“A prostituta não engana ninguém, o cliente sabe exactamente ao que vai”
Francisco Rodrigues Pereira lançou um livro cujo tema é a prostituição. É um rosto conhecido e acarinhado da cidade de Vila Franca de Xira e depois de sonhar há 50 anos com uma história conseguiu colocá-la em livro. “O Negresco” é a história de uma prostituta que tem uma visão muito particular do mundo erótico em que trabalha. Apresentação da obra contou com três dezenas de pessoas incluindo o presidente da câmara.
“Não sei se vocês sabem alguma coisa de rameiras. Eu acho que sei tudo, incluindo o cantado e decantado amor de puta, ciúme de puta, raiva e dor de puta, que são das poucas coisas verdadeiras que se dizem das mulheres de vida fácil. Nem sei porque dizem que a nossa vida é fácil”. É assim, sem medo das palavras que não são politicamente correctas, que Francisco Rodrigues Pereira, um rosto conhecido em Vila Franca de Xira, começa nas primeiras páginas de “O Negresco”, o seu primeiro livro, a contar a história de Inês, uma prostituta.
Apesar do tema poder ser desconfortável para alguns, mais de três dezenas de pessoas encheram a sala do Clube Vilafranquense onde no sábado, 29 de Outubro, decorreu a apresentação da obra. Não faltaram dirigentes associativos e até o presidente do município, Alberto Mesquita.
Ao contrário das Sombras de Grey, de E.L. James, em que as cenas de sexo são quase gratuitas, em “O Negresco” a trama centra-se em afectos, sentimentos, amor e sedução. O sexo é só parte do negócio da protagonista. A história andou durante meio século na cabeça de Francisco Rodrigues Pereira, nascido e morador em Vila Franca de Xira, a aguardar tempo para poder ser escrita. Agora, aos 63 anos, Francisco conseguiu que fosse editada. Para contar a história falou com diversas prostitutas que já conhecia de há longos anos e confessa que o romance, narrado por Inês, a prostituta, é parcialmente autobiográfico.
“Vai haver gente a achar que é uma pouca vergonha, mas sou uma pessoa sem preconceitos. Ainda não perdemos, enquanto sociedade, alguns dos pudores que temos em relação ao sexo e ainda bem. No dia em que se perderem todas as vergonhas do sexo o próprio sexo sairá diminuído. E é isso que lhe dá o mistério, a pimenta, o ingrediente extra para fazer do sexo o que ele é”, conta a O MIRANTE.
Francisco Rodrigues Pereira afirmou na apresentação da obra que “a vida é uma festa por causa da morte” e que a noite é a festa da vida. “É na noite que tudo se diz e tudo se faz mais às claras. Durante o dia andamos a enganar meio mundo para ganharmos uns tostões. Na escuridão da noite tudo ganha mais autenticidade, a prostituta não engana ninguém, o cliente sabe exactamente ao que vai”, notou.
O livro foi apresentado pelo cartoonista António Antunes que confessou ter lido o livro e ter-se divertido imenso com ele. “É uma escrita gulosa e muito cativante”, elogiou. Também o sociólogo Luís Capucha apresentou a obra, notando a sua grande capacidade de observação e classificando-a como um “ensaio sobre a sedução” e o lado mais profundo dos afectos.
Ou, como resume Inês na sua história contada em “O Negresco”: “As rugas de um sorriso são traços de caridade e compaixão e às vezes caricaturas de amor, de uma amargura tão profunda e de uma nostalgia tão amarga, de um drama tão intolerante e vivo que chega a parecer ventura. É essa trágica mistura de fome e de nostalgia de felicidade que faz de cada uma de nós mulheres da noite”.
Um homem das “Arábias”
Francisco Rodrigues Pereira é um morador da cidade e não traça uma visão agradável do que vê diariamente. “A cidade está muito deprimida, tem comércio e emprego praticamente inexistente, fechou muita indústria, a cidade hoje está mais pequena que algumas aldeias de há 40 ou 50 anos de aqui perto. A cidade andou para trás cinquenta anos”, lamenta. Apesar de tudo diz que é uma terra de gente com vitalidade e por isso será só “uma questão de tempo” até que Vila Franca de Xira se volte a afirmar novamente.
Francisco Rodrigues Pereira tem uma história pessoal vasta. Aos seis anos corrigiu o então cardeal patriarca de Lisboa quando este numa homilia se enganou a dizer o nome de Vila Franca de Xira. Aos 13 era o único secretário nacional da Juventude Escolar Católica que tinha a menção “ateu” nas observações da sua ficha diocesana. Aos 22 anos foi um dos últimos portugueses a sair de Timor onde leccionava matemática e físico-química num colégio de padres jesuítas. Com o estalar do conflito abandonou Timor numa barcaça, deixou o governador noutra ilha da zona e apanhou boleia de um cargueiro para fugir para a Austrália, de onde pediu ajuda ao cônsul português para arranjar voo de volta a Portugal.
Aos 12 anos a mãe ensinou-o a cozinhar e Francisco nunca mais largou as cozinhas. Foi empresário e teve vários negócios nas áreas da publicidade e produtos de grande consumo e nos últimos meses esteve a cozinhar no Clube Taurino Vilafranquense. Agora vai deixar o cargo para abraçar um outro projecto pessoal.