Nasceu no ano de inauguração do mercado onde é vendedora há 75 anos
Jalcemina Portugal é a vendedora mais antiga do Mercado Municipal de Santarém
Sentada num banco de madeira por trás das hortaliças dispostas harmoniosamente na banca de pedra está Jalcemina que tem como apelido o nome do país. Não é só o pouco comum nome da vendedora do mercado municipal de Santarém que marca a diferença do espaço, inaugurado no mesmo ano em que nasceu, há 87 anos. Jalcemina Portugal tem quase o dobro de anos como vendedora no mercado, quantos tem de idade a vendedora mais nova, Alexandra Silva, de 40 anos.
Pessoa de poucas falas, habituada desde os seus 12 anos a vender na praça sem grandes conversas para além das que são precisas na relação com os clientes. Começou a ajudar os pais que também vendiam produtos hortícolas no mercado e há 75 anos que por lá tem feito vida. “Um dia também precisei de arranjar um sustento”, conta. E foi assim que iniciou o negócio com a sua própria banca. Produzia as hortaliças na sua horta. Sempre vendeu só o que cultivava e continua a manter esse espírito, que também transmitiu à filha, Maria José, que a ajuda no mercado e que um dia destes vai seguir as pisadas da família, ficando com a banca da mãe.
Jalcemina já não tem força para fazer tudo sozinha e já é a filha que assume grande parte da produção da horta. Mas faz questão de manter-se activa e não abandonar o que sempre fez na vida. Cultiva o que consegue e continua a levantar-se às cinco da manhã para ir para a banca, que já não lhe dá o sustento que dava em outros tempos. Confessa que o que faz num dia de vendas mal dá para o trabalho. “Vai-se vendendo alguma coisa, mas pouco”, constata, sem desanimar.
Quem assistiu a um mercado cheio de vida, à azáfama de outros tempos, resigna-se agora a um espaço quase morto. “O estado em que está este mercado é uma tristeza, já não aparece cá quase ninguém”. Habituada a lutar na vida, Jalcemina não é mulher de baixar os braços, nem que seja a última resistente. Só a morte a vai tirar do lugar onde diariamente cumpre as rotinas de 75 anos de venda no mercado. O que mais lhe custa é o frio no Inverno. Nada que não se resolva com um xaile pelas costas.
Alegria na banca da Alexandra
Alexandra Silva, de 40 anos, é a mais nova vendedora do Mercado Municipal de Santarém, e faz questão que todos saiam da sua banca satisfeitos e com um sorriso nos lábios. Vendedora neste mercado há apenas dois anos, garante que a vida não pode ser encarada com tristeza, afirmando gostar muito de poder vender os seus produtos ali. A vendedora, da Tapada, concelho de Almeirim, mostra as mãos calejadas para comprovar que os seus produtos vêm da terra que cultiva com o marido, que tem uma empresa agrícola que também fornece a lojas e outros vendedores. “Com umas mãos como estas, de onde lhe parece que vêm os produtos que vendo?”
Alexandra levanta-se todos os dias às 5h30. “Ainda é de noite. O meu tio, com receio por ainda ser tão escuro, fica à porta a ver-me, para saber se fico bem”. A essa hora praticamente não há quem ande na rua e, diz, apenas encontra quem também vai para o mercado. Orgulha-se de dizer que na sua banca nada se desperdiça. O que já não está em condições de vender “vai para as aves”.
Alexandra faz questão de fazer amigos entre os clientes. “Os meus clientes nunca têm pressa porque gostam de conversar”. Muitas vezes falam sobre o seu dia, e por isso Alexandra também sabe as necessidades de cada um deles. Há sempre histórias novas para contar e ensinamentos para retirar. Lamenta que apareçam muitas pessoas a pedir para comer ou a pedir fiado.
A altura do ano em que gosta mais de vender é de Junho a Setembro, quando os ranchos folclóricos animam os sábados no mercado. “Levanta-nos o ânimo e os clientes vêm mais ao mercado porque também querem vir ver o rancho”, aproveitando para fazer umas compras”, refere Alexandra.
Já começam a aparecer casais jovens
Quando questionada sobre o que a levou a ser vendedora no mercado, disse que num sábado foi ver como era o Mercado Municipal de Santarém, ficando muito triste com a realidade com que se deparou. Decidiu contrariar a imagem envelhecida do espaço, falou com o marido e alugou uma banca. Embora admita que a pouca afluência de pessoas ao mercado não permite que se viva unicamente do negócio da banca de legumes e frutas, garante que não desanima.
Alexandra orgulha-se de cultivar as suas hortaliças e acredita que as pessoas estão a começar a voltar a comprar nos mercados, pois “preocupam-se cada vez mais com a sua saúde e já estão fartas de ir ao supermercado comprar produtos cheios de químicos”. Talvez por isso, diz, já se começam a ver mais casais jovens a fazerem compras no mercado municipal.