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Primeiro sofreu com o sofrimento de quem amava e a seguir teve cancro

Patrícia Nunes acredita que nada acontece por acaso e que tem uma missão a cumprir

Primeiro foi o acidente da mãe a quem tiveram que amputar uma perna. Depois a perda de um sobrinho de vinte e três meses depois de mais de um ano a sofrer com um tumor cerebral. A seguir, o caroço do tamanho de uma azeitona que sentia debaixo do braço direito e que veio a descobrir ser um cancro nos gânglios linfáticos da axila, levou a que lhe fosse retirado um peito. Tinha 32 anos e sentiu que tinha uma missão para cumprir.
A vida da jovem Patrícia Nunes, de 34 anos, tem mais cicatrizes que a de um veterano de muitas guerras. Natural de Torres Novas, teve sonhos e não desiste de ter sonhos mesmo que pareça que muitas forças negras se uniram para lhe transformar os sonhos em pesadelos.
Paty, como lhe chamam os amigos, tem momentos de profunda tristeza mas é com um sorriso no rosto que enfrenta a vida e os outros. É com um sorriso que recompensa a amizade que os amigos lhe dão, tanto pessoalmente como através da sua página no facebook: paty.nunes.3.
Foi jogadora e campeã distrital de futsal “tantas vezes que lhe perdeu a conta”. É professora de educação física e instrutora de Zumba. Era uma pessoa super-saudável até descobrir, há dois anos, que tinha cancro.
Tirou a licenciatura em Castelo Branco. Nunca quis estudar em Lisboa porque as imagens que tinha da capital eram do hospital onde a sua mãe esteve internada depois de um acidente que sofreu quando Patrícia tinha apenas onze anos.
Conta que a partir desse momento passou a ser mãe da sua mãe, nomeadamente quando a mesma foi submetida à amputação de uma perna. Ironia do destino, o acidente aconteceu no dia da mãe. O pai abandonou a mulher e os cinco filhos após o acidente, conta.
O seu grande sonho era ser jogadora profissional de futebol, mas como era rapariga viu que não iria ter um grande futuro como jogadora profissional. Escolheu então ser professora de educação física, porque adora crianças mas nunca quis ser mãe. “Penso que nunca pensei em ter filhos por causa de ter visto a minha mãe a criar cinco filhos sozinha sem nenhuma ajuda ou interesse por parte do meu pai. Tenho pena mas a primeira vez que o abracei foi quando fiquei a saber que tinha o cancro”, confessa.
Não querer ter filhos também tem a ver com o facto de ter tido um sobrinho a quem foi descoberto um tumor cerebral aos oito meses. Morreu em casa com 23 meses. “Vivemos no IPO durante 15 meses e eu quando lá estava andava pelos corredores e convivia com muitas crianças doentes a quem fazia desenhos. Depois da morte dele prometi lá voltar mas a verdade é que só lá voltei quando descobri que tinha cancro nos gânglios linfáticos. Nada acontece por acaso”, diz.
“Comecei a sentir um caroço do tamanho de uma azeitona quando fazia flexões. Fui à médica e andei a fazer análises durante um ano, não era nada, depois lá me mandou fazer uma ecografia, coisa que nunca tinha feito e acho um erro só serem feitas a partir dos 35 anos”.
Foi operada e retiraram-lhe a mama por sugestão do médico que assim achou melhor. Fez quimioterapia e neste momento está a fazer radioterapia. Os efeitos do tratamento deixam-na devastada, mas nem por isso pára muito tempo. De manhã faz os tratamentos e à tarde dá aulas de zumba. Entretanto abraçou um novo projecto para apoiar as crianças do IPO e está a preparar uma festa para o dia da criança. “Já tenho a lista dos pedidos que os meninos fizeram e vou levar prendas para todos”.
“São pedidos de crianças, como camisolas do Benfica ou do Sporting. Como devem imaginar não tenho dinheiro para comprar todos os presentes mas já publiquei a lista no facebook e já tenho alguns brinquedos que pessoas que nunca vi na vida vão oferecendo. Ainda há muita generosidade”.
Patrícia Nunes revela que recebe trezentos euros da baixa médica. “É um problema porque todos os meses me chegam pedidos para pagar a luz, a água ou comida. Não consigo dizer que não e é assim que me sinto feliz. O médico chama-me maluca. E também me diz para continuar mas para ter atenção ao meu corpo”.
Andou na escola primária na aldeia do Outeiro Grande, porque era lá que a mãe, professora primária, dava aulas. Fez o ensino secundário em Torres Novas mas diz que não tem “grande ligação à terra” porque praticamente nunca lá está. Passa mais tempo no Entroncamento porque dá aulas de Zumba naquela localidade e convive mais com as pessoas de lá. “Gosto do Entroncamento e sinto maior proximidade. As pessoas são muito mais solidárias”, conta.
Recebe vários telefonemas durante a conversa com O MIRANTE. Está a organizar uma aula de Zumba Solidária, que se vai realizar no dia 28 de Maio, no Entroncamento, para ver se consegue angariar mais prendas para os seus meninos. A palavra desistir não faz parte do seu vocabulário. “Ainda não estou curada mas sinto que tenho uma missão a cumprir. Não sei se vou conseguir mas estou em paz comigo e com ou outros”.

A Zumba solidária da Paty é no sábado

A sessão de Zumba Solidária organizada por Paty Nunes é no dia 28 de Maio, sábado, a partir das 10h00, no campo sintético na zona desportiva do Entroncamento. Há também actividades para crianças a cargo da “Anima Sonhos” e uma recolha de sangue Instituto Português do Sangue e Transplantação. O IBAN para donativos é o 50 0035 2018 0000 6992 7302 3 (CGD).

“Em nome da tal luta”

Também em tratamento a um cancro, o cantor, poeta e artista plástico de Riachos, Pedro Barroso, de seu nome completo António Pedro da Silva Chora Barroso, enviou a O MIRANTE um poema que diz ser uma “Reflexão séria sobre a condição do homem, perante o mau momento e a nossa colectiva efemeridade.”

Cansaço residente, em nome da tal luta;
talvez espaço, talvez raiva surda na disputa
talvez vitória ao fim da estrada, talvez tudo.

Neste cansaço me sobro e reinvento.
Sentei-me hoje, ao piano, por momentos
- é sempre nele que me sustento e me descubro...

É até estranho, que, ao fim de tanto tempo
ainda seja da musica que me brota este alimento,
ainda seja nos sons e nas palavras que procuro
o sal dos dias por viver, a paz onde me tento
a lutar por mais harmonias, mais poemas
no encontro eventual com o futuro.

E que a tal raiva maior me dê alento
e que tal espaço interior me dê ainda
(para que eu partilhe, dentro do meu tempo)
alguma coisa mais ...que valha a pena mesmo;
de tudo o q é profundo, e que procuro.

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