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Grupo de Teatro Esteiros ou a máquina de fazer estrelas

Grupo de Teatro Esteiros ou a máquina de fazer estrelas

É um grupo amador habituado a competir taco a taco com os profissionais: dali saíram nomes grandes dos palcos e continuam a sair. Contam com um encenador e autor multipremiado e o benjamim do grupo entrou este ano para a Escola Superior de Teatro e Cinema.

Bruno Nogueira e João Santos Lopes: fixe estes nomes. O primeiro é o mais jovem actor do Grupo de Teatro Esteiros. Tem 19 anos e subiu recentemente ao palco do Tivoli, em Lisboa, ao lado de nomes como José Raposo e Rita Ribeiro. Ponto para Alhandra. O segundo é o encenador desta secção da Euterpe Alhandrense desde 2004. Recebeu em final de Março o décimo prémio da sua carreira como autor de peças de teatro (ver caixa). Sucede ao encenador Mário Rui Gonçalves, lembrado em cada ensaio, e cuja cartilha é seguida por João. Ponto para Alhandra de novo. Do palco do Esteiros já saíram actores consagrados, como Maria João Luís ou Albano Jerónimo. Há mais gente boa a sair, mas com um pé em forma de raiz bem preso ao grupo de teatro amador e a Alhandra, ou não tivesse sido ali que tudo começou, com a disciplina e o rigor comuns aos grandes.
Fundado em 1974, o Esteiros conta no elenco e direcção com alguns dos membros fundadores como Joaquim Morais. “Existe um núcleo duro de quatro ou cinco pessoas que está sempre presente. O elenco é composto por seis actores. Existem outros seis mas estão temporariamente em pausa, por motivos profissionais e familiares”, explica a
O MIRANTE João Santos Lopes, que aponta as idades médias dos actores: “Mais de 50 e menos de 30 anos”. Nas faixas etárias do meio, não existem, para já, actores. Os textos têm, por isso, de ser escolhidos de acordo com o elenco possível. “Não existe a obrigatoriedade de ir a um ensaio, porque é teatro amador. Sermos menos dá-nos essa vantagem, de podermos gerir melhor as datas em que nos encontramos”, acrescenta Bruno Nogueira.

Experiência no Esteiros ajudou-o a entrar no curso superior
O jovem de Alverca faz parte do grupo desde os 12 anos. Entrou este ano lectivo para a Escola Superior de Teatro e Cinema (antigo Conservatório), oriundo da variante de Ciências no ensino secundário, e depois de uma má experiência no curso superior de Direito. Fez uma audição entre mais de 200 alunos, e conseguiu ser seleccionado – as vagas não eram mais do que 30. A experiência? A do Grupo de Teatro Esteiros. “Não me sinto atrás dos meus colegas que vêm de cursos profissionais de teatro”, garante, até porque no grupo de Alhandra “a disciplina e o rigor” são levados muito a sério. “Ensaiamos duas vezes por semana, duas horas. Que são muito bem aproveitadas porque são muito intensas. O João é um óptimo encenador”, revela Bruno.
Na última peça, apresentada em Outubro de 2016, “In Dubio”, Bruno vestiu a pele de um padre. Como não é católico, aproveitou para acompanhar os amigos escuteiros e assistiu a algumas missas. “Estive sempre atento ao que o padre fazia”, conta. João Santos Lopes também recorreu à ajuda do padre da freguesia: pediu-lhe uns bancos de igreja emprestados para compor o cenário. Trabalham textos de peso mas com a perfeita noção de que são amadores.

Encenador Mário Rui Gonçalves lembrado diariamente
“Um grupo profissional tem uma peça montada em dois meses: a ideia é que demoremos o dobro do tempo ”, revela o encenador. “Mais tempo do que isso é um grande peso e saturação para todos”. Já o fizeram, em 2010, com a peça “Mãos de Fumo e Lama”, baseada em extractos do romance “Esteiros” e “Engrenagem” de Soeiro Pereira Gomes. A adaptação e encenação foi de João Santos Lopes e foi também a peça em que Bruno Nogueira se estreou. “Fiz o papel do João Gaitinhas. Foi muito emocionante porque é baseado numa época verídica passada em Alhandra”, recorda o actor. No ano seguinte, Mário Rui Gonçalves, mítico encenador e actor do Esteiros, faleceu: “Nota-se que os valores que transmitiu são usados pelo João e falamos muito dele. A forma de trabalhar do Rui está muito presente. Ouvimos muito: ‘Se estivesse cá o Mário Rui já te estava a dizer para não cruzares as pernas ou para não fazeres isso com as mãos’”, conta Bruno Nogueira. No grupo de teatro Esteiros o passado e o futuro têm nomes. E são estes.

“Sou contra o meu próprio salário”

É o único elemento do grupo de teatro Esteiros que recebe salário: 239 euros mensais. “Foi uma decisão tomada há 20 anos pela direcção da Euterpe. Tal como o mestre do coro e o mestre da banda recebiam salário, acharam que o encenador do grupo de teatro também deveria receber”, revelou João Santos Lopes. Uma decisão polémica. “Na altura, houve quem tivesse saído do grupo por ser contra essa decisão”. João não saiu do grupo, mas também é contra, apesar de receber o salário desde 2004, ano em que assumiu a encenação do Esteiros: “Acho que sendo um grupo amador, não deveria existir salário. Mas essa foi sempre a minha posição, não é uma posição hipócrita”, sublinhou o encenador. Este ano, a Câmara de Vila Franca de Xira atribuiu ao Grupo de Teatro Esteiros uma verba maior: 9800 euros.

Artista a solo na família

Bruno Soares Nogueira é de Alverca e a sua vertente artística foi uma surpresa na família. “Ninguém está ou alguma vez esteve ligado às artes. Nem os meus pais nem os meus avós”, diz, com um sorriso. Mas, ao contrário do que seria de esperar, os pais, além de serem os seus maiores fãs, até estranharam quando o filho decidiu concorrer ao curso de Direito. “Então mas não queres tentar teatro?”, perguntaram-lhe. Bruno acabaria por desistir do curso e concorrer à Escola Superior de Teatro e Cinema, onde entrou. Pelo meio, participou no musical “Sonho de uma Noite de Verão”, de Shakespeare que esteve em cena no Teatro Tivoli em Lisboa. Foi descrito como “um dos seis jovens talentos” convidados para fazerem parte da peça. Do elenco faziam parte os actores Rita Ribeiro e José Raposo.

Vinte anos, dez prémios

João Santos Lopes venceu o grande prémio da 20ª edição do concurso do Inatel “Teatro Novos Textos 2016” com o original “A noite despe-se no escuro”. “Ao contrário dos outros prémios achava que não iria vencer este”, disse a O MIRANTE. A primeira peça que levou a um concurso, em 1997, chama-se “Às vezes neva em Abril” e venceu o Grande Prémio de Teatro da Sociedade Portuguesa de Autores. Ao todo, o autor e encenador já arrecadou dez prémios de escrita para teatro. “Se não tivesse a experiência como actor e encenador do Esteiros nunca escreveria assim”, admite.

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