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Equipamentos lucrativos são essenciais para apoiar trabalho de apoio aos mais pobres

Equipamentos lucrativos são essenciais para apoiar trabalho de apoio aos mais pobres

António Martins Lopes é provedor da Misericórdia da Golegã há vinte e seis anos

Desloca-se em cadeira de rodas por ter sofrido várias amputações. Faz hemodiálise três vezes por semana mas não se lhe ouve um único queixume relativo à sua condição pessoal. Se queixas tem a fazer são relativas às incompreensões, faltas de apoio e atrasos relativos a projectos da Santa Casa da Misericórdia da Golegã, instituição a que dedicou e continua a dedicar toda a sua energia. Martins Lopes vive em função das necessidades dos outros.

Porque é que as instituições de solidariedade social, na maior parte dos casos, não trabalham em ligação umas com as outras, originando situações de duplicação de acções? O Governo apela ao trabalho em rede e ao estabelecimento de parcerias. As câmaras fazem o mesmo apelo também. Mas depois algumas câmaras, em vez de cooperarem, andam a competir na área social. Há câmaras com um “staff” técnico na área social que não se justifica. Isto de trabalhar em rede é tudo mentira. A rede devia ter um órgão que devia funcionar em pleno para a rentabilização dos recursos existentes e isso não acontece.
Porquê? Porque há quem tenha interesse nisso. A Misericórdia da Golegã, por exemplo, tem um banco de roupas, tem mobílias, ajudas técnicas, etc. Mas se houver um órgão político que quer mais um voto é evidente que até vai comprar algumas dessas coisas para oferecer a um carenciado. Funciona tudo por capelinhas.
Vou-lhe dar um exemplo. Um dia o chefe de divisão da câmara municipal pediu à nossa directora se lhe emprestava uns idosos para ir ali ao Equuspolis fazer um trabalho social. Se a gente lhe emprestava os idosos para justificar o trabalho que ela fazia.
O senhor está a viver numa das 24 residências assistidas que foram construídas pela Misericórdia nesta área onde também funciona o lar. Não são instalações para carenciados. Para podermos dar ajuda aos mais pobres temos que encontrar formas de gerar receitas. Esta foi uma delas. As residências estão todas ocupadas. Há algumas pessoas em lista de espera. Quem vem para cá faz um contrato de usufruto. Quando essa pessoa morre a residência reverte a favor da instituição que faz as manutenções necessárias e a revende.
Porque veio para aqui? A minha mulher precisava de apoio e eu também certamente irei precisar. Temos uma série de serviços, enfermagem, médico, alimentação, tratamento de roupas, higiene, habitação, etc... Eu tenho os serviços todos mas há quem não tenha. Tenho três casas fechadas e tive que comprar mais esta.
Quem vive aqui são pessoas do concelho? Cerca de metade são.
Um outro projecto para garantir a sustentabilidade da Misericórdia é um edifício com 59 quartos, metade dos quais duplos, com zona ampla ajardinada, piscina terapêutica, sala de fisioterapia, gabinete médico, biblioteca e espaço de entretenimento. Qual o ponto da situação? Se concretizar esse projecto posso morrer descansado, como se costuma dizer, porque a Misericórdia passa a ser sustentável. É um projecto lucrativo e espero que em 2017 haja possibilidade de o adjudicar.
Numa zona rural como a Golegã deve haver muitos idosos no lar com rendimentos baixos. Como é feito o pagamento? Há pouco tempo tínhamos apenas três ou quatro pessoas no lar com rendimentos acima dos quinhentos euros. Felizmente, temos tido a felicidade de, maioritariamente, as famílias comparticiparem.
Como funciona o financiamento? A Segurança Social participa, para todos os utentes, sejam ricos ou pobres, com a mesma quantia. As pessoas pagam na percentagem do seu rendimento ficando com 15% para gastos pessoais. Depois apelamos às famílias para comparticiparem. Se a família ou o idoso têm rendimentos têm que comparticipar. Isto funciona maioritariamente bem.
