Consumo de haxixe e cocaína tem vindo a aumentar nos últimos tempos
Segundo dados do Centro de Respostas Integrada do Ribatejo, os casos de consumo de heroína têm vindo a diminuir e os de consumo de haxixe e cocaína a aumentar.
Rosário Leal, assistente social e responsável pela Área da Reinserção do Centro de Respostas Integradas (CRI) do Ribatejo e Equipa de Tratamento de Santarém, fala da importância das unidades móveis, que realizam duas vezes por semana serviços externos no âmbito da prevenção e redução dos riscos de consumo. Os técnicos fazem “abordagens no sentido da motivação para o tratamento e minimização dos danos no consumo”, encaminhando muitas vezes novas pessoas para consultas.
Em 2017, os dados do CRI do Ribatejo registarem 1450 casos de pessoas com comportamentos de dependência, dos quais cerca de dois terços dizem respeito a dependência de consumo de drogas. “Nos últimos anos não tem havido grande oscilação nos números, mas os casos de consumo de heroína têm vindo a diminuir e os de consumo de haxixe e cocaína a aumentar”, revela Rosário Leal, a O MIRANTE.
De acordo com a assistente social, os consumidores do sexo masculino continuam a predominar, mas é impossível estabelecer um padrão na classe social ligada aos dependentes. Ao CRI chegam pessoas de todo o tipo de classes sociais - “mesmo ao nível da questão do emprego existe uma ideia preconcebida de que a maior parte dos indivíduos é de pessoas desempregadas e isso não é verdade”, explica.
Por sua vez, o contexto social já tem um peso elevado no aumento do número de consumidores, pois “uma convivência regular com os consumos é um factor de risco para que se consuma, porque induz e facilita a adesão das pessoas”. O ser socialmente tolerado consumir e traficar substâncias ilícitas num determinado contexto social, explica Rosário Leal, é o maior factor de risco para surgirem novos consumidores.
A ‘bengala’ da metadona
Para Rosário Leal não se pode falar em drogas boas e drogas más. “Há drogas e há medicamentos”, o problema é que há medicamentos que “são consumidos e não tomados”, podendo ultrapassar a barreira e criar dependências e outras complicações. Quanto ao tratamento de dependentes de substâncias como heroína e cocaína é da opinião de que a “desabituação a frio não faz sentido nenhum” e questiona “qual é a necessidade de a pessoa sofrer dores horríveis e insónias profundas”.
No CRI, cada caso é avaliado por vários intervenientes, desde técnicos psicossociais a médicos, e a forma de tratamento depende quer da vontade do consumidor, quer do seu quadro clínico e níveis de consumo. Explica que apenas em grávidas consumidoras, pessoas que sofram de certas enfermidades e com históricos de consumo muito elevados entram em processo acelerado para “programa metadona”, ultrapassando outras etapas de tratamento, como o processo em comunidades terapêuticas.
É com recurso à metadona - quando devidamente prescrita por um médico - que “muitos conseguem ter uma vida normal”, desafogada da procura constante e consumo de droga. No entanto, a “bengala” só deve ser retirada numa altura em que a pessoa esteja estável”, pois “a ressaca [da metadona] é mais difícil do que a ressaca da heroína”.
Legalização é sinónimo de banalização
Questionada se é a favor ou contra a legalização das drogas, Rosário Leal diz que há duas faces da mesma moeda. De um lado coloca as “teorias economicistas que defendem que a legalização das substâncias faria com que houvesse menos tráfico” e a legalização para “fins medicinais”, casos “em que o médico sabe o que está a fazer e o que há-de prescrever”.
Se olhar por este prisma, Rosário Leal consegue inclinar-se para a legalização. Mas o perigo da banalização fá-la recuar na sua resposta, pois o “facto de estarem mais próximas da população é contraproducente” e dá como exemplo, o caminho árduo para a cura de um alcoólico, cuja venda da substância que lhe causa dependência é socialmente aceite e de venda livre. Por fim, diz que enquanto as drogas “não estiverem tão acessíveis, não são tão banalizadas e o consumo é menor”.
Traficantes manipulam consumidores
“É raro haver um consumidor puro de uma substância, o que há normalmente é uma droga de eleição”. Quando o consumidor vai ao “mercado” para adquirir determinada substância que habitualmente consome, pode acabar a comprar uma outra, isto porque, explica Rosário Leal, acontece os traficantes retirarem propositadamente uma substância do mercado.
O pensamento de quem vai comprar é: “já que aqui estou, já que há outra, deixa lá experimentar. É uma questão de circunstância e de circuitos, isto porque onde se compra o haxixe também se compram outras” [heroína, cocaína e outras que criam níveis de adição mais elevados]. Para Rosário Leal não há dúvidas de que “há manipulação dos traficantes”.