Carne ou peixe?Prefiro peixe.Tourada ou futebol?Mal por mal o futebol. Gosto do Benfica e vejo os jogos, tal como os da selecção nacional.Teatro ou cinema?Gosto muito de cinema.Louras ou morenas?As duas. A beleza das pessoas não se avalia pela cor da pele ou do cabelo.
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