Acontecimentos milagrosos a que não chamam milagres e questões alimentares fora do comum
Carina João Oliveira, Engenheira da Infraestruturas de Portugal e Diamantino Diogo, presidente do Lar e creche de S. José em Coruche
No dia 15 de Agosto de 1966, numa zona de guerra em Angola, Diamantino Diogo, pensava na procissão de Nossa Senhora do Castelo que àquela hora estava a começar na sua terra, em Coruche. Foi quando uma bala disparada do mato lhe passou a centímetros da cabeça. Antes de partir para a guerra tinha colocado um ex-voto na Ermida da Santa a pedir-lhe ajuda. Não acredita em milagres mas diz que sempre teve sorte na vida. Carina João Oliveira, natural e residente em Fátima, ia na A1 a caminho de Lisboa quando o carro entrou em “aquaplaning”. Bateu, rodopiou, tornou a bater e imobilizou-se na berma. Apesar de não ter ficado sequer ferida, o único milagre que admite é o da sua vida ter mudado completamente a partir dali.
A engenheira civil Carina João Oliveira acredita que mais cedo que algumas pessoas imaginam vamos ver em circulação nas nossas estradas veículos sem condutor. Gestora da unidade de Estudos e Estratégia da empresa Infraestruturas de Portugal, está bem colocada para saber daquilo que fala.
“Os carros sem condutor fazem parte de um admirável mundo novo. A revolução está em curso. Ainda não é visível nas nossas ruas mas os países e as sociedades estão a preparar-se e já foram dados passos muito largos para que isso seja uma realidade muito em breve. Basta lembrar que nós actualmente já temos formas de condução muito autónoma e estamos a estudar qual o grau de informação que a infraestrutura vai gerir, vai dar. Como vai interagir com o veículo”.
Diamantino Diogo, que tem um posto de abastecimento de combustíveis, é um adepto das novas tecnologias mas diz que não vai ser “no seu tempo” que irão circular carros sem condutor em Portugal.
“Eu tenho um carro com mudanças automáticas porque o modelo que eu queria da Mercedes e que estava à venda tinha mudanças automáticas. E foi preciso o vendedor perder meia hora a conversar comigo. Hoje estou satisfeito mas em relação a andar num carro sem condutor tenho muito medo. Se os nossos computadores se fartam de dar erros como é que posso meter-me num carro desses. Eu não sou capaz. Isso não vai ser para mim”, refere.
Diamantino Diogo estudou dos 10 aos 14 anos no seminário de Vila Viçosa. Filho de uma família de trabalhadores rurais de Coruche, aquela foi a única forma de não ir trabalhar para o campo quando acabou o ensino básico. Quem o encaminhou foi o padre que lhe dava catequese, Manuel Fernandes Amaro.
“Aos 14 anos disseram-me que não tinha vocação para Padre e regressei a Coruche. Trabalhei por um breve tempo na venda de adubos e depois na área social, distribuindo alimentos que vinham dos Estados Unidos da América aos carenciados. Nunca parei de estudar”, explica.
Diz que na escola tinha feito uma redacção em que mencionava que queria ser padre ou advogado para ajudar os mais desprotegidos. Acabaria por se licenciar em Direito já com 39 anos. Afirma-se católico praticante.
Carina João Oliveira também é católica e declara-se uma “mulher de Fé” mas não vai regularmente à missa. Por vezes vai ao Santuário de Fátima, cidade onde reside, por causa do sossego. Este ano, com a vinda do Papa, diz que não se importava de ir para o meio da confusão só para estar mais perto dele.
Os dois dizem que nunca viveram nenhuma experiência transcendental embora, por insistência do moderador da conversa, revelem dois episódios que os marcaram. Diamantino Diogo conta que em 1966, no dia 15 de Agosto, estava numa zona de guerra em Angola e foi alvejado mas escapou ileso. “Foi à hora em que devia estar a sair a procissão na minha terra. Estava eu e o capitão da companhia. Se a bala viesse mais baixo matava-nos aos dois.
Carina João Oliveira teve um despiste na auto-estrada quando ia de Fátima para Lisboa e o carro entrou em aquaplaning. Saiu ilesa e não fala em milagre mas reconhece que foi como se tivesse renascido.
“Este tipo de acontecimentos agarram-nos à vida. Comecei a fazer muitas outras coisas que não fazia até então. Comecei a fazer voluntariado. Comecei a querer dar de mim aos outros, de outra forma e de uma forma privada, particular. Comecei a querer perceber a vida de outra maneira. Comecei a ter muito mais tempo para aquilo que realmente importava”, conclui.