Há quem não tenha possibilidade de pagar. Temos alguns utentes que não têm capacidade económica, nem a família, e por isso não pagam. Fizemos um pólo totalmente pago pela Misericórdia, que está preenchido apenas com gente que não pode pagar. Posso dizer que, neste momento, que eu saiba, não há uma pessoa no concelho que precise da Misericórdia que não tenha esse apoio. Uma única.
Não tem dificuldade no recebimento das comparticipações de familiares? Chegámos a ter aqui, nos últimos anos, um valor de débito muito elevado e teve que haver intervenção do nosso gabinete jurídico. Também aconteceu que algumas pessoas que diziam que não tinham capacidade de pagar, veio-se a demonstrar que tinham dinheiro e património. Tiveram que pagar.
Têm tido problemas com as chamadas demências? É uma trabalho que nós estamos a fazer que nos prejudica. Temos muitos problemas. Mas se eu recusar aceitar alguém com esse tipo de doenças e disser que há um centro em Fátima que foi construído para o Alzheimer e que aquelas doenças não são para aqui, as pessoas não querem saber. Querem é que a gente lhes resolva o problema dos familiares. O Provedor é que tem culpa. Dizem: “Então o meu avô agora não pode ir? Quero lá saber se tem Alzheimer ou Parkinson. Andamos há mais de vinte anos a debater demências e está tudo praticamente na mesma.
Qual o orçamento anual da Misericórdia? Acabámos de aprovar um orçamento já perto dos três milhões de euros. Isto não é a brincar. Temos 112 pessoas aqui a trabalhar. Com os projectos que nós temos, dentro de dez anos, se tudo correr bem vamos ter mais uma centena de postos de trabalho criados. Isto para a economia local é muito importante. Já não contando com a importância social do nosso trabalho.
Qual a relação actual da Misericórdia da Golegã com o Centro Distrital da Segurança Social? Conheci os seis directores distritais, desde o Dr. Pita Soares até agora. O principal problema é a Segurança Social não ter um diagnóstico do distrito. Claro que essa falha é boa para algumas câmaras e também para o Centro Distrital, porque não obriga a definir planos estratégicos.
Qual a consequência disso? Toda a gente faz equipamentos onde quer.
Esses projectos passam pelo Conselho Local de Acção Social. O Conselho Local de Acção Social é uma autêntica brincadeira. Se alguém chegar lá e disser que quer construir algo que já existe, ou seja, replicando o que já existe, diz-se que sim porque não há definido um plano estratégico distrital que diga onde podem e devem ser implantados os novos equipamentos. Ninguém quer saber de respostas integradas para o futuro.
Imaginemos que eu tenho dinheiro e quero abrir um Lar na Golegã. Um lar lucrativo. Se tiver autorização o senhor é contra isso? Sou, claramente, porque não há uma rentabilização dos recursos existentes.
Mas se eu não vou pedir apoios a ninguém... Eu sei disso. Mas o que vai abrir é uma unidade só para um extracto social.
E quem apoia os mais pobres dos pobres e com que meios? A Misericórdia da Golegã, por exemplo, ao criar com as residências e o edifício que já referi quer arranjar meios para dar apoio aos mais pobres. Se viesse para aqui um investimento apenas para os mais ricos a Misericórdia tinha que repensar os seus projectos porque depois não tinham procura.
Quais os projectos que a Misericórdia tem em carteira e que podem ser financiados pelos Fundos Comunitários, no âmbito do 2020? Uma nova cozinha. Tenho tudo projectado. A actual cozinha está junto ao refeitório e já é pequena. Por seu turno o refeitório também já não chega porque as cadeiras de rodas ocupam muito espaço. Se a candidatura não for aprovada a Misericórdia sozinha não tem capacidade para fazer a obra. É um projecto de mais de 600 mil euros. Tenho também um projecto para substituição do telhado que é de fibrocimento. Já há câmaras a usar dinheiro do 2020 e as Misericórdias continuam à espera.

