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Uma arte à prova de comichões e do que se passa em redor

Uma arte à prova de comichões e do que se passa em redor

O Festival Estátuas Vivas regressou a Tomar e O MIRANTE foi falar com alguns praticantes dessa arte da imobilidade que pode também ser um modo de vida. “A beleza disto é não reagir a nada à nossa volta”, explicou um dos artistas.

No Pavilhão Municipal de Tomar, bem no centro da cidade, é hora de remover a maquilhagem e aconchegar o estômago depois de duas horas de imobilização. São 19h30. Às 22h00, é hora de voltar a encher a baixa da cidade de estátuas vivas. Removida a base da cara e com uma roupa mais confortável, Tobby e Todd Selway de 18 e 16 anos, respectivamente, aproveitam para jantar e relaxar um pouco nas horas que restam antes de voltar à imobilização.
Nasceram em Inglaterra, mas vieram viver para o Poço Redondo, pequena aldeia nos arredores de Tomar ainda com tenra idade. “Agora não me dói nada, mas há pouco sim. Doíam-me as pernas devido à posição que estava a fazer. Ficar parado naquela posição dói passado algum tempo”, conta Tobby. Os dois irmãos representam a Lenda do Túnel dos Templários. “Hoje foi uma personagem mais fácil de maquilhar por ser uma personagem realista. Há outras personagens que requerem outro tipo de efeitos. Demorámos uma hora para nos arranjar”, explica Todd.
O tema do Festival Estátua Vivas deste ano foi “Lendas e Tradições de Portugal”. As vinte quatro estátuas vivas presentes inspiraram-se nas lendas e tradições populares que vão desde a romanização ao século XIX. Entre as lendas representadas estiveram a do Galo de Barcelos, Sopa de Pedra, Nossa Senhora da Nazaré, Santa Iria, entre outras. Se por um lado havia estátuas que representavam o papel de estátua no verdadeiro sentido da palavra, outras estátuas apostavam numa maior interacção com o público e com maior movimento.
Um desses casos foi Guilherme Henrique, a representar a Lenda do Vinho dos Mortos, que conta como os vinhateiros transmontanos esconderam o seu vinho debaixo de terra para evitar as pilhagens durante as invasões francesas no século XIX. “Nunca estive paralisado completamente. Cada vez mais a tendência das estátuas vivas é ser uma coisa mais performativa do que ser apenas uma estátua em si”, explica Guilherme Henrique, artista residente em Sintra mas natural de Tomar. “Agora vou beber um café, fumar um cigarrinho e vou estar na conversa com os amigos, Daqui a pouco retoco a maquilhagem, visto o fato e entro em personagem” conta. Com 31 anos, é estátua viva há dez anos e faz disso profissão. “Eu vivo disto, trabalho à moeda tal como aqui. Vivo em Sintra e faço performances em Cascais, Lisboa e Sintra. Sinto-me um sortudo porque trabalho duas a três vezes por semana e sustento uma casa com dois filhos”, revela.
Para duas horas de imobilização é preciso experiência, uma boa condição física, mas também um poder mental muito grande para superar pequenas adversidades como as comichões ou os espirros: “A ideia é ficar imóvel. A beleza disto é não reagir a nada à nossa volta” explica Tobby. “Podemos sentir comichão, mas a mente tem sempre mais força que o corpo nesse aspecto”, conclui. Também Guilherme partilha da mesma opinião: “Já encarnei personagens de grande imobilidade. Entrava num estado em que já não havia comichão nenhuma. Se sentia, o treino era não ligar. No fundo está na nossa cabeça não dar importância a isso”, revela Guilherme Henrique.
O Festival Estátuas Vivas de Tomar terminou no domingo em frente à Câmara Municipal de Tomar. A lenda do beija-mão real, interpretada por Carlos Ferreira e António Moreira, foi o quadro vencedor do concurso.

Primeira estátua viva esteve em Tomar

Quem também esteve à converva com O MIRANTE foi a primeira estátua viva do mundo. António Santos, 55 anos, conta que é o pioneiro das estátuas vivas no mundo. “Sou de facto a primeira estátua viva a nível mundial. Na minha altura não havia esta arte no mundo. Havia mimos, mas estátuas vivas, de facto, não existiam. Comecei há 30 anos quando pensei: se uma pessoa parar completamente na rua, como é que reagirão as pessoas?”.
António Santos reside em Mafra e até já abriu uma escola de estátuas vivas onde ensina a arte da imobilização. Para além das aulas, faz performances de rua e organiza festivais. O “Staticman”, como também é conhecido, tem vários recordes do mundo, sendo que um deles está certificado pelo Guiness Book of Records com um total de 15h02:55 de quietude. Na Expo 98’ bateu o recorde do mundo de menor velocidade em marcha: “Fiz 50 metros em oito horas, sempre sem parar”.

Uma arte à prova de comichões e do que se passa em redor

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