Nas Festas do Ulme os homens servem e as mulheres cozinham
De um lado os homens, do outro as mulheres. Se eles se dedicam a encher copos de cerveja, tirar cafés, servir às mesas e assar frangos e grelhados, já elas estão na cozinha a preparar os petiscos e a vender rifas. São avós, pais, filhos, netos, namorados e namoradas, primos, mas sobretudo pessoas do Ulme, concelho da Chamusca, que fazem questão de organizar há nove anos as festas da vila. Tudo por um objectivo comum: construir uma sede para a Sociedade Recreativa Ulmense.
Ainda os primeiros almoços de sábado, nas Festas de Ulme, não começaram a ser servidos e já a cozinha vive uma azáfama. As mulheres cortam criteriosamente as cebolas enquanto os homens, na sala ao lado, assam os primeiros frangos a serem servidos. Joaquina Nalha, 85 anos, é oficialmente a mais velha do grupo. A ajudar na festa desde que começou a ser realizada, a reformada confessa que sempre esteve na área da cozinha. “É aqui que me sinto bem”. Desde descascar cebolas e batatas a preparar os pratos, faz um pouco de tudo. “Só não lavo a loiça por causa dos meus joelhos”, conta.
Estas não são as únicas festas em que é voluntária. Joaquina, sempre que pode, ajuda nas festas da terra organizadas pelo centro de dia e nas festas da Semana da Ascensão, na Chamusca. “Gosto de ajudar já que não tenho mais nada para dar. Já em nova ajudava na cozinha nas festas da Chamusca e de Ulme”. E porque nenhum homem mete ali a colher, a reformada confirma: “Até é melhor ser só mulheres porque assim podemos dizer o que queremos e ninguém tem nada a dizer. Os homens davam cabo disto e nós não podíamos falar como gostamos”, ri-se.
Atarefada a lavar as primeiras panelas está Rosária Rato. Habituada a estas andanças, a reformada de 79 anos conta que participa há poucos anos nestas festas mas sempre ajudou nas festas da terra organizadas pelo centro de dia, conciliando com o seu trabalho numa fábrica de papel. “Já em nova ia com o meu marido e as minhas filhas para a festa. Elas ficavam a brincar e eu e o meu marido ajudávamos naquilo que fosse preciso”, explica. A ajudar desde sempre na cozinha, Rosária prefere que essas tarefas fiquem entregues a mulheres: “Não são precisos cá homens, até porque alguns não se ajeitam e só iam era perturbar”.
E porque na cozinha há sempre a cozinheira de serviço, aqui encontrámos Maria Júlia Alves. Atarefada no fogão, a mulher de 60 anos adianta que ajuda nestas festas desde que começaram. “Normalmente quando sei que há festa, e me pedem, eu peço os dias com antecedência no local onde trabalho”, conta, referindo que de há uns anos para cá é apenas ela que toma conta das panelas. E os homens não fazem falta na cozinha? Maria Júlia não tem dúvidas: “Eles só fazem falta quando há aqui avarias. De outra forma, eu mando-os embora”, ri-se. Para ela, o que falta são jovens que queiram aprender pois, de outra forma, a festa irá acabar: “A malta jovem tem de ir aprendendo para saber como se faz, porque as velhas não duram sempre”.
Jovens são cada vez menos
Numa “roda viva” encontra-se também Sílvia Madaleno. Com 28 anos, é a mais nova do grupo da cozinha. “Foi o meu namorado que me convidou para participar”, conta, referindo que este é o quarto ano que ajuda nas festas. “Escolhi ajudar na cozinha porque estou mais à vontade”, admite. A receber os pedidos na janela, a jovem de Ulme confessa que não lhe incomoda estar ali só com mulheres. “Elas é que sabem cozinhar”, admite.
E porque as mulheres não estão só na cozinha, fomos conhecer as que estão na quermesse. Ana Catarina Raposo foi a primeira que encontrámos. De apenas 24 anos, a jovem admite que foi aliciada a participar por uma das voluntárias e nunca mais parou. Acompanhada por Elisabete Oliveira, de 26 anos, Vera Rodrigues, de 24 anos, e Inês Nunes, de 20 anos, confessa que há cada vez menos jovens a participar. “Se não fizerem nada as festas vão acabar”, admite. E preferiam que houvesse rapazes também na quermesse? Tanto Ana Catarina, como Elizabete, Vera e Inês acreditam que com rapazes seria muito mais giro. “Temos pena que não haja rapazes aqui na quermesse. Acho que iriam divertir-se muito connosco aqui”, revela.
Os homens que dão a cara
Mas nem só de mulheres vivem as festas do Ulme. O MIRANTE foi falar com os homens da festa, aqueles que dão a cara pela Sociedade Recreativa Ulmense e que fazem das tripas coração para manter as festas vivas todos os anos.
A servir copos de cerveja, Ricardo Neto, 30 anos, é de Ulme, trabalha em Lisboa e vive no Entroncamento. Diz que faz questão de ajudar nas festas desde que começaram. “Todos os anos costumo meter férias para estar aqui”, conta, referindo que faz esse esforço pelo sonho da associação. “Construir uma sede é o nosso sonho, mas quando tivermos todo o dinheiro que precisamos, logo seremos desafiados para outros objectivos”, admite. A servir às mesas e a tirar cervejas e cafés, Ricardo confessa que as mulheres não se sentem muito à vontade nessas tarefas, por isso preferem estar na cozinha, mas “se quiserem vamos lá e damos uma ajudinha”, ri-se.
E porque em qualquer festa há sempre o responsável pela caixa registadora, é aí que encontramos Vítor Gaudêncio, 50 anos. Presidente da colectividade desde 2004, conta que as festas começaram pelo sonho que a direcção tem em construir uma sede. Com a tarefa de receber o dinheiro e dar as senhas com os pedidos, Vítor confessa que naquela parte da festa só estão homens porque as mulheres preferem estar na cozinha. “É da vontade delas estar ali. Elas também percebem mais do assunto, o que nos ajuda bastante”, revela, admitindo que se na direcção também houvesse mulheres, talvez corresse melhor. “Elas fazem muita falta”, considera.
As festas do Ulme decorreram entre os dias 8 e 10 de Setembro e, no total, foram consumidos mais de 200 quilos de frangos, nove barris de cerveja e três de sangria.
Cachola para chorar por mais
O aspecto pode ser pouco tentador, mas para os habitantes do Ulme, é de chorar por mais. A Cachola é um prato típico introduzido na ementa pela cozinheira de serviço e que, desde então, tal como diz Maria Júlia Alves, é um chamariz: “Festas do Ulme sem cachola já não existem”. Um prato feito com carne de porco, miudezas do porco (baço, coração, fígado, rim, bofe), banha, cebola, massa pimentão e de alho, vinho tinto, cravinho e cominhos em que, segundo a ulmense, o segredo é simples: amor e carinho. “Este é um petisco sai tanto que no almoço de domingo esgota-se”, conta, adiantando que este ano a organização arriscou e comprou quase cem quilos de cachola. Uma aposta quase ganha já que, só sobrou cinco quilos no final das festas.
O assador de serviço
Uma das tarefas mais árduas das festas é, sem dúvida, assar frangos. Quem diz são os assadores de serviços que, na sua maioria, executam estas funções desde que as festas começaram. “Isto não tem muita técnica. O segredo está no molho especial que é colocado”, revelam a O MIRANTE, dizendo que todos os que vão às festas comer os frangos ficam satisfeitos.