“Os jovens de hoje não querem sujar a roupa e as mãos”
João Coelho é um homem de acção que desempenha diversas funções na Rodoviária do Tejo em Torres Novas. E ainda se dedica ao artesanato.
João Coelho, 65 anos, é um autêntico homem dos sete ofícios. Durante o dia, na Rodoviária do Tejo, empresa onde trabalha, é electricista, canalizador, e serralheiro, reparando tudo o que é necessário nos vários edifícios da empresa. Tem base em Torres Novas mas é habitual fazer trabalhos de manutenção noutras instalações que a transportadora tem na região. À noite, na sua garagem, cria bonecos em cortiça e madeira cultivando a sua veia artística.
Nascido e criado em Torres Novas, João Coelho foi sempre uma criança com gosto em meter as mãos na massa e era ele que fazia os seus próprios brinquedos. “Agarrava em pedaços de madeira e arames e fazia os meus carrinhos”, conta o responsável pela oficina da empresa de transportes. Proveniente de uma família de poucas posses, deixou a escola aos 11 anos para ir trabalhar para uma empresa de construção civil de Torres Novas como aprendiz de canalizador. “Aprendi tudo sobre essa arte”, revela, dizendo que só deixou o trabalho em 1973, para cumprir o serviço militar. Na tropa ainda se especializou como sapador de minas e armadilhas e esteve durante 11 meses na guerra do Ultramar, em Moçambique.
Após o regresso ainda esteve dois meses no desemprego até que viu um anúncio no jornal em que a Rodoviária pedia canalizadores. Interessou-se, candidatou-se e ficou, tendo ingressado na empresa de transportes de autocarros em Setembro de 1975. “Primeiro comecei como canalizador, mas depois perguntaram-me se queria ir para a serralharia e aceitei”, adianta a
O MIRANTE, dizendo que teve de aprender tudo sobre essa arte. “Tive de me desenrascar porque na empresa temos que ser polivalentes”, afirma.
João Coelho não tem dúvidas que os jovens de hoje não têm paciência nem querem aprender ofícios como o de canalizador, serralheiro ou electricista. “Os jovens não querem sujar a roupa e as mãos”, afirma, acreditando que a culpa é dos computadores. É que, diz, antigamente os trabalhadores tinham de se desenrascar e agora é totalmente diferente. E considera que as novas tecnologias têm dado cabo dos ofícios antigos. “Tudo porque o pouco tempo que os jovens têm gozam a juventude, conclui.
Os bonecos em cortiça
João Coelho conta que foi em 2010, quando passava férias na Figueira da Foz, que se iniciou na arte de fazer bonecos. “Estava a mexer numa rolha e tive a ideia. Nessa tarde fiz a minha primeira peça em cortiça: uma mulher à espera de um autocarro”, conta. A partir daí nunca mais parou. “Faço de tudo um pouco. Vejo alguma coisa que me chame a atenção e faço os bonecos. Depois costumo oferecê-los”, explica.
Rotina é o que não existe no quotidiano de João Coelho. De manhã, pelas 8h00, é dos primeiros a chegar à oficina da Rodoviária do Tejo em Torres Novas. A partir daí não pára até ao fim do dia. Tanto pode ir mudar uma lâmpada na garagem de Caldas da Rainha como reparar as grades que não fecham, por exemplo. “Faço tudo o que é preciso a toda a hora”, admite o responsável pela manutenção dos edifícios da empresa de transportes rodoviários.
Só à noite é que se dedica a trabalhar a cortiça. Desde a icónica imagem de Marilyn Monroe de saia levantada, a um dentista a tratar do seu doente ou uma mãe sentada com o seu filho ao colo, tudo é tema para ser trabalhado na cortiça. Um gosto logo posto em prática no almoço habitual de Natal da empresa onde trabalha, pois é João Coelho que, desde 2010, faz a peça que no final é sorteada entre os presentes. “A primeira peça que fiz para ser sorteada foi de uma mulher grávida e de uma criança que estavam numa paragem de autocarros”, conta, referindo que o tema é sempre os transportes.