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Começaram na política a colar cartazes nos sítios mais altos para evitar que fossem arrancados

Começaram na política a colar cartazes nos sítios mais altos para evitar que fossem arrancados

Conversa entre o director da Segurança Social de Santarém, Tiago Leite, e o presidente de Azambuja, Luís de Sousa

O director do Centro Distrital de Santarém da Segurança Social, Tiago Leite, e o presidente da Câmara Municipal de Azambuja, Luís de Sousa, são católicos mas professam ideologias políticas diferentes. O primeiro é do CDS-PP e o segundo do PS, embora tenha entrado na política e chegado a ser presidente de junta na sua terra, Alcoentre, pelo PSD. Durante a conversa da série Duetos divertiram-se como se fossem amigos de longa data, partilhando histórias, fazendo humor e expondo ideias sobre assuntos de que não falam habitualmente.

A carreira profissional de Tiago Leite começou na banca e foi interrompida com a ida para a Segurança Social. Quando começou a trabalhar e depois de casar, vivia em Carcavelos e trabalhava na área de Lisboa. A esposa também era bancária e os dois tinham o sonho de ter quatro filhos. Após o nascimento do primeiro perceberam que precisavam de mais espaço. Tinham um amigo que vivia na Moçarria, Santarém, e começaram à procura de casa nessa zona mas acabaram por comprar uma vivenda com terreno em Alpiarça, que recuperaram.
“Fui viver para a República Soviética de Alpiarça, como lhe chamavam devido ao peso do PCP, já lá vão vinte anos. Ali passámos a ter espaço e maior qualidade de vida”, explica. O casal teve os quatro filhos que queria ter e Tiago Leite chegou inclusivamente a criar cães da raça Beagle. Mas como a vida dá muitas voltas, o director da Segurança Social regional vive actualmente num apartamento em Santarém por se ter divorciado. “Agora tenho qualidade de vida mas não tenho espaço para animais”, diz.
Luís de Sousa tem espaço no jardim de sua casa e tem animais, embora não sejam dele. “Também construí instalações mas os cães que tenho tido não são meus. São dos meus netos”, conta. E acrescenta: “Os meus genros são músicos. Um é profissional e chefia a banda da Armada e o outro é comandante dos Bombeiros de Alcoentre mas toca clarinete em várias bandas. Começaram por me dar música para me levarem as filhas. Depois deram-me seis netos e agora puseram-me a tratar de animais. Tenho uma cadelita Labrador do meu neto que está a tirar o curso de equinos na Coudelaria de Alter do Chão. Dos outros netos já tive um Golden Retriever que morreu de velhice. E também caturras que levaram lá para casa e um coelho da Índia. É um jardim zoológico em miniatura”, diz a rir.
Os dois confessam que têm que ser muito organizados para gerir o seu tempo. Luís de Sousa leva quase sempre trabalho para casa. Pelo menos está na companhia da esposa enquanto trabalha. Tiago Leite recusa almoços de trabalho em certos dias da semana. O dia que reserva para almoçar com os filhos e o dia que almoça com o “Grupo das Quartas-Feiras”.
“Por vezes quando chego muito tarde a minha mulher, que já jantou e está entretida a fazer renda, pergunta-me; ‘então, só agora?’. Eu respondo, na brincadeira, que pelo menos não fiquei na câmara para o outro dia”, diz Luís de Sousa. Tiago Leite comenta com um sorriso amarelo: “Isso é assim até ao dia em que elas dizem. ‘Tiveste sorte em eu ainda cá estar’. Esse é que é o problema de quem ocupa este tipo de cargos!”.
O actual director do Centro Regional da Segurança Social de Santarém, Tiago Leite, ainda apanhou alguma convulsão nas escolas, resultante do 25 de Abril, mas tendo estudado no Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, considerado um liceu conservador, as forças dominantes a nível das listas para a Associação de Estudantes eram o CDS e o PSD, situação que se manteve na Faculdade. Luís de Sousa, uns anos mais velho, desistiu de estudar em 1971, no ano em que Tiago nasceu, para ir trabalhar e a sua entrada na política foi feita de outra forma.
Não se cruzaram nessa altura das suas vidas mas descobriram, gracejando sobre os primeiros anos de militância, que ambos começaram pelo topo, colando cartazes nos locais mais altos para evitar que fossem destruídos no dia seguinte.
“Lembro-me de andar no Inverno de 1986, às quatro da manhã, a pendurar cartazes da campanha do Freitas do Amaral nos candeeiros de iluminação pública da segunda circular. Tínhamos uma escada muito alta que abanava muito com a deslocação de ar provocada pelos camiões a passar”, conta Tiago Leite.
Luís de Sousa lembra que também começou a colar cartazes nos locais mais altos que havia para que não fossem vandalizados. Na altura ainda não eram cartazes do PS, partido onde milita há vinte anos, mas do PSD. “Comecei por ser eleito como independente numa lista do PSD e fui presidente de junta na minha terra por aquele partido. A primeira vez que me candidatei o PSD só ganhou em Alcoentre”. Divergências com elementos sociais-democratas levaram-no a afastar-se e depois de muitos anos como vereador durante os mandatos de três presidentes de câmara socialistas, passou a presidente. Primeiro substituindo Joaquim Ramos, que renunciou por motivos de saúde, e depois por ter sido eleito nas autárquicas de Outubro de 2013.

