No início chamaram-lhe maluco, agora admiram-no pelo trabalho que faz
Bruno Neto, 38 anos, natural de Tramagal, coordena missão humanitária na Serra Leoa e já fez voluntariado em mais de 20 países. Desde que viajou pela primeira vez ao estrangeiro que Bruno Neto ficou fascinado pelo mundo para lá das nossas fronteiras. A partir daí nunca mais parou. Já lá vão 13 anos de viagens e missões dedicadas a ajudar os mais necessitados em países assolados pela guerra e pela miséria. O seu trabalho já foi reconhecido pela Presidência da República e pela Câmara de Abrantes.
A primeira viagem que Bruno Neto fez ao estrangeiro foi em 2003, à Jordânia, através de um intercâmbio que a associação juvenil Cistus do Tramagal proporcionou. A partir daí nunca mais parou de viajar e já fez voluntariado em mais de 20 países. Hoje coordena uma missão humanitária na Serra Leoa, no continente africano. Diz que não deve nada a ninguém e não tem “telhados de vidro”. Não é de “boas famílias ou das elites”, é simplesmente um filho de um metalúrgico e de uma professora que “sempre lutou para ter tudo”. Em 2015 foi condecorado pelo Presidente da República e no dia 14 de Junho recebeu a medalha da cidade de Abrantes pelo trabalho desenvolvido nas suas missões.
A primeira viagem que fez “foi uma descoberta”. Ficou “fascinado com o mundo para além das nossas fronteiras”. Nunca teve muito dinheiro para viajar porque “isso eram coisas para gente rica”. Logo na primeira viagem que fez à Jordânia surgiu a oportunidade de fazer voluntariado. Pagavam a viagem e ajudas de custo, cerca de 200 euros. Bruno tinha acabado o curso de Animação Sócio Cultural em Beja e pensou, - “e porque não?”. Não vislumbrava um grande futuro em Portugal e apenas tinha tido “umas oportunidades de trabalho muito básicas”.
Quando disse que ia para a Jordânia a família não reagiu muito bem. Quando partiu para aquele país do Médio Oriente toda a gente lhe dizia que era maluco. Nesse primeiro projecto em que esteve envolvido conheceu a eurodeputada Ana Gomes, que se deslocara em representação do Parlamento Europeu.
Entretanto o jornal Expresso esteve na Jordânia e fez um artigo sobre o trabalho de Bruno. “As pessoas que tinham dito que eu era maluco foram as primeiras a dar-me os parabéns e a partir daí começaram a perceber que era um português que estava a fazer coisas diferentes”. Depois foram outros jornalistas que foram acompanhando o trabalho de Bruno, que diz ser uma pessoa com muita sorte porque o destaque que a comunicação lhe deu ajudou a que tivesse mais visibilidade. “Há muitas pessoas que fazem o que eu faço há muitos anos”, diz com humildade.
Bruno Neto explica que ajudar os outros é uma coisa complexa. Já teve crianças e adultos a morrerem-lhe nos braços. Já lidou com muita gente que não tem nada para comer e sem acesso a água. “No fim do dia começamos a pensar e vamo-nos um bocadinho abaixo mas temos que aprender a limpar a cabeça. Há que aceitar as coisas como elas são e que não vou conseguir salvar o mundo, senão já tinha enlouquecido”, diz.
Antes da Serra Leoa esteve no Congo e lidou com um cenário de guerra, com tiros, bombas e helicópteros a toda a hora. “Quando venho a Portugal e estou no Tramagal, quando ouço um barulho olho para todo o lado e começo logo a trancar as portas. Sem dar conta começo a ficar um pouco afectado e paranóico”.
Neste momento Bruno está a coordenar uma organização não governamental (ONG) médica francesa onde todos os seus colegas de trabalho são médicos e enfermeiros. Aquilo que fazem “é ir para os hospitais tentar melhorar o acesso à saúde, dar muita formação para garantir a sustentabilidade daquilo que estamos a fazer. Não é só dar por dar. Vamos lá ensinar a pescar e não levar o peixe, para que esses países não fiquem dependentes das organizações internacionais e desenvolvam ferramentas necessárias para poderem evoluir”.
Tentou arranjar trabalho em Portugal mas não conseguiu
Muitas pessoas podem perguntar porque vai para África ajudar enquanto Portugal está mergulhado numa grande crise, mas Bruno diz-se de consciência perfeitamente tranquila porque depois de ter estado na Jordânia e nas Honduras, quis regressar e ficar em Portugal, onde esteve durante oito meses desempregado. “Comecei a ficar desesperado e precisava de dinheiro”. A única oferta de emprego que teve era com um ordenado de 250 euros e tinha que usar o carro. “Ou seja, o ordenado não chegava para as despesas, por isso decidi seguir o conselho do nosso ex-primeiro-ministro Passos Coelho para os jovens irem à sua vida e foi o que fiz”.
Natural de uma terra como o Tramagal, que tem neste momento cerca de 3000 habitantes e 23 associações, desde pequeno que participa na vida associativa. No Tramagal todos participam em tudo porque faz parte da cultura local. “No Tramagal é assim mesmo”, diz. As recordações de infância “são muito boas apesar de nem sempre ter sido fácil”. O pai era metalúrgico e foi um dos primeiros a ser despedido da Metalúrgica Duarte Ferreira e “foi muito difícil na altura”.
Bruno foi sempre um homem de esquerda. Esteve ligado a partidos políticos mas considera que os partidos devem pensar mais nas políticas do que nos próprios partidos, por isso saiu da vida partidária. Tem amigos em todos os partidos. “Sempre tive uma excelente relação com o PSD assim como tenho com o PS. Não devo nada a ninguém e não tenho telhados de vidro. Não sou de boas famílias ou das elites, sou simplesmente um filho de um metalúrgico e de uma professora que sempre lutou para ter tudo”.
Não gostava de ser político local. Talvez quando se reformar e se ainda houver Junta de Freguesia do Tramagal se candidate a presidente. “Também não me importava de fazer política global para além daquela que já faço no meu trabalho. Sou uma pessoa normal e acho que fazem falta pessoas normais a fazer política”. Diz que não se sente ribatejano, “sinto que sou mais de um além Tejo”. “Sei que O MIRANTE tem sede numa terra muito aficionada mas não tenho muito a ver com o Ribatejo dos campinos, dos cavalos e dos toiros”.
Reconhecimento do trabalho
Bruno Neto foi condecorado pelo Presidente da República em 2015 e recebeu a medalha da cidade de Abrantes no dia 14 de Junho deste ano. Diz ser uma pessoa normal mas sem dúvida nenhuma que o reconhecimento do seu trabalho dá-lhe “mais força para continuar e é um incentivo extra e um grande orgulho mas não trabalho a pensar que vou receber uma medalha” explica.