Vendedores sofrem com obras no Mercado do Entroncamento
Histórias das vendedoras mais antiga e mais nova por entre uma enorme barulheira
As obras no Mercado Municipal do Entroncamento, que estão a decorrer desde o final do ano passado, trouxeram constrangimentos aos vendedores que agora estão confinados a um pequeno espaço ao lado das obras. A requalificação do espaço surgiu depois de uma fiscalização da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE). O barulho provocado pelos trabalhos abafa os pregões dos vendedores, que se esforçam para conseguir falar com os seus fregueses.
Quase em cima das obras está a banca de Eugénia Sobral, de 75 anos, que vende legumes e frutas, desde os seus 18 anos de idade. É a vendedora mais antiga do espaço, tendo começado a vender no antigo mercado, junto à câmara municipal. Os produtos que vende são cultivados por ela na sua horta, na Carregueira, no concelho da Chamusca, onde reside. Apesar de já não suportar o barulho infernal das obras, tenta fazer-se ouvir a uma cliente a quem pesa um quilo de nozes “à moda da Carregueira”, ou seja, com mais umas gramas.
Eugénia começou a vender no Mercado depois de herdar uma fazenda que pertencia ao pai. Nos primeiros tempos de vendedora deslocava-se para o mercado numa burra, acompanhada pelo seu marido que também a ajudava na horta. Depois de carregarem o animal punham-se a caminho, geralmente por volta das 04h00. Passavam o Tejo num barco e o pior era quando havia cheias. Nessas alturas tinham de dar a volta pela ponte da Chamusca, o que implicava que se levantassem uma hora mais cedo. Uma das memórias que guarda desses tempos era quando o barqueiro assava peixe numa telha para que todos pudessem aconchegar o estômago antes de fazerem a travessia.
Eugénia tirou a carta de condução em 1975 e ainda hoje é ela que vai sozinha para o Mercado, a conduzir. Mas continua a levantar-se bem cedo, por volta das 05h00, pois faz questão de chegar ao mercado às 06h00. Admite que a sua maior preocupação é que a impeçam de conduzir e por essa razão tenta ser sempre uma boa condutora. A vendedora recorda a vida de trabalho com um sorriso rasgado. Já se passaram mais de cinquenta anos desde que começou a vender no Mercado Municipal do Entroncamento e não quer deixar de fazê-lo, pelo menos enquanto puder, todas as terças, sextas e sábados.
Vendedora mais recente começou a vender queijos quando estava desempregada
A vendedora mais recente é Sandra Faria, de 45 anos, que há cinco anos tem uma banca de queijo fresco. A vendedora tem uma ligação mais antiga ao mercado, porque acompanhava os pais, que eram vendedores, quando era criança. Os pais eram naturais de Vilar dos Prazeres, no concelho de Ourém, mas Sandra nasceu em Moçambique, onde estes estiveram emigrados. Quando Sandra completou 13 anos de idade regressaram à terra natal e no mesmo ano decidiram mudar-se para o Entroncamento. Desde essa altura que vive no Entroncamento mas os anos não a fizeram tomar gosto pela cidade. “Se não fosse o negócio e a casa, não estava aqui”, admite Sandra.
Os pais de Sandra percorriam vários mercados do Distrito de Santarém para venderem as suas frutas. Às terças-feiras no Mercado de Ourém, às quintas-feiras no Mercado de Torres Novas, às sextas-feiras no Mercado de Tomar e aos sábados o Mercado do Entroncamento. Há cinco anos uma antiga vendedora do Mercado do Entroncamento, que tinha uma banca de queijos, desafiou Sandra para que começasse a ajudá-la. No início não aceitou, mas em Maio de 2013 acabou por aceitar porque estava sem emprego. Manteve o mesmo fornecedor com que a antiga dona da banda de queijos já trabalhava há mais de 20 anos, que é da zona da Malveira, no concelho de Mafra.
A vendedora lamenta que o ruído e a confusão das obras estejam a afugentar os clientes, sobretudo os mais jovens que já começavam a aparecer no mercado para fazerem compras. Mas Sandra sabe que quem escolhe a vida de vendedor, num espaço como aquele, não pode esperar uma vida fácil. “Isto são vidas difíceis. É o frio, a chuva e o acordar de madrugada”, desabafa.