“E ali estava eu a correr no meio da confusão mas a ver a vida a andar para trás”

Tiago Leite foi com o irmão e uns amigos a França ver alguns jogos do Europeu de futebol do ano passado e acabou por ver coisas que habitualmente só costuma ver na televisão. “Tivemos a brilhante ideia de comprar bilhetes para o jogo da Rússia contra a Inglaterra. O jogo foi em Marselha a 11 de Junho e nós ficámos atrás de uma das balizas onde, no final, houve confrontos entre hooligans dos dois países”, conta.
“Por obra do acaso e se acreditamos em Deus, por Sua influência, faltavam quatro minutos para acabar o jogo e eu disse ao meu irmão para irmos embora porque pressenti que aquilo não ia correr nada bem”. O pressentimento estava certo porque os russos entraram naquela zona maioritariamente ocupada por ingleses e registaram-se confrontos muito violentos.
“Ainda estávamos a chegar à saída quando desatou tudo à pancada. Batiam uns nos outros de uma forma perfeitamente selvática. E depois saíram para a rua e a confusão continuou. Pessoas a fugirem, gás pimenta, gritos, insultos e nós a corrermos à frente da polícia. Naquele momento senti que a minha vida estava em risco”, confessa o director da delegação de Santarém da Segurança Social.
“Acabámos por conseguir sair de lá ilesos mas aquilo dá que pensar. Nós vemos cenas daquelas na televisão e achamos que nunca nos iríamos meter em confusões assim e no entanto lá estávamos nós. Aquilo parecia um cenário de guerra”, conclui. Já agora, para quem não se recorde, o jogo acabou com um empate a um golo.

Levar tiros de caçadeira no tempo do PREC (Processo Revolucionário em Curso)

Natural de Alcoentre, concelho de Azambuja, Luís de Sousa trabalhou na cadeia de Vale de Judeus antes e depois de ir para a tropa e na cadeia de Alcoentre de onde fugiram, num domingo de Junho de 1975, oitenta e nove elementos da antiga polícia política, a PIDE. Nessa altura, o agora autarca cumpria o serviço militar obrigatório na Polícia Aérea, em Alverca, e viveu um episódio que ilustra o caos que reinava em Portugal.
“Eu tinha um Volkswagen carocha com que me deslocava entre Alcoentre e Alverca. Numa noite em que regressava a casa, já depois da meia-noite, após ter saído do serviço, passei ali na zona onde agora existe a CLC (Companhia Logística de Combustíveis) e vi muita gente na estrada. Naquela altura o lugar era muito escuro. Havia ali uns enormes cedros e ocorriam assaltos”.
Luís de Sousa conta que ficou com medo. “Afrouxei, as pessoas começaram a abrir alas e eu quando vi que havia espaço, abaixei-me, acelerei e fugi dali enquanto sentia os chumbos dos tiros de caçadeira a bater na traseira do carro”. O mais curioso é que ele estava fardado e na altura havia uma grande simpatia pelos militares, vigorando aquilo que se designava por Aliança Povo/MFA (Movimento das Forças Armadas).
Quando chegou a Alcoentre houve amigos que quiseram ir buscar caçadeiras para entrarem na herdade da Torre Bela que tinha sido ocupada por elementos de um grupo extremista chamado LUAR (Liga de Unidade e Acção Revolucionária) a fim de retaliar. Eles sabiam que eram aquelas pessoas que estavam a revistar carros na estrada à procura de armas mas eu acabei por os dissuadir”, conta.

Começaram na política a colar cartazes nos sítios mais altos para evitar que fossem arrancados

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