Cantinas sociais acabam no final do ano

O que se passa com as cantinas sociais? São para continuar? A informação é que vão acabar no fim deste ano. Temos uma cantina social que, de acordo com o protocolo com o Estado, tem funcionado com as pessoas carenciadas, desempregadas, que precisam e se inscrevem. São vinte e poucas. Umas comiam aqui e outras vinham buscar o comer. O que vai acontecer não sabemos. Claro que as pessoas vão continuar a bater-nos à porta e depois se a gente lhes tira o comer vão para a comunidade dizer que a culpa é da Misericórdia, não é do Estado.
Na sua opinião o Estado tem dado a devida atenção ao envelhecimento da população? Tenho o projecto do Clube Vida através do qual a Misericórdia está a fazer um trabalho que é do Estado. Estamos a falar outra vez de equipamentos e de candidaturas. Passam pelo Clube Vida 160 pessoas por semana. O Clube Vida tem 28 professores e vários módulos. Há pessoas com oitenta anos a aprender línguas. A aprender a trabalhar com um computador. Isto é uma base cultural para o envelhecimento activo.
Do que se queixa? A dinâmica do Clube Vida é muito forte. Cada vez há mais pessoas a inscrever-se. E temos ali uma função que o Estado aprecia muito que é o voluntariado. Dezenas de voluntários. E os voluntários têm que se preservar. Nós estamos no caminho que o Estado apregoa. Inovação. As pessoas não vão para o primeiro andar do edifício porque não têm pernas para subir os degraus. Tenho que arranjar um elevador. Era preciso que o Centro Social Distrital fizesse pressão para dar prioridade a estas coisas.
O envelhecimento da população é muito grave. É gravíssimo e quando os políticos vêm dizer que o vão resolver é tudo mentira. As pessoas reformam-se aos 66 anos e o que vão fazer? E eu tenho um acordo apenas para 65 utentes no Centro de Convívio. Agora preciso de espaço e não tenho.
Voltando à Segurança Social. A ideia que por vezes passa é de que há exigência desfasadas da realidade e que podem comprometer o trabalho de Misericórdias e Instituições Particulares de Solidariedade Social. Sente isso? Há um pacto em vigor assinado há muitos anos e nós concordamos com o rigor. Mas havia a promessa de fazer cumprir certas exigências progressivamente e de serem feitas inspecções de carácter pedagógico.
E isso não está a ser cumprido? Dou-lhe um exemplo. O edifício onde funciona o Clube Vida tem 150 anos. Como é possível cumprir a legislação que foi feita para edifícios construídos de raiz? Qualquer pessoa percebe que tem que existir alguma tolerância. Antigamente havia essa sensibilidade. Agora mandam umas técnicas que só querem é papelinhos. Não há qualquer sensibilidade nem tolerância. As Misericórdias e IPSS que não tiverem tudo correcto vão ter os dias contados. Vão ter muita dificuldade.

