Os jovens que só se lembram do Dia da Juventude por causa das “borlas”
Pensamentos de quem é novo num dos países mais envelhecidos do mundo. Estudam, vivem em casa dos pais até tarde e divertem-se como podem. Não fazem ideia que mais de oitenta por cento dos jovens da sua idade vivem em países em desenvolvimento enfrentando desafios bem diferentes dos seus, nomeadamente o acesso limitado a recursos, a cuidados de saúde, educação, emprego, entre outros. Dizem aceitar coisas como a despenalização das drogas leves embora não as queiram experimentar. O primeiro choque com a realidade da vida é na altura da entrada no mercado de trabalho.
No festival “Bons Sons”, em Cem Soldos, Tomar, circulando pelo meio de uma multidão maioritariamente jovem, O MIRANTE foi ouvindo nãos sucessivos de cada vez que perguntava a alguém se sabia quando se celebrava o Dia Internacional da Juventude.
Inês Lopes e Mariana Castelo, ambas com 19 anos e a residir em casa dos pais, em Fátima, após ficarem a saber que o Dia da Juventude é a 12 de Agosto, tomam uma decisão pragmática. “Agora que já sabemos quando é vamos celebrá-lo como deve ser, aqui mesmo no festival, bebendo umas (cerve) jolas”, dizem a rir.
Noutra zona da aldeia, João Duarte, 21 anos, vindo de Vila Nova da Barquinha também desconhecia a data. “Nós, os jovens, não precisamos de datas especiais para celebrar, nem ligamos muito a isso”, sublinha.
O Dia Internacional da Juventude fez vinte anos no domingo, 12 de Agosto. A data foi escolhida em Agosto de 1998, na Conferência Mundial de Ministros Responsáveis pela Juventude, realizada em Lisboa.
A Organização das Nações Unidas considera como sendo jovens aqueles que têm entre os 15 e os 24 anos e calcula que nessa faixa etária esteja 18% da população mundial. Em Portugal, o sexto país mais envelhecido do mundo, a percentagem é de apenas 11,4 por cento da população do país.
João Ricardo de 26 anos, que também estava no Festival Bons Sons, diz que agora já não liga ao Dia da Juventude mas que houve uma altura em que aproveitava as vantagens. “Como havia viagens à borla nos comboios eu lembrava-me”. Carolina Seia e Gabriel Silva, que têm 19 anos e vivem no Cartaxo, também chegaram a aproveitar algumas ofertas com que certas empresas e instituições assinalavam a data.
“Lembro-me que quando tinha 12 anos me juntei com o meu irmão e uns amigos e fomos a Lisboa visitar o Pavilhão do Conhecimento uma vez que, tanto a viagem como a entrada no Pavilhão eram gratuitos. Foi um dia tão engraçado que nunca esqueci”, lembra o estudante de um curso profissional de Artes e Espectáculo.
Como o Dia Internacional da Juventude deste ano era dedicado ao tema “Espaços Seguros para Jovens”, a maioria das autarquias da região que têm piscinas facultou entradas gratuitas aos jovens e num ou noutro caso foram promovidas outras actividades, como uma sessão de cinema ao ar livre em Alcanena, por exemplo.
Drogas leves sim... mas só para os outros
Carolina Ferreira, estudante de enfermagem veterinária e animadora de rua de 27 anos, diz a O MIRANTE que o seu tempo de juventude superou as expectativas que tinha. Revela que viajou muito e teve mais experiências do que alguma vez pensaria ter. Acrescenta que até lhe aconteceu experimentar fumar umas “ganzas”.
Para que não haja mal interpretações, a jovem de Alpiarça diz que esses tempos já se “esfumaram” por completo. “São coisas que experimentamos mas que já não o faço, embora aceite que as drogas leves sejam despenalizadas”.
E não é a única. Também Gabriel Silva, de 19 anos, defende o mesmo, dizendo que, para ele, drogas leves são como o álcool. “Há quem goste de beber uns copos para ficar alegre e há quem goste de fumar drogas leves. Mas quem fuma “ganzas” não é menos profissional do que quem não fuma”, sublinha o jovem do Cartaxo.
