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“A Internet e as redes sociais retiraram público às bibliotecas”
modernidade. Director de Abrantes não se sente desconfortável com a presença de literatura erótica

“A Internet e as redes sociais retiraram público às bibliotecas”

A Biblioteca Municipal de Abrantes conta com cerca de 10 mil inscritos. É um dos lugares públicos mais frequentados da cidade e para assinalar os 120 anos do poeta que lhe dá nome quer relançar o Prémio Literário António Botto, conforme nos contou o seu director, Francisco Lopes.

Exercer quaisquer actividades que permitam facilitar o caminho entre a pergunta e a resposta. Essa é a principal função do bibliotecário, na definição que O MIRANTE depreendeu das palavras do director da Biblioteca Municipal António Botto, em Abrantes, que este ano celebra os 120 anos do poeta natural de Concavada. E uma das actividades pensadas para assinalar o aniversário é precisamente o “relançamento do Prémio Literário António Botto”.
Para Francisco Lopes, a profissão que escolheu “é uma consequência natural de gostar muito de livros”. Tem 58 anos, nasceu no Pego, no concelho de Abrantes, licenciou-se em História, em Lisboa, para onde foi estudar aos 17 anos. Era “um camponês na capital”, refere. Acabado o curso ainda por lá deu aulas, mas depressa regressou a casa, em 1981. “Voltei por convicção. Tinha obrigação de, pela minha terra, tentar fazer a diferença”.
Além disso, valorizava a vida no campo e a identidade. Nessa medida, contesta o olhar contemporâneo “para as comunidades humanas e para os locais, sobretudo a partir do seu potencial económico” levando a um “descaminho das identidades”.
Tal como hoje, Francisco Lopes via naquela época a cidade de Abrantes e todo o concelho com muito potencial. “Como um cruzamento de regiões, de identidades e de culturas” representando uma riqueza “extraordinária que só pode ser vantajosa para nós”, acredita. “Temos de pensar que há mais país do que o litoral para onde há deslocações pendulares diárias para os grandes centros”, diz, admitindo que nas cidades do interior acontece o mesmo fenómeno: “as sedes de concelho absorvem as populações das aldeias”.
A biblioteca pública como elemento essencial à democracia
Classificando os clássicos como “geniais” mas admitindo que “há milhares de livros bons”, o que Francisco Lopes defende mesmo é a biblioteca pública como elemento essencial à democracia. “Um espelho e uma memória da nossa sociedade”. Isto porque uma biblioteca municipal é suposto ter “publicações mediáticas e também porque guarda as mais importantes criações da ciência, da arte, do conhecimento humano acessível a todos. É para isso que serve a biblioteca. Ser repositório do mais importante, sem qualquer controlo ideológico. Está obrigada à deontologia da pluralidade”.
Francisco Lopes admite que as pessoas vão à biblioteca também pelos livros eróticos, como “As cinquenta sombras de Grey”. “É natural! As pessoas pensam em sexo, não só os adolescentes, mesmo os mais velhos. Eu penso! E na biblioteca tem de existir não só o Marquês de Sade mas a Cassandra Rios”, ri.
Escolhas à parte, afirma que na questão da “qualidade” a Internet alterou o paradigma. “A Internet é simultaneamente democrática e produtora de lixo”. Em matéria de fornecimento de informação, “há mais um concorrente. As pessoas têm de aprender a lidar com a Internet e é necessário regulação”, advoga.
Responsabiliza as redes sociais pelo “impacto [negativo]” sobre os produtos convencionais mais tradicionais, como os livros. “Hoje as pessoas não são capazes de gerir os seus recursos intelectuais no sentido de se livrarem das solicitações da tecnologia que trazem no bolso, mesmo as que não querem”, diz.
Menciona os livros digitais como um dos grandes problemas. “Mudou totalmente o paradigma de relação da biblioteca com a aquisição do livro. Não é comprado o ficheiro informático mas sim um link de acesso. É assim que fazem as cinco maiores editoras mundiais. Além do custo, que chega a ser 100 vezes mais se comprado por uma biblioteca do que por um leitor individual, colocando em causa o papel de garante do acesso à informação para todos”.

Há muita procura por parte dos estudantes

Nem tudo é fácil, mas a Biblioteca Municipal António Botto ainda é procurada, nomeadamente pelos alunos da Escola Superior de Tecnologia de Abrantes. “Na fase dos exames por vezes não temos lugares sentados, acrescentamos mesas até nos corredores. Nos próximos anos será complicado porque com as obras no museu perdemos os claustros que usávamos para fazer esse acrescento”, explica Francisco Lopes.
Outro desafio profissional é resgatar o hábito de leitura de todas as faixas etárias. “Convém é que nas bibliotecas públicas o público escolar não seja o único. Isso significaria não desempenhar nenhum papel relativamente ao resto da comunidade. Felizmente isso não acontece”. A Biblioteca Municipal de Abrantes conta com cerca de 10 mil inscritos.
Para isso, a António Botto “trabalha em relação estreita com as escolas, com os professores dos agrupamentos e com a biblioteca escolar” para chegar aos jovens. Realiza actividades para as crianças como visitas das escolas ou leitura de histórias. “Procuramos conhecer a comunidade para, aos poucos, aproximá-la da biblioteca”, afirma o director, recordando que a “itinerante chega às populações mais isoladas, indo a 30 lugares de todo o concelho”.
Na relação com os autores diz ter sido uma “oportunidade e privilégio contactar com grandes criadores e pensadores” da nossa sociedade. “Poder estar numa única noite em simultâneo com Galopim de Carvalho, Augusto Abelaira, Sérgio Godinho e Manuel Freire é muito interessante”, finaliza.

“A Internet e as redes sociais retiraram público às bibliotecas”

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