“Se os bandarilheiros fizessem greve não havia corridas de toiros”
Luís Miguel Gonçalves em entrevista a O MIRANTE por ocasião dos seus 30 anos de alternativa
Luís Miguel Gonçalves recorda o início de carreira como bandarilheiro, o dia da alternativa ou a relação de longa data com o cavaleiro José Manuel Duarte e fala de questões da actualidade, como os movimentos anti-taurinos ou a falta de público nas praças. Entre confissões de mágoa por nunca ter sido homenageado na sua terra, Santarém, defende que as autarquias deviam apoiar mais a festa brava.
Pedro CostaCumpre 30 anos de alternativa. Sente que já entrou na história da tauromaquia? Penso que sim. Trinta anos de alternativa não são três dias. Penso que poderei ser recordado por ter andado aqui estes anos todos. É uma sensação de dever cumprido. Tenho andado sempre com um certo rigor dentro da festa brava e penso que sou uma pessoa considerada. Foi bom andar cá estes anos todos e hei-de continuar mais alguns, assim me sinta bem fisicamente. Quando começar a ver que já não posso não me vou deixar arrastar. Mas vou continuar sempre ligado à festa dos toiros.Como recorda o dia da alternativa, há 30 anos, na Moita? Foi um dia especial. Estava tranquilo. Sabia que tinha que bandarilhar, que tinha de receber um toiro de capote e que tinha que bandarilhar outro toiro. Não estava assim com aquele nervoso. Agora a idade já é outra, a experiência ensinou-me muita coisa mas se calhar hoje fico mais nervoso quando vou para uma corrida do que há 20 ou 30 anos.Por que razão a alternativa foi na Moita e não em Santarém, a sua terra? As alternativas têm que se tirar em corridas mistas e aqui em Santarém, já na altura, não havia corridas mistas. Nesse ano andei à procura de uma feira taurina onde houvesse uma corrida mista. Pedi autorização para tirar a alternativa nessa corrida na Moita e autorizaram-me. Teria gostado muito mais de ter tirado a alternativa em Santarém, mas não houve possibilidade. Nestes 30 anos integrou quadrilhas de grandes figuras. Com quais lhe deu mais prazer trabalhar? Estive grande parte da minha vida ligado a um cavaleiro aqui de Santarém, o José Manuel Duarte. Acompanhei a carreira dele desde amador a profissional. Não estou a dizer que foi com ele que me deu mais prazer trabalhar porque também trabalhei com outros como a Ana Batista, o Manuel Jorge de Oliveira, o Vítor Ribeiro, o Rui Salvador, o Joaquim Bastinhas.Falou no José Manuel Duarte. O que falhou na carreira dele, na sua opinião? Nem eu sei bem explicar o que aconteceu. Há várias coisas que influenciam. Ele não vem de uma família de toureiros, nem nada disso. Depois, as pessoas querem singrar e são um bocadinho travadas. Mas, ainda assim, ele teve grandes triunfos. Foi apoderado dele. Como foi essa experiência? Foi uma experiência de um ano. Não foi um ano em que ele tivesse feito muitas corridas, mas as que fez fui eu que arranjei. Voltar a ser apoderado no futuro é uma hipótese. Mas, a acontecer, será sempre na área do toureio a cavalo.É bandarilheiro a tempo inteiro ou tem outra profissão? Sou delegado de vendas numa empresa de rotulagem. Cá em Portugal não se pode viver só das corridas de toiros. As corridas começam em Abril e depois terminam em Setembro. É sazonal. De Inverno chove, está tudo parado.O que é que os seus colegas da empresa dizem da sua actividade de bandarilheiro? Eles sabem que eu sou bandarilheiro e que tenho gosto por isto. Uns gostam e perguntam quando é a próxima corrida e outros dizem que não gostam por causa dos animais. Estão no direito deles.Como encara os movimentos anti-taurinos? As pessoas têm o direito de se manifestarem desde que não compliquem. Devia haver um regulamento ou uma lei que os obrigasse a manifestarem-se mas a 300 ou 400 metros das praças. Vão mesmo para junto das praças de toiros, estão ali com os cartazes a provocar as pessoas e pode gerar-se confusão. Quem gosta de corridas vai às corridas, quem não gosta fica em casa ou vai para o futebol. Provocações é que não!As autarquias devem apoiar a festa brava como apoiam o desportoA praça de toiros de Santarém custa a encher. Isso deve-se aos preços ou à falta de interesse das pessoas? Deve-se a vários factores. A crise económica é um deles. Depois, os cartéis têm de ser fortes, com as primeiras figuras. As corridas da Rádio Renascença enchiam até à bandeira e outras também, como quando o João Moura toureou aqui seis touros. São exemplos de corridas emblemáticas que enchem praças. E depois as corridas têm de acontecer nas datas tradicionais. Vai haver uma corrida em Outubro em Santarém. Toda a gente sabe que em Outubro a praça não vai encher. Só se for uma corrida emblemática, com figuras de Espanha. Estava de acordo quando a Câmara de Santarém comprava grandes quantidades