Uma forma positiva de ver e viver a vida ao serviço da comunidade

António José Martins Lopes nasceu e foi criado na Golegã. Filho de trabalhadores agrícolas fez o ensino básico e não prosseguiu os estudos por motivos económicos. Começou a trabalhar aos 11 anos de idade como aprendiz de um tio que era estucador. Aos 18 anos iniciou actividade por conta própria.
“A minha mãe não sabia ler. O meu pai tinha a terceira classe. O professor disse-lhes que tinha potencialidades para continuar a estudar mas eles não tinham possibilidades de pagar. Hoje toda a gente tem acesso ao ensino e muitos não querem aprender mas naquela época só os mais ricos podiam continuar os estudos. Nem sequer seriam os mais inteligentes mas eram aqueles cujos pais tinham dinheiro”.
Quando andava na escola palmilhava muito caminho e ia aprendendo as letras e contas ao mesmo tempo que aprendia outras coisas da vida.
“Fui criado numa quinta. Andava a pé quatro quilómetros para ir à escola. Agora o autocarro tem que ir lá mesmo à porta para deixar os meninos. Às vezes passava um senhor da família Veiga de charrete conduzida por um cocheiro e dava-me boleia. Nessas alturas eu sentia-me importante e pensava que aquilo de ser rico era bom”.
Martins Lopes só esteve fora da Golegã durante três anos, na altura em que cumpriu o Serviço Militar Obrigatório. Na altura ainda não era casado.
“Fui para a guerra em 1963 e regressei em Janeiro de 1966. Estive em Angola na Companhia de Caçadores 4/63 Batalhão 514. A minha Companhia deixou lá 23 homens, não contando com os que ficaram mutilados...feridos. Fiz a comissão toda no Norte. Estive em Bessa Monteiro, Santo António do Zaire, em S. Salvador. Sempre em teatro de guerra. Nunca tivemos nenhuma folga para saírmos dali. Não fui ferido. Não tive essa infelicidade. Só tive um acidente com uma viatura. Mas só numa altura tive que carregar 15 mortos”.
Actualmente desloca-se em cadeira de rodas devido a amputações e faz hemodiálise três vezes por semana. Diz que a experiência da guerra o ajudou a enfrentar a actual situação.
“O que passei em Angola ajudou-me quando fui intervencionado. Foi com epidural. Cortaram-me o primeiro terço da perna direita e depois o segundo terço da perna esquerda. A certa altura a médica mandou uma parte amputada para dentro do caixote e eu ouvi o barulho. Lembrei-me que quando jogava futebol me chamavam o pé canhão. Às vezes sorrio quando estou com amigos e algum me diz que lhe dói um braço ou uma perna. Tenho consciência que a culpa da minha situação foi exclusivamente minha. Eu andava de noite, de dia, sábados, domingos e não dava muita atenção à saúde.”
Criou uma comissão de Veteranos de Guerra e a primeira iniciativa vai ser a edificação de um memorial aos militares da Golegã que passaram pela guerra colonial. A Comissão está a tentar determinar quantos jovens do concelho estiveram em Angola, Guiné e Moçambique. Desse há a confirmação de doze mortos em combate.
Foi baptizado, casou pela Igreja e considera-se católico não praticante. Chegou a Provedor da Santa Casa da Misericórdia a partir de uma situação de crise na instituição mas teve que enfrentar algumas resistências.
“Não havia quem se quisesse candidatar. Eu na altura estava na câmara e disponibilizei-me para arranjar uma comissão administrativa para tentar angariar gente para integrar os órgãos sociais. Não havia ninguém mas quando me candidatei apareceu logo outra lista ligada à Igreja. Acho que pensaram que eu vinha para aqui fazer política. Mas se pensaram isso não me conheciam. Encerrei a minha actividade política para poder abraçar este desafio da Misericórdia. Foi a única vez em que apareceram duas listas. Isso nunca mais aconteceu até agora. Fui reeleito nove vezes. Estou no primeiro ano deste mandato que é de quatro anos. Depois, se quiser e tiver saúde ainda me posso recandidatar a mais um. Agora há limite de mandatos”.
O Provedor da Santa Casa da Misericórdia da Golegã, cargo que exerce há 26 anos, foi jogador, treinador e dirigente do Futebol Clube Goleganense e ainda exerce o cargo de presidente da Assembleia Geral. Foi dirigente dos bombeiros, vice-presidente da câmara municipal, eleito pelo PSD, entre muitos outros cargos. Em Abril de 2015 foi condecorado com a Ordem de Mérito pelo Presidente da República.

Qual a situação do cineteatro Gil Vicente que é propriedade da Misericórdia?

O protocolo com a câmara terminou em 2012. Já tive uma reunião com o senhor presidente da câmara em 2014 e ficou decidido renová-lo mas até agora isso não foi feito. Se a câmara não quiser continuar a ficar com o cineteatro pode entregá-lo mas terá que o fazer nas condições em que o recebeu porque actualmente está em muito mau estado e até chove lá dentro. Particularmente sei que há um projecto no valor de um milhão de euros para a renovação e remodelação mas apenas particularmente porque ninguém falou connosco sobre isso.

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