Quem paga às vítimas quando os criminosos não têm dinheiro?
Organismo do Ministério da Justiça analisa casos de crimes violentos e violência doméstica para atribuição de adiantamentos das indemnizações mas os requisitos são exigentes. No ano passado a Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes recebeu um total de sete pedidos do distrito de Santarém.
O que acontece quando os criminosos condenados a pagar indemnizações às vítimas de crimes violentos não têm dinheiro nem bens móveis ou imóveis? Para que as pessoas que já sofreram e sofrem as marcas dos crimes não fiquem ainda mais prejudicadas existe a Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes. Este organismo do Ministério da Justiça que recebe, analisa e decide os pedidos de indemnização substitui-se aos condenados e pode pagar o que está designado de “adiantamento da indemnização” de uma parte do valor decidido pelo tribunal. No distrito de Santarém já houve quem recorresse a este organismo mas os casos contam-se pelos dedos da mão.
De entre os processos de crimes violentos que entram na comissão apenas menos de metade são deferidos. O presidente da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes, Carlos Anjos, reconhece que os números são baixos e que se situam nos 45 por cento (%) de aprovações. No que respeita à violência doméstica, também abrangida por estas medidas mas noutra modalidade de apoio (ver caixa), a média de aprovações é de cerca de 70%. Os números reflectem o facto de os requisitos serem bastante exigentes. “A maior razão de arquivamento é a apresentação dos pedidos fora de prazo e o facto de os requerentes não terem sofrido danos patrimoniais com o crime”, explica Carlos Anjos a O MIRANTE.
Em 2015 a comissão recebeu quatro pedidos relativos a casos de violência doméstica ocorridos no distrito de Santarém e foram todos deferidos positivamente. Quanto aos crimes violentos, segundo os dados da comissão, deram entrada três pedidos, dos quais um foi despachado positivamente, outro recebeu resposta negativa e o terceiro está a ser analisado. Para os pedidos serem despachados favoravelmente é necessário que a vítima não tenha obtido a reparação do dano nem através do criminoso nem de seguros, no caso dos crimes violentos.
Além das vítimas directas dos crimes violentos também as indirectas, como filhos ou outros dependentes, podem beneficiar do adiantamento da indemnização mas esta apenas é concedida no caso de morte da vítima directa. A lei também estabelece que crimes podem ser considerados violentos para efeitos deste apoio. São os crimes de terrorismo, homicídio, ofensas corporais graves, violação, abuso sexual de menores ou roubos que provoquem lesões físicas graves nas vítimas. Para se aceder ao adiantamento da indemnização é necessário que estes crimes tenham causado nas vítimas uma incapacidade para o trabalho de pelo menos 30 dias e que tenham causado na vida da vítima uma grave perturbação do seu nível de vida e da sua qualidade de vida, segundo estabelece a Lei nº 104/09, de 14 de Setembro.
Carlos Anjos explica que o adiantamento a vítimas de crimes violentos é pago só depois de efectuado o julgamento, depois de a decisão transitar em julgado (ou seja, cumpridos os prazos sem haver recurso ou esgotados os recursos todos) e depois de se ter apurado que não é possível a vítima receber a indemnização do condenado ou de outra qualquer fonte.
Processos de crimes violentos demoram ano e meio a serem decididos
A comissão demora em média cerca de um ano e meio a concluir os processos de pedidos de adiantamentos de indemnização, revela o presidente da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes. Carlos Anjos ressalva que nos crimes de violência doméstica “a situação é muito mais simples e por isso, este tipo de processos está em dia, sendo o tempo de instrução e decisão de cerca de um mês”.
“Quando em 2011 entrámos em funções, estavam pendentes mais de 700 processos. Temos vindo paulatinamente a baixar as pendências, conseguindo resultados muito positivos. Mas não existem milagres, sendo que nos anos anteriores a 2011, e frise-se que entre Novembro de 2009 e Abril de 2011, a comissão esteve mesmo encerrada uma vez que não foi nomeada uma nova equipa, depois da demissão da que estava em funções, o que levou a um acumular brutal de processos”, explica Carlos Anjos.
Para complicar mais, realça, “existiu uma situação mais gravosa e difícil de resolver”. O orçamento desses três anos teve de ser devolvido porque os processos não tramitaram. “Desde Abril de 2011, que temos estado a resolver problemas de 2008, 2009, 2010 e 2011, com o orçamento que nos é concedido anualmente”, realça, acrescentando que em 2012 e 2013 foi possível obter do Ministério da Justiça um reforço orçamental e que desde 2012 a execução orçamental é de 100%.
Vítimas de violência doméstica podem receber apoio até um ano
Os crimes de violência doméstica entram na esfera da comissão mas os requisitos de acesso são mais fáceis dos que os dos crimes violentos propriamente ditos, como os de homicídio. Para beneficiar desta medida é necessário que a vítima se encontre numa situação de grave carência económica. Ao contrário dos crimes violentos em que o adiantamento só é pago após o julgamento e a sentença transitar em julgado, na violência doméstica os valores são pagos em prestações mensais a partir do momento da ruptura familiar, “porque é nessa altura que as vítimas se encontram numa situação de enorme fragilidade, muitas vezes sem nenhum tipo de rendimento”, explica o presidente da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes.
O apoio é concedido por um período de seis meses, podendo ser prorrogado excepcionalmente por mais seis meses. Um ano foi o tempo considerado necessário para a vítima reorganizar a sua vida. A legislação estabelece que as vítimas sofrem de grave carência económica se tiverem rendimentos inferiores à retribuição mínima garantida mas a lei “não define este conceito de retribuição”, refere Carlos Anjos. A comissão encontrou uma forma de resolver a situação tendo por referência o valor equivalente ao salário mínimo nacional, que actualmente é de 530 euros. Se a vítima tiver rendimentos de apoios sociais que se situem abaixo do salário mínimo pode ter direito a receber a diferença entre este e o que recebe da Segurança Social.