de bilhetes e os oferecia? Lembro-me perfeitamente de estar num jantar no Quinzena e de haver uma reunião porque não havia quem quisesse pegar na praça de Santarém. O Moita Flores apareceu lá e disse: este ano a praça vai esgotar. Mas com uma convicção que ficou toda a gente a olhar para ele. O que é certo é que a praça, se não esgotou, tinha as bancadas repletas. As câmaras devem ajudar, incentivar. Como têm uma verba para o desporto, também podem arranjar verba para as corridas.A Câmara de Santarém pós Moita Flores tem ajudado? Não tenho a certeza, mas penso que não. Sente a falta de um reconhecimento formal, de uma homenagem, por parte da Câmara de Santarém? Talvez sinta. Trinta anos de carreira penso que não passam despercebidos. Este ano, na feira de Santarém, ninguém se lembrou, ninguém falou comigo. Algumas pessoas são de memória curta. Fico com mágoa mas não guardo rancor.O destaque nas corridas de toiros é sempre para os cavaleiros e para os forcados. É algo que o incomoda? Os bandarilheiros têm destaque mas é verdade que nunca vi um bandarilheiro agradecer de montera em mão às ordens de um cavaleiro. Só às ordens de um matador. Mas é algo que não me incomoda. Estamos ali para servir o cavaleiro e para coadjuvar na lide. O cavaleiro é que tem de sobressair. Se ele estiver bem é bom para toda a equipa. Não serão os bandarilheiros o parente pobre das corridas? Não considero que assim seja. Os bandarilheiros são peça fundamental. Se, por acaso, desse na cabeça dos bandarilheiros fazer greve não havia corridas. Uma corrida sem forcados, embora não seja habitual, acho que se pode fazer. Sem cavaleiro também se pode fazer, porque existem matadores. Como é que se faz uma corrida sem bandarilheiros? Não se faz.Um bandarilheiro ganha muito ou pouco por corrida? Um bandarilheiro ganha um justo valor numa altura destas. Cada um tem o seu valor e eu nunca, ou melhor, raramente, abdiquei do meu. Isto é como tudo: uns são mecânicos, uns fazem biscates e outros são sucateiros. Cada um tem o seu preço mas a nossa classe é uma classe unida.Como é que vê o futuro das corridas de toiros? Alguma vez correrão o risco de acabar? Ando há anos a ouvir que as corridas qualquer dia acabam. Eu penso que nunca vão acabar. Penso é que o futuro das corridas passa pela qualidade do espectáculo. Se o espectáculo tiver qualidade, se tiver toiros sérios, se houver inovações nos cartéis, penso que as corridas, desde que realizadas nas datas tradicionais, vão continuar. É um espectáculo que não pode acabar. As colhidas, o público e os conselhos do paiLuís Miguel Gonçalves nasceu há 53 anos em Alcanhões. Ali viveu até aos cinco anos, mudando-se então para Santarém, que considera ser a sua terra e de onde nunca mais saiu. Foi em Santarém que estudou até ao 12º ano. A nível tauromáquico estreou-se com apenas 8 anos numa garraiada na praça de toiros Celestino Graça.“Com aquela idade eu não sabia bem se queria ou se não queria. Mas depois os anos foram passando, comecei a gostar e o meu pai sugeriu que eu tirasse a prova de bandarilheiro. A partir dos 16, 17 anos é que comecei a pensar nisso um bocadinho mais a sério e disse para o meu pai que quando houvesse uma novilhada tirava a prova de praticante e que gostava que fosse em Santarém”. E assim foi, em 1982, perante um toiro da ganadaria Simão Malta.Por falta de corridas mistas em Santarém, tirou a alternativa na Moita, no dia 11 de Setembro de 1985, tendo como padrinho o bandarilheiro José Tinoca. Muito do que sabe aprendeu com o pai, Joaquim Gonçalves, um dos melhores bandarilheiros do seu tempo.“Foi ele que me ensinou a agarrar no capote, foi ele que me ensinou a bandarilhar. Dava-me conselhos, dizia que era uma profissão de risco e que eu estava sujeito a várias coisas. E eu escutava-o porque ele andava cá há uma série de anos”, recorda Luís Miguel. Tanto escutou que, apesar de várias colhidas, nunca teve problemas de maior: “Assim de mais grave o que tive foi na Moita. Estava na quadrilha do Manuel Jorge de Oliveira, ia a saltar a trincheira, o toiro veio por trás e aleijou-me num pé contra as tábuas. Parti o pé e nesse ano já não toureei mais. Depois, em Espanha, com o José Manuel Duarte, estava a tourear de capote e fiz uma rotura de ligamentos no joelho. Tive de ser operado”.Consciente do perigo e do facto de sempre que pisa a arena estar a arriscar a vida, Luís Miguel Gonçalves diz que o segredo em frente a um toiro é uma grande dose de concentração e, claro, ignorar o público. “Não é fácil estarmos lá em baixo e o público a assobiar. As pessoas não sabem a dificuldade de andar ali a correr com um toiro atrás. Nunca agarraram num capote nem à frente de uma vaca, quanto mais de um toiro”, critica.
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