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O peixeiro que andou aos papéis e a vendedora de hortaliça que já não conta tantas anedotas
Adalberto Camilo é peixeiro e é o mais novo vendedor do mercado

O peixeiro que andou aos papéis e a vendedora de hortaliça que já não conta tantas anedotas

A mais antiga vendedora do Mercado Municipal de Benavente tem 70 anos e desde os 13 que ali vende hortaliças e legumes. Quando começou o meio de transporte era uma carroça puxada por uma mula. Adalberto Cavanca Camilo, peixeiro, é o mais jovem do mercado. Começou aos 22 anos e de peixe não sabia absolutamente nada.

De vendedor de peças de automóveis a comerciante de peixe, de um dia para o outro, Beto Cavanca foi enganado, ouviu dezenas de reclamações mas encarreirou no negócio.
Trabalhava numa empresa de peças para automóveis e de um momento para o outro viu-se no desemprego. Aos 22 anos de idade, por influência de um tio, passou a peixeiro com banca própria no Mercado Municipal de Benavente. “O meu tio vendia flores no mercado e deu-me a sugestão. Os mil euros que tinha investi-os em utensílios para preparar o peixe e nas licenças. De peixe sabia basicamente comê-lo já depois de cozinhado”, explica Adalberto Camilo, que a maioria dos clientes conhece por Beto Cavanca.
A entrada na nova actividade aconteceu há cerca de cinco anos. Depois de equipado e devidamente licenciado para início da nova actividade, pegou nos trezentos euros que tinham sobrado dos mil iniciais e foi de madrugada comprar peixe ao Mercado Abastecedor da Região de Lisboa (MARL). Não tem vergonha nenhuma em dizer que nessa primeira visita foi endrominado.
“Senti que se aproveitaram de mim porque era um rapaz novo que não percebia nada de nada. Nem sequer sabia distinguir um peixe de rede de um peixe de anzol”, diz a rir. Mas mesmo assim não foi um desastre total.
“Do dinheiro investido consegui vender na primeira semana um total de 310 euros, sendo que a grande parte acabei por ter que o deitar fora. E não foi a última vez que fui enganado. Aprender leva tempo mas quando aprendemos à nossa custa não esquecemos. Já comprei peixe mais barato no MARL a pensar que iria ter mais lucro mas tive azar porque estava todo picado das pulgas. Como sou incapaz de dar aos meus clientes um peixe que eu não consigo comer, grande parte acabou no lixo”, confessa.
Nos primeiros tempos foi obrigado a aprender tudo sozinho e admite que chegou a ouvir muitas reclamações de clientes por peixes mal escamados e mal escalados, por exemplo. Numa das vezes chegou a ter uma discussão com um cliente que trabalhava como inspector da ASAE e que questionou o método utilizado por Adalberto Camilo.
Agora, muito mais à vontade e seguro do que faz, agradece aos clientes habituais a paciência que tiveram para aturar e compreender as suas falhas. Enquanto vai lavando a bancada suja de escamas, diz a O MIRANTE que o mercado está “envelhecido” e que o lucro é cada vez menos devido à abertura de um supermercado Pingo Doce ali ao lado.
A clientela não é muito abastada e há clientes que passam dificuldades porque o dinheiro não chega para tudo. “Tenho cada vez mais clientes que me pedem para cortar um carapau ao meio para dar para duas refeições”, explica.
O dia normal de Beto Cavanca é muito ocupado. Vai de madrugada ao MARL comprar peixe e depois de regressar a casa prepara logo as encomendas do dia. Dorme um pouco e vai para o mercado onde passa a manhã. Depois do almoço vai para a horta que cultiva num terreno perto de casa.
Considera dormir “um luxo” e gosta de aproveitar o pouco tempo que tem disponível em casa com a mulher, “companheira de visualização de séries de televisão”. Já pensou encontrar um emprego que lhe dê mais estabilidade mas vai adiando pois acha que vão conseguir fazer crescer o negócio e considera que desistir de algo é coisa dos fracos. E fraco é coisa que ele não é.

Conceição Ramalho é vendedora há mais de 57 anos

Uma vida inteira no mercado a vender hortaliças e a dizer piadas às clientes

Aos 13 anos Conceição Ramalho ia vender numa carroça puxada por uma mula

Conceição Ramalho tem 70 anos e toda a vida foi vendedora de hortaliças no Mercado Municipal de Benavente. Começou aos 13 anos a fazer a viagem de Salvaterra de Magos para Benavente numa carroça puxada por uma mula, carregada de produtos hortícolas frescos. Actualmente admite que já vende mais pelo prazer do negócio e do contacto com os clientes, do que pelo lucro, uma vez que a actividade já quase nem dá para manter a banca aberta. “Venho para aqui para me distrair e estar ocupada. Se ficasse em casa, lá no meio do campo, não tinha nada para fazer”, desabafa.
Sempre divertida e com uma anedota na ponta da língua, Conceição Ramalho gosta de conversar com os clientes. “Sei as novidades e aprendo muita coisa. Ainda agora me deram uma receita de um bolo que vou experimentar fazer para a sobremesa do almoço de família na Páscoa”, sublinha.
Os clientes vão-se renovando e são cada vez menos as caras conhecidas que vê passar pela sua banca. “Já não posso ter a mesma abordagem que tinha antes porque ainda não conheço bem estas novas pessoas. Não é como antigamente que vinha para aqui toda mascarada no Carnaval e dizia piadas ou contava anedotas mais picantes. Tenho de ter mais cuidado com a forma como me visto e mais tento na língua porque não quero que levem a mal”, explica.
A vendedora de legumes e hortaliças orgulha-se de produzir todos os produtos que vende na banca, num terreno que possui a dois quilómetros de casa. Actualmente deixa esse trabalho exclusivamente para o marido, um pedreiro reformado mas conta que já chegou a ter mais de 12 mulheres para ajudá-la no campo. “Cheguei a ter três camiões carregados de morangos prontos para serem servidos nos aviões da TAP”, explica.
Nos mais de 57 anos que leva a vender orgulha-se de nunca ter tido nenhuma zanga com qualquer cliente. Com saudade lembra os tempos em que chegou a ter três empregadas a vender com ela e mesmo assim não conseguir dar conta do recado devido à enorme procura. Agora, para não se aborrecer, “arrasta” o marido consigo até ao mercado para fazerem companhia um ao outro. “Ele não gosta muito mas acaba por me fazer a vontade”, confidencia.

O peixeiro que andou aos papéis e a vendedora de hortaliça que já não conta tantas anedotas

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