Sagaz Manuel Serra d’Aire
Estava a dormir a sesta escarrapachado ao sol, embalado pelo mar a bater na rocha lixando o pobre do mexilhão, quando fui literalmente atropelado por um minúsculo exemplar canino que mais parecia um boneco a pilhas daqueles que se vendem nas feiras. O meu instinto animalesco remeteu-me o pensamento para o livro de receitas sobre as mil e uma maneiras de cozinhar um caniche, mas perante o pedido de desculpas da torneada e bronzeada bípede em biquíni que se assumiu como dona do lanzudo canídeo, acabei por refrear os ânimos e, enfim, aceitar com alguma interesseira bonomia o desaforo de que fui alvo.
Este episódio levou-me a reflectir que vivemos numa sociedade caninizada, onde os animais de quatro patas têm privilégios incompreensíveis sobre os demais, nomeadamente os humanos, que supostamente deviam ser os donos disto tudo. Se um humano urinar contra a roda de um carro ou contra um poste está sujeito a ouvir das boas e, inclusivamente, a levar uma multa. Mas um cãozinho pode...
Um humano não pode circular com uma criança no carro sem estar devidamente sentada e presa na cadeirinha, e muito bem, porque se a bófia o apanha é multa na certa. E até se fazem operações destinadas exclusivamente a detectar esse tipo de infracção. Mas um cão pode andar à vontade na rua e atirar-se às canelas de um qualquer passante sem que daí venha mal ao mundo. Basta perguntar à polícia quantos donos já foram multados por os seus mais-do-que-tudo andarem na rua sem trela nem açaime. Zero!!!
Se um tipo for apanhado com a sua Maria a fazer sexo na via pública é um atentado ao pudor, uma pouca vergonha, uma badalhoquice. Como se o sexo não fosse a coisa mais natural e imprescindível desta vida. Mas se for um casal de canídeos, a malta até se ri, filma e mete nas redes sociais (se for com humanos também...). A coisa chegou a tal ponto que muitos prédios de habitação, hoje, estão transformados em autênticos canis com humanos dentro.
E por falar em prédios, parece que as casas com melhores vistas e mais exposição solar podem passar a pagar mais IMI, se for por diante mais uma invenção deste Governo que, já de si, resulta de uma invenção chamada geringonça. A questão para mim é quem vai avaliar o que é uma boa vista. Eu, por exemplo, prefiro viver num rés-do-chão com vista para o quarto de uma vizinha curvilínea, que ainda por cima tem por hábito ter as janelas abertas, do que viver num duplex no último andar à mercê das cagadelas dos pombos e dos pardais. Que achas tu disto Manel? Já pensaste na coisa?
Li há uns tempos que a Câmara do Cartaxo vai liderar a candidatura do fandango a património mundial. Sempre achei que essa dança tipicamente ribatejana merece o reconhecimento universal, pois não é fácil encontrar pelo mundo dois homens a baterem os pés ao desafio, envergando calções justos e meias brancas rendadas, com um barrete com as cores de Portugal na cabeça.
Espero que a candidatura tenha sucesso e que a Câmara do Cartaxo esteja à altura dos acontecimentos. E que a seguir venha a candidatura do tinto!
Saudações estivais do
Serafim das Neves