“A poluição no Tejo estragou-me a vida”
Ricardo Vermelho, o último pescador de Ortiga, deixou de viver do que o rio lhe dava devido à poluição e hoje é obrigado a dedicar-se à pesca noutras águas para continuar a ganhar o sustento. Todo o peixe que vende no seu restaurante em Mação é pescado pelas suas mãos.
Ricardo Vermelho, o último pescador de Ortiga, já não pesca no rio Tejo há mais de dois anos porque o rio “está morto”. Nascido há 43 anos em Ortiga, concelho de Mação, toda a vida viveu do que o Tejo lhe dava. A vida de pescador é a única que conhece. Começou a pescar com o pai, Francisco Vermelho, que sustentava a família com a venda do peixe apanhado na barragem de Belver. Foi na barragem que Ricardo pescou pela primeira vez - “nem me lembro a idade que tinha mas era muito novo”, recorda.
Diz que a vida de pescador é muito dura e pouco respeitada. “Quando era mais jovem lembro-me das raparigas fugirem de mim quando dizia que o meu pai era pescador. Ninguém queria namorar com um pescador, filho de pescador, era uma vida difícil mas feliz”, conta.
A poluição no Tejo, que tem estado na ordem do dia, desgraçou a vida de muitas famílias, diz Ricardo. E parece que não há culpados. “O meu amigo Arlindo Marques tem levantado a voz para defender o Tejo e querem lixá-lo”, aponta.
Ricardo Vermelho recorda que pescava no Tejo todo o tipo de peixes, como achigãs, barbos, carpas, lúcios e tantos outros. A água do rio podia beber-se. “Fazíamos tudo com a água do Tejo, regávamos a horta, lavávamos a roupa, a loiça, amanhávamos o peixe, cozinhávamos”. Agora, confessa que todos têm medo do que possa vir do Tejo.
Companheira ajuda-o nas pescarias
Patrícia Medeiros tem 43 anos, é natural de Minas Gerais, no Brasil, e conheceu Ricardo há onze anos numa das inúmeras pescarias que ambos partilharam. Estão juntos na vida e continuam a lutar para sustentar a família com o produto da pesca que agora tem de ser bem longe de Mação, na barragem do Alqueva, no rio Guadiana, no Maranhão, onde o peixe é de qualidade.
Ricardo e o pai pescavam no Tejo e vendiam o peixe porta-a-porta, pelas aldeias do concelho de Mação, com um carro de mão. Depois compraram uma motorizada e, mais tarde, quando Ricardo tirou a carta, compraram um automóvel para fazer a venda do peixe. Ricardo recorda que passava os dias nas barracas junto à barragem de Belver. Depois da pesca, ainda criança, ia a pé para a escola da Ortiga. A vida difícil ensinou-o a respeitar o que a natureza lhe dava e a ultrapassar os contratempos com coragem e determinação.
O envelhecimento da população e a emigração puseram termo à venda de peixe porta a porta e Ricardo decidiu abrir um restaurante há doze anos em Belver, “O Pescador”, para servir os pratos de peixe que pescava no Tejo e noutros locais onde ia de vez em quando.
Há cinco anos o casal mudou-se para Mação. O restaurante, que já tinha fama de servir o melhor peixe de água doce da região, rapidamente conquistou a confiança dos comensais que se deslocam de todo o país, diz Ricardo, orgulhoso da qualidade do seu pescado e da confiança de quem vai comer os tradicionais peixes ao seu restaurante.
“O Vasco, presidente da Câmara de Mação, gosta muito de comer um bom lúcio, mas vêm muitos mais, a presidente da Câmara de Abrantes, o presidente do Sardoal, muitos...”, conta Ricardo. O pescador percorre enormes distâncias para pescar em águas que garantem a qualidade do peixe. “É um gasto imenso e muitas vezes o peixe pescado nem dá para a despesa”, lamenta Ricardo. “A morte do Tejo a jusante de Vila Velha de Ródão, até Lisboa, lixou a vida a dezenas de pescadores, agricultores e criadores de gado que viviam do rio”, afirma.
Ricardo confessa que se não houver uma solução para fazer renascer o rio Tejo terá de emigrar para poder criar a filha de 13 anos e sustentar a família. O pescador sublinha que não tem medo de dar a cara pela denúncia da poluição no Tejo. “Já o fiz várias vezes com o meu amigo Arlindo e acredito que todos juntos vamos conseguir que os culpados pela poluição resolvam a situação”, declara.
O açude de Abrantes, agora desactivado, é também apontado por Ricardo como um entrave à reprodução dos peixes tradicionais do Tejo, tal como a praga de siluros (peixe-gato), que já estão em todo o lado. Estes predadores, diz Ricardo, “comem tudo o que apanham e é muito difícil capturá-los. Tem de ser com uma rede especial e mesmo assim eles muitas vezes conseguem safar-se”, afirma.
Lampreia apanhada no Mondego e no Guadiana
A época da lampreia está a chegar e para que Patrícia possa cozinhar os tradicionais pratos de lampreia tão apreciados, Ricardo tem de ir apanhá-la aos rios Mondego e Guadiana. Um caminho longo para poder servir um produto de qualidade. Todo o peixe que vende no seu restaurante, em Mação, é pescado pelas suas mão. Ricardo já não tem confiança no peixe comprado a outros. “Tenho de ter a certeza do que estou a vender”, afirma.
Patrícia confirma que o carinho que tem pelos clientes vai garantindo a porta do restaurante aberta, apesar dos entraves ao desenvolvimento do interior. As portagens da A23, a poluição do Tejo e os fogos do último Verão foram “machadadas” num negócio que, além de ser o sustento da família, é também uma marca turística do concelho de Mação e da região.
Apesar das suas dificuldades, Ricardo reconhece que há pescadores ao longo do Tejo que estão com a vida muito pior do que a dele. “Muitos dos que conheço, que nem sequer têm carro, já não conseguem pescar no Tejo e não têm alternativa”, diz Ricardo. “Quem é que os vai ajudar, quem os vai indemnizar dos prejuízos, quem vai garantir o sustento das suas famílias?”, pergunta.
Ricardo Vermelho ainda acredita que as acções de alerta do amigo Arlindo Marques para a poluição que matou o Tejo, o peso na consciência de quem provoca a situação e o Governo vão conseguir inverter esta “desgraça” e o Tejo vai renascer com a ajuda de todos.
Festival da Lampreia suspenso devido às “más condições das águas do Tejo”
O tradicional Festival da Lampreia organizado pela Câmara Municipal de Mação não se realiza este ano devido às “más condições das águas do Tejo” e à “má publicidade” que gira em torno do rio, anunciou a autarquia.
“Decidimos suspender o Festival da Lampreia este ano porque o rio não apresenta condições para a pesca e as pessoas questionam a proveniência das espécies e a qualidade do produto ali pescado, como as lampreias, gerando má publicidade em torno do Tejo”, disse o presidente da Câmara de Mação, Vasco Estrela (PSD).
“Esta é uma decisão que serve também para marcar a nossa posição relativamente aos episódios recorrentes de poluição que têm marcado o Tejo, e a lampreia que tem sido servida nos últimos anos, em boa medida, já não tem sido a de Mação. Nesse sentido, e até que haja retoma da qualidade das águas e da conectividade fluvial, decidimos suspender o evento”, disse o autarca, acrescentando que, no entanto, os restaurantes vão continuar a servir a lampreia com as receitas habituais.