No coro Notas Soltas mandam elas
Quando chega a hora de cantar em conjunto e de forma organizada, habitualmente, são as mulheres que se chegam à frente. Isso mesmo é reconhecido pelas responsáveis do Coro Notas Soltas, de Vila Franca de Xira, onde se tem sentido alguma dificuldade em recrutar vozes masculinas. Seis homens garantem os tons graves e a harmonia vocal.
Raras vezes há discussão sobre quem canta mais, se os homens ou as mulheres. O prazer de cantar abrange os dois sexos e não há distinção entre idades. Desde o pequeno rapaz que canta no chuveiro ao pai que murmura clássicos enquanto conduz. No entanto, para um cantar organizado e em grupo os homens acabam por se retrair mais. As excepções serão os corais alentejanos e as claques de futebol. Ana Paula Mendes e Fátima Rocha Santos, respectivamente maestrina e presidente do Coro Notas Soltas de Vila Franca de Xira, reconhecem a dificuldade de recrutamento de homens. “É difícil os homens entrarem para os coros, pois ou são muitos jovens e têm actividades viradas para o desporto, passear com a namorada ou então há o medo de não ser capaz. Este fenómeno não é só nosso, no estrangeiro encontramos a mesma situação”, refere Ana Mendes.
O Coro Notas Soltas de Vila Franca de Xira tem seis homens sem vergonha de cantar. Valter Passarinho canta desde os 9 anos no coro da igreja na Castanheira do Ribatejo. Aos 27 anos é o corista mais novo do Notas Soltas. Enquanto os amigos foram desistindo do canto, Valter nunca perdeu o gosto e apesar da gaguez afirma que é para continuar. “Não tenho vergonha nenhuma, sempre gostei de cantar e vou continuar. É provável que os outros tenham alguma vergonha, eu tento incentivar os meus amigos a vir, mas eles respondem que desafinam”, diz.
João Machado, 45 anos, está no Notas Soltas há dois anos. Afirma que “os homens envergonham-se e ainda não perceberam bem o funcionamento de um coro”. A estes dois juntam-se Carlos Queiroz, 37 anos, Norberto, 71 anos, José Cunha, 67 anos, e o mais velho, Gabriel, de 82 anos. São estes os responsáveis pelos sons graves do repertório do Notas Soltas que canta composições clássicas, entre elas várias peças de Fernando Lopes Graça.
Apesar da escassez de vozes masculinas se verificar noutros coros nacionais e internacionais, a maestrina indica que os homens que tiveram educação musical estão mais propícios a integrar um coro. “As mulheres estão mais disponíveis para estas coisas, daí que o número de mulheres nos coros seja sempre maior”, refere Ana Paula Mendes. Mesmo assim, sublinha, “o Notas Soltas é um grupo estável e quando fomos actuar a Barcelona não éramos dos coros com menos homens”.
Cantar de memória
Carla Carvalho tem 37 anos e todos os domingos ensaia com o Notas Soltas, mas ao contrário dos restantes elementos não usa pautas para seguir as músicas, já que de nada valeriam. Carla é invisual e usa um gravador para aprender as músicas.
“Pego no telemóvel, gravo e vou para casa ouvir, estudar e cantar. Tenho de decorar todas as músicas do Notas Soltas mas também outras porque sou organista na igreja paroquial de Arranhó e também dou aulas na Universidade Sénior de Arruda dos Vinhos, onde toco piano”, conta Carla que é licenciada em Ciências Musicais.
Por vezes há enganos e esquecimentos. Nada que não se remedeie. “Quando estou com o coro e me engano, disfarço com os outros, vou mexendo os lábios a fingir que canto, ou espero entrar um bocado depois dos outros para ter a certeza que é a música certa. Nos outros sítios é improviso. Por vezes disfarça-se outras vezes não, e quando não é ficamos ali um bocado a curtir aquilo”, assume.