“Chamar doutores a pessoas que não tiraram um doutoramento é uma saloiice”
Nuno Rocha, 62 anos, psicólogo clínico do Departamento de Intervenção Social e Comunitária da Fundação CEBI.
Nuno Rocha é um rosto conhecido da Fundação CEBI de Alverca do Ribatejo. Quando era pequeno adorava química mas dois professores de filosofia e psicologia fizeram-no mudar de ideias e levaram-no a licenciar-se em psicologia. Conheceu a Europa à boleia, de mochila às costas. Diz que arrastar o passado faz mal à nossa saúde psicológica e preocupa-o a “brutal agressão” que está a ser feita ao ambiente. Não gosta que se chame doutor a quem só tem uma licenciatura e um dos seus vícios é tocar guitarra.
Já percorri quase toda a Europa à boleia e de mochila às costas. E também já dei boleia a muita gente. Já fiz muitas viagens mas hoje se calhar não faria as coisas da mesma maneira. É menos comum hoje em dia ver gente a pedir boleia.
Uma vez a andar de barco apanhei um grande susto porque escorreguei e bati com a cabeça. A pessoa que estava ao leme veio acudir-me e o barco ficou fora de controlo junto à barra de Lisboa. Foi um momento muito delicado. Outro susto grande que apanhei na vida foi quando a minha mulher e o meu filho tiveram um acidente de carro.
Vivi muitos anos sem televisão e ainda hoje é raro ver. É um produto cada vez mais tóxico e banal. Muito supérfluo. Hoje temos muitas alternativas à televisão e mais interessantes. E se quisermos ver televisão podemos construir a nossa própria programação graças às novas tecnologias.
Sou sportinguista mas não sou ‘totalmente’ doente pelo clube. O meu tio-avô foi campeão pelo Sporting, o meu pai foi federado pelo Sporting e eu fui atleta federado também no clube. Gosto e vibro muito, juntamente com os meus filhos, pelo Sporting.
Gosto muito de cozinhar. Tenho alguns pratos favoritos e o facto de ter uma costela alentejana faz-me gostar muito da comida do sul. Mas há muito que o vegetarianismo, agricultura biológica e a ecologia estão muito próximos da minha vida.
Um dos meus vícios é a guitarra. Não saio de casa sem tocar um bocado e em casa toco uma hora todos os dias. Só toco flamenco. Gosto muito da cultura flamenca e do mar. São as minhas duas grandes paixões.
Não concordo que se chame doutor a quem é licenciado. É uma saloiice. Uma coisa muito portuguesa. Doutores são médicos e pessoas que fizeram um doutoramento. Os outros não são, são mestres, licenciados, bacharéis e por aí fora.
Estamos constantemente a viver em mudança. Temos de a cavalgar, saboreá-la, adorá-la e construir a nossa vida de acordo com o que está a mudar constantemente. Isso é o que eu gosto de viver comigo e partilhar com os outros.
Colaboro com o CEBI desde Dezembro de 1991 e conheci pessoalmente o José Álvaro Vidal. Foi um homem extraordinário. Foi para mim fantástico ver o desenvolvimento e o crescimento de Alverca nos últimos anos, que andou sempre a par com o crescimento do CEBI. Muito desse crescimento passou também por nós e por isso tenho o orgulho e a alegria de ter partilhado esses momentos com colegas extraordinários.
Quando era jovem tinha uma grande paixão por química. O meu brinquedo preferido na adolescência era o meu laboratório de química. Acho que hoje em dia não se poderia vender esse brinquedo a crianças. Mas divertia-me muito a fazer experiências e fazia várias em casa, deixei muitas mesas, paredes e objectos da mobília mais ou menos danificados, corroídos e sujos (risos).
Tem-se feito um grande trabalho na área da psicologia nas últimas décadas. Entrei para psicologia depois do 25 de Abril de 1974. Ainda bem que a revolução aconteceu senão teria ido para outro país estudar. Fiz parte de um grupo incrivelmente privilegiado de 1974 a 1979. Apesar de tudo acabei também por ir para a Suíça, onde tive alguns momentos muito marcantes, enquanto estive no CGJung Institute.
Tira-me do sério a hipocrisia, a falta de franqueza e a falta de lealdade. Preocupa-me uma sociedade em que dominam muitas linguagens sociopáticas. Vemos cada vez mais pessoas incapazes de lidar com os seus próprios limites. E assistimos a isso de maneira passiva. Tira-me do sério a brutal agressão que estamos a fazer à natureza.
Muito do nosso sofrimento é provocado por arrastarmos o passado connosco. E com ele, o sofrimento psicológico. Também estamos constantemente a fantasiar a construção do que será o futuro e isso é igualmente mau. É mesmo muito importante ser capaz de fechar o passado. As nossas expectativas são tantas vezes frustradas na incapacidade de conseguir realizar as nossas próprias fantasias que isso provoca muito sofrimento. Conseguir gerir o tempo é importante.