Um homem corajoso com uma vontade indomável de andar para a frente
A criança com poliomielite não se resignou à doença e viria a tornar-se no médico José Manuel Nogueira, figura incontornável de Santarém recentemente homenageada pelo Centro de Investigação Joaquim Veríssimo Serrão.
A poliomielite diagnosticada aos dois anos de idade nunca foi um entrave à vida de José Manuel Nogueira, 87 anos, um dos médicos mais conhecidos e acarinhados de Santarém, que foi alvo de homenagem em mais uma sessão da Assembleia de Investigadores do Centro de Investigação Professor Joaquim Veríssimo Serrão, que decorreu na tarde de quinta-feira, 20 de Abril, no Convento de São Francisco, em Santarém.
Coube a João Pedro Nogueira, médico e filho mais velho de José Manuel Nogueira, falar sobre a vida do seu pai, que assistiu à sessão na primeira fila. “O nosso pai é um animador, optimista, sempre entusiasmado com a vida, conhece o lado positivo de tudo, gosta de festejar, é corajoso. É uma pessoa de muita energia e capacidade e com uma vontade indomável de andar para a frente e de nunca recuar”, afirmou João Pedro Nogueira com emoção.
Em criança, o pequeno José Manuel sempre que ia às consultas médicas a Lisboa dizia que um dia ia ser médico. O médico que o seguia respondia-lhe, “com ar paternalista e incrédulo”, que para isso tinha que estudar muito e teria que conseguir entrar na faculdade. “Naquela época não bastava estudar muito e ir para a faculdade. Era também preciso ultrapassar todas as dificuldades que o peso da doença que o acompanhava desde os dois anos tinha. Se, naquela altura, esta doença era mais um sinónimo de conformismo, a verdade é que o nosso pai, pelo seu exemplo, mostrou sempre o contrário, ou seja, que a resignação não faz parte do seu vocabulário”, recordou João Pedro Nogueira.
José Manuel Nogueira nasceu a 26 de Dezembro de 1929 em Azóia de Baixo, concelho de Santarém, no seio de uma família de pequenos agricultores. Apesar de todas as dificuldades que existiam após a Segunda Guerra Mundial, os seus pais nunca “regatearam esforços” para dar a educação que sabiam ser fundamental para o futuro do filho.
No antigo Liceu de Santarém – actual Escola Secundária Sá da Bandeira – travou amizade com Joaquim Veríssimo Serrão, Leonardo Ribeiro de Almeida, Mário Costa e Edmundo Vaz Mourão, entre outros, que, por ser mais novo, o protegeram e livrou-se de ser praxado na escola. “O saudoso Dr. Ribeiro de Almeida contava todos os anos à mesa que quando eles eram jovens estavam todos a tentar fazer elevações numa barra, o que a custo lá iam fazendo, quando chega o nosso pai [Dr. José Manuel Nogueira] e só com um braço fez logo dez elevações”, lembrou o filho mais velho do médico homenageado.
Do Liceu de Santarém teve que passar para o Externato Braamcamp Freire para poder fazer o exame e conseguir passar de ano porque já estava tapado por faltas. Nessa altura, recorda o filho, já era grande frequentador dos bilhares do Hotel Central, onde a mãe de José Manuel Nogueira o ia buscar de vez em quando. “Também chegou a ser preso por jogar à bola na rua. Dá para imaginar? Sim, a deficiência nunca a sentiu”, sublinhou.
No final da intervenção do seu filho, José Manuel Nogueira, elevou a sua bengala, pediu a palavra e, com a voz bem colocada, sem microfone, agradeceu a presença de todos referindo que aquilo que é hoje também o deve aos seus amigos e familiares. A terminar a sessão, um elemento do público levantou-se e entoou o tradicional grito académico que todos acompanharam com emoção.
As aventuras durante o curso de Medicina em Coimbra
José Manuel Nogueira estudou Medicina na Universidade de Coimbra. Em Janeiro de 1951 funda a Real República Prá-Kis-Tão, onde recebeu o título de Prá-Noz. Em Coimbra deslocava-se numa mota Citifix que era sua mas que passou a ser um bem colectivo da República onde vivia. Foi em Coimbra, durante uma Queima das Fitas, em 1955, que conheceu aquela que viria ser a sua esposa durante mais de meio século, até ao seu falecimento em 2014, e com quem teve quatro filhos.
Os episódios dos anos vividos em Coimbra são muitos. João Pedro Nogueira recordou o dia em que houve a visita de uma companhia francesa de seguros, onde estavam umas jovens francesas que, “sabe-se lá porquê”, acabaram por jantar na República. “O nosso pai, que no dia seguinte, tinha exame final de patologia médica, manteve-se firme até ao final na recepção feita às meninas francesas”. Ao verem tamanha façanha, as jovens ficaram incrédulas e exclamaram ‘como pode estar aqui a jantar e a divertir-se com um exame amanhã?”, recorda o filho arrancando gargalhadas à plateia presente na sessão.
Em Coimbra foi também presidente da Assembleia Magna da Associação de Estudantes e director da Briosa (Associação Académica de Coimbra), onde partilhou experiências com Cândido de Oliveira ou Mário Wilson.
Outra história recordada pelo filho João era quando era decretada a “lebre”. Ou seja, quando a dispensa da República estava vazia e o mealheiro a zero era necessário encontrar soluções para a sobrevivência “faustosa” de tão ilustres repúblicos. “Num toque para reunir, todos conjugavam esforços deslocando-se preferencialmente ao seminário de Coimbra onde o galinheiro era farto e reluzente”, contou João Nogueira, recordando que o pai terminou o curso de Medicina “não no tempo regulamentar mas com pouco mais do que alguns minutos de prolongamento”.