“Não temos sábados nem domingos e o telemóvel está sempre ligado”
Nuno Cordeiro é um dos gerentes da Agência Funerária Hélder Vacas em Santarém. Há 25 anos que trabalha como agente funerário. Nunca conheceu outra profissão embora em criança dissesse que queria ser mecânico.
Começou por ajudar o pai e agora é gerente da agência em conjunto com o seu irmão David. É sensível à dor alheia e há determinados funerais onde tem dificuldade em manter uma postura distante e estritamente profissional. É um dos poucos portugueses que já sabe a prenda que vai receber este Natal. É o seu segundo filho.
Sou agente funerário há 25 anos e nunca tive outra profissão. O meu pai tinha a agência e eu segui-lhe as pisadas. Nasci e sempre vivi em Santarém. Aqui é a minha base, embora tenha uma casa em Vale Figueira onde vivem os meus pais.
O meu pai era vendedor de automóveis antes de ter a agência e fazia agricultura. Era seareiro. Tinha um terreno na Golegã e eu com 12 anos já o ajudava. Também ia com ele vender fruta e legumes no mercado em Coimbra e em algumas praias.
Depois dele vender a parte da agricultura o Hélder Vacas propôs ao meu pai comprar a agência funerária porque ele já estava com uma certa idade e os filhos do Hélder nunca gostaram deste ramo.
Quando o meu pai comprou a agência funerária eu e o meu irmão David começámos logo a interessar-nos. Íamos muitas vezes à agência e ajudávamos no que era preciso. Começámos a gostar da profissão e hoje somos os dois gerentes da empresa e agentes funerários. Os filhos do senhor a quem o meu pai comprou a agência funerária nunca quiseram ir para agentes funerários.
Durante a primária dizia ao meu pai que queria ser mecânico. Estudei até ao nono ano mas não segui porque o que eu queria era ir brincar ou ir para a agência trabalhar. Há alturas em que penso que se tivesse estudado poderia estar noutro trabalho com mais tempo para a família mas gosto do que faço e estou realizado.
Cheguei a jogar no Alvitejo de Vale de Figueira mas nunca fui grande jogador. Também fiz parte da direcção do clube. Foi há cerca de 15 anos e já nem me recordo qual era o cargo. Eu fazia um pouco de tudo. Tratava da comida para os jogadores, do bar e da roupa. Continuo a gostar de futebol. Sou sócio do Sporting e sempre que possível vou com o meu irmão ver jogos ao estádio.
Quando tenho tempo almoço com amigos e considero-me um bom garfo. Gosto muito de grelhados e não dispenso um peixinho grelhado. As férias são normalmente à beira-mar. Gosto muito da Praia da Rocha em Portimão, da vida nocturna, da música e de descontrair por lá. Nunca viajei em família para o estrangeiro mas já fui a Itália e Espanha a feiras internacionais do ramo funerário.
Sou casado há cinco anos e tenho uma menina com quatro anos a quem digo para não seguir a minha profissão. Mas é óbvio que a escolha será dela e não minha. Ainda falta muito tempo e vou ter mais um filho que ainda não sei se é rapaz ou rapariga. Vai ser a minha prenda de Natal.
Tenho cinco pessoas que já pagaram antecipadamente os seus funerais. Têm todas mais de sessenta anos e fizeram-no porque não querem que as famílias se preocupem com isso quando morrerem. Há sempre curiosidade das pessoas em saber mais sobre esta área mas também há quem evite falar sobre o assunto.
Os funerais de crianças, jovens, familiares, amigos ou pessoas conhecidas afectam-nos mais. Também temos sentimentos e nem sempre é fácil manter uma postura distante. Tento sempre confortar as família e dar dignidade ao falecido.
Este trabalho é exigente porque não temos sábados nem domingos. Nem sempre conseguimos descansar e temos sempre o telemóvel ligado. E é normalmente quando estamos sentados a almoçar ou jantar com rapaziada amiga que calha ligarem-nos. São os ossos do ofício. Somos como bombeiros e sempre de prevenção.