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A5

Tudo é o que vemos. A forma como olhamos uma paisagem ou vivemos uma experiência é a sua “realidade” mais verdadeira.

Vivo agora as calmas manhãs do Tejo, além, que contrastam fortemente com o bulício alucinante da A5, a curta autoestrada que liga Lisboa a Cascais e que durante anos me acompanhou. Na A5, a mais rentável do país segundo a Brisa, só há duas situações possíveis: trânsito parado ou muito intenso, 24 sobre 24 horas. Todas as manhãs cedo, ainda em casa, a A5 chega-me pelo velhíssimo hábito de ouvir a Antena 1 a esta hora. Isto é, mesmo no pacato Alentejo a A5 continua a fazer parte da minha vida. Por absurdo que pareça, confesso-vos que uma manhã destas dei comigo a recordar a A5 com saudade ou, no mínimo, com nostalgia. Passado esse momento, que até a mim me surpreendeu, o pensamento, essa ferramenta terrível que nos atormenta e que nos conduz, a maioria das vezes, ao medo, fixou-se na própria A5 numa tentativa de análise do porquê desta estranha (?) emoção. Se já estava surpreendido mais o fiquei pois, de repente, a A5 tornou-se numa estrada bonita, numa estrada de rara beleza. Na verdade, cada um daqueles quilómetros pode ser visto de infinitas formas, até de (alguma) beleza: mata de Monsanto, vista para o mar, viadutos sobre as ribeiras, serra de Sintra, etc. Beleza, talvez porque muitas vezes aquela saturada autoestrada me conduziu a momentos felizes? Quanta angústia e stress pelo tempo perdido em vão, pela reunião a que dificilmente se chega a horas porque houve um dos acidentes de todos os dias, quanta exaustão depois de um intenso dia de trabalho sem horas e, num repente, tudo muda; até a A5 se transforma. As nossas emoções, fortemente armadilhadas, trocam-nos as voltas sem darmos por isso ou, em oposição, com grande mossa. É assim a nossa vida, o pensamento a transportar-nos para onde menos esperamos e as emoções a “pintarem” a paisagem que vemos e sentimos. De ilusão em ilusão, vive-se. E o que muda? Nada. Mudamos nós mesmos ou nada muda. Antes de querer reformar o mundo o homem deve reformar-se a si mesmo. Esta mudança, a única que é verdadeira mudança, transforma patos feios, o que me sinto muitas vezes, em cisnes elegantes. Esta é a mudança que nos exige sabedoria, no sentido de saber sentir e viver os sinais e as emoções. Sem sabedoria não há vida sã, designadamente ao nível da tolerância, e aceitação no sentido da não resistência; força que se traduz na tão necessária persistência para sermos felizes, justos e, cada vez mais, perfeitos e, por último, a beleza provavelmente como o expoente máximo para nos sentirmos verdadeiramente livres.
Carlos Cupeto
Universidade de Évora

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