Carina João Oliveira e Diamantino Diogo chegaram à sede do jornal para a gravação da conversa, antes da hora marcada. Explicaram que são sempre pontuais e que já perderam a conta às horas e horas que perderam à espera dos outros. O empresário de Coruche diz que ainda fica magoado com os atrasos. Carina João Oliveira já interiorizou que o atraso é uma doença nacional e não sofre tanto com o problema.
Sei que uma galinha pode viver até sete anos porque as minhas morrem de velhice
Filho de trabalhadores rurais, o empresário Diamantino Diogo diz que na infância foi educado pelos pais a gostar de tudo e que até hoje só houve uma altura em que recusou comer um petisco. Alega em sua defesa o facto de se tratar de algo verdadeiramente fora do vulgar.
“Já comi coisas estranhas. Algumas ainda hoje nem sei o que eram como um alimento escuro que parecia chouriço que me serviram no Egipto mas a pior experiência foi na Holanda. Vi toda a gente a correr para um barco e fui também. Estavam a servir uma coisa embrulhada num bocado de cebola com muita salsa. Eu agarrei naquilo e foi quando descobri que o recheio era um peixinho que ainda estava vivo. Não fui capaz de comer, confesso”.
O que Diamantino Diogo também não come são os animais que cria na sua horta. E explica porquê. “Há três ou quatro anos, na Feira de Santarém, o presidente da República, Cavaco Silva, perguntou a um produtor quantos anos vivia uma galinha. Ele explicou-lhe que não sabia porque geralmente vendia as suas com um ano e meio. Eu sei que as minhas vivem entre seis a sete anos porque não como nenhuma”, explica.
A explicação para não comer os animais que cria e alimenta ele próprio diariamente não tem nada a ver com questões alimentares porque o empresário não é vegetariano. “Uma vez levei um pato para minha casa, a minha mulher cozinhou-o e eu não fui capaz de comer porque conhecia o animal. Fiquei vacinado. Se for num restaurante ou em casa de amigos como frango, pato, coelho, o que for, mas os meus animais não como. Conheço-os, a alguns até lhes ponho nomes. É-me impossível comê-los. Só como os ovos”, refere.
Larvas de formigas tostadas sim mas chocolate nem vê-lo
Carina João Oliveira gosta de comer e é adepta daquilo a que alguns chamam o turismo gastronómico. Quando abre um novo restaurante ou quando viaja não perde uma oportunidade de experimentar, não só novos pratos como alimentos desconhecidos. De uma forma geral gosta de tudo. A única excepção é o chocolate. E não é por causa de qualquer problema alérgico ou por ser muito calórico. É mesmo por...detestar.
“Desde criança que tenho uma aversão total ao chocolate. Lembro-me de em alturas de festas a minha mãe me aconselhar a não recusar ofertas de chocolates. Ela dizia-me para agradecer e trazer para casa e é o que ainda hoje faço, nomeadamente com pessoas que não conheço bem. É uma deselegância recusar e por isso não o faço mas não como. Só o cheiro do chocolate, de qualquer chocolate, me deixa enjoada”, confessa.
Carina João Oliveira não gosta de chocolate nem de nada que leve chocolate. Está fora de questão comer gelados com chocolate, bolachinhas ou bolos de chocolate. “Já experimentei comer para ver se me tinha passado a aversão mas não consigo. Quando passo por aquelas “creperias” onde se sente o cheiro do chocolate à distância fico logo nauseada”, explica.
A gestora da unidade de Estudos e Estratégia da Infraestruturas de Portugal nunca deu grande importância ao facto de não gostar de chocolate e efectivamente não é caso único mas não deixa de causar espanto de cada vez que confessa o seu sentimento relativamente àquele alimento. E também pode causar espanto a forma como aceitou comer coisas como larvas de formigas (escamoles) tostadas, comidas em tortilhas. “Já provei comidas muito diversas em vários locais do mundo, algumas delas muito curiosas”, refere. E dá o exemplo do chamado caviar mexicano.
“A minha experiência mais complicada em termos de hábitos ocidentais, e espero não revolver o estômago a ninguém, foram umas larvas que comi no México. Eram fantásticas, uma autêntica iguaria. Crocantes, estaladiças, deliciosas. São difíceis de apanhar e por isso são muito caras. São assadas e embrulhadas em massa de tortilha. Sabem um pouco a bacon”, explica.