As jovens Inês Lopes e Mariana Castelo, ambas com 19 anos de idade, que O MIRANTE encontrou no Festival dos Bons Sons, em Cem Soldos, embora confessem que nunca experimentaram fumar “erva” , também aceitam a despenalização das drogas leves.
Mariana estuda medicina na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e Inês estuda Engenharia Agronómica em Lisboa. Explicam a sua actual posição sobre o assunto porque acham que tal situação poderia contribuir para evitar o tráfico e fazer baixar o consumo uma vez que, como se costuma dizer, “o fruto proibido é sempre mais apetecido”.
Inês Oliveira, que também foi ao festival, tem uma opinião diferente. “Sou completamente contra o uso de qualquer droga. Não concordo com a despenalização das drogas leves porque isso pode ser o ponto de partida para algumas pessoas quererem experimentar drogas duras sem terem noção do perigo que pode vir daí”.
Dançar sobre os espinhos da vida adulta sem largar os sonhos da juventude
Ana Oliveira diz que trabalha uma média de doze horas por dia como guia turística e que, apesar do esforço, sente que a entidade patronal considera que lhe está a fazer um favor por a empregar.
A jovem de Alverca tem 27 anos e é praticante de danças desportivas (modalidade também conhecida com o nome de danças de salão) desde muito jovem. O seu objectivo é tirar um curso de treinadora e tentar viver da dança. Para ter mais tempo disponível está a pensar arranjar um emprego na área do marketing digital. Sente-se que tem garra mas que está desapontada com o que se passa. “Vejo muitos jovens com vontade de trabalhar mas que não se sentem valorizados no mercado de trabalho”, desabafa.
O seu actual par nas danças desportivas é André Pereira, de 24 anos, que mora na outra margem do Tejo, em Samora Correia. Começaram a dançar juntos há um ano e dizem estar em terceiro lugar no ranking nacional, no seu escalão, esperando manter aquela posição até ao final do campeonato, em Novembro. A perspectiva é virem a competir a nível internacional.
Se Ana Oliveira tem demasiadas horas de trabalho, André Pereira tem horas livres a mais, desde que se despediu do seu último emprego. O motivo, segundo conta, foi terem-lhe alterado o contrato de trabalho para condições que não considerou serem aceitáveis. A decisão foi fácil porque ainda vive com os pais. Não revela se está arrependido do passo que deu mas confessa que está a ter imensas dificuldades em encontrar um novo trabalho.
“Tenho a noção de que há emprego em Portugal mas são poucos os que oferecem condições dignas. Há uma exigência de muitas horas de trabalho, com horários complicados e salários baixos”, explica.
Diz que já pensou em seguir os passos de alguns familiares e emigrar. No entanto tal opção irá certamente ser adiada porque ele já percebeu que os emigrantes para ganharem bem têm que “trabalhar muito e adoptar uma vida que é do tipo casa/trabalho e trabalho/casa”.
Ana Oliveira e André Pereira desconheciam que o Dia Internacional da Juventude se comemora a 12 de Agosto. E também não devem imaginar que, segundo a Organização das Nações Unidas, 87% dos jovens entre os 15 e os 24 anos, vive em países em desenvolvimento enfrentando desafios bem diferentes dos seus, nomeadamente o acesso limitado a recursos, a cuidados de saúde, educação, emprego, entre outros.
Unidos pela dança, não nutrem particular entusiasmo pelas tradições taurinas da região onde vivem. Ana Oliveira resume o que sente referindo-se a uma relação amor/ódio. “Tal como o André, gosto das festas pelo convívio mas não gosto de ver touradas. Não sou a favor de acabarem com elas mas talvez devessem ser alteradas”.
O par de dançarinos treina na ADR Dance School, em Aldeia da Ribeira, Alcanede, três vezes por semana, mas gostava de encontrar um local mais perto para poder treinar mais vezes. Ambos falam da juventude como um estádio de experiências para a idade adulta e garantem que os pais sempre lhes deram liberdade de escolha nos caminhos que quiseram seguir.