Sem riscos bem calculados não se consegue chegar ao topo
Rafaela Bastos tem 29 anos e soma títulos de campeã nacional de escalada. A modalidade de escalada vai integrar pela primeira vez os Jogos Olímpicos em Tóquio 2020. O MIRANTE dá a conhecer uma jovem de Vila Franca de Xira sem medo das alturas. À primeira vista pode parecer um desporto “super radical”, como a própria o classifica, mas na verdade garante que é “super confortável”. Desde que não se olhe para baixo.
Presa por uma corda ou usando apenas a força dos braços, é trepando as escarpas e encostas, em Portugal e no estrangeiro, que Rafaela Bastos, atleta de Vila Franca de Xira, se sente em casa. Foi nos últimos dois anos, consecutivamente, campeã nacional da modalidade e promete não parar de treinar para continuar a evoluir como atleta e manter o título na sua posse.
Rafaela, 29 anos, gosta de estar muitos metros acima do solo, sozinha, contemplando o silêncio, sentindo as rochas na ponta dos dedos, a brisa que por vezes balança o corpo. Testar os seus limites técnicos e físicos é apenas um dos atractivos que a prendem à modalidade de escalada.
À primeira vista pode parecer um desporto “super radical”, como a própria classifica, mas na verdade garante que é “super confortável”. Em Portugal gosta de fazer escalada em locais já equipados com vias – zonas onde é possível montar cordas de segurança -, como na serra da Arrábida, Montejunto, Sintra ou Sagres. Mas vai com frequência escalar para a Tailândia, Espanha, França e Itália.
“O máximo que já escalei foram 300 metros. Há quem confunda escalada e alpinismo, são coisas diferentes. Uma é realizar ascensões de cumes de montanhas, a escalada é trepar. Não tenho vontade de fazer alpinismo. O que pratico está longe de ser uma subida ao Evereste. Na escalada ninguém corre risco de vida enquanto o alpinismo é uma coisa muito séria”, conta.
Rafaela vive nos Cotovios, lugar da freguesia de Alhandra, São João dos Montes e Calhandriz, mas trabalha em Carnaxide, lugar onde criou em Dezembro de 2018 a Climb Up, um ginásio de escalada que também lhe serve de local de treino indoor. “Frequentava engenharia de minas no Instituto Superior Técnico quando um colega me deu a conhecer a escalada. Já queria há muito experimentar, aproveitei e agarrou-me por completo, nunca mais parei. Estar ao ar livre é a minha paixão”, conta a O MIRANTE.
Os pais não olharam com entusiasmo para a intenção inicial da filha de se dedicar a uma modalidade nas alturas. “Os meus pais quase me chamaram maluca e a minha avó estava sempre a perguntar-me quando deixava isto. Mas hoje em dia já me apoiam a 100 por cento e não penso voltar atrás para um trabalho à frente de uma secretária. Isso nunca foi opção”, confessa.
Quando se facilita tudo corre mal
Quando feito como deve ser, seguindo todas as regras de segurança, a escalada é um desporto seguro, garante a atleta. “Se estamos a trepar uma parede com 50 metros e alguma coisa corre mal é óbvio que o desfecho não pode ser bom. Mas as coisas só correm mal quando há negligência por parte dos escaladores. Sou uma pessoa que gosta de riscos calculados. Na vida como na escalada, sem risco bem pensado não se chega ao topo. Não gosto de incertezas”, nota.
A atleta garante que nunca apanhou nenhum susto, até mesmo quando o pé de apoio falha e se vê a cair pelo ar durante 5 ou 10 metros até a corda a agarrar. “Se souber que quem está lá em baixo está a fazer o seu trabalho como deve ser com a corda, isso é perfeitamente natural. Não mete medo nenhum”, garante.
Uma das certezas é que nunca olha para baixo enquanto sobe. “Estou sempre focada no que estou a fazer, olho sempre para cima, olhos na escalada, nunca para baixo”, revela. Já lhe aconteceu chegar a meio caminho da escarpa e perder a força para continuar. “São coisas que acontecem, se estamos a desafiar-nos a nível técnico e físico é normal que muitas vezes também tenhamos de falhar. Mas nas outras vezes há a concretização das vitórias”, conclui.
Elogios ao passeio ribeirinho
Quem vive em Vila Franca de Xira sabe que o território está cheio de escarpas que parecem convidar à escalada. Mas é um engano, garante Rafaela Bastos, assegurando que os espaços existentes no concelho não podem ser utilizados devido à instabilidade das rochas. Gosta de viver nos Cotovios e usa o passeio ribeirinho entre Alhandra e Vila Franca de Xira com frequência. “Está muito bem aproveitado e é óptimo”, conta.
Mas confessa sentir Vila Franca de Xira “um bocado morta”, sobretudo nos períodos pós-laborais. Gostava de ver mais ginásios ao ar livre além dos que já existem. “Os actuais são muito direccionados para as pessoas idosas, fazia falta um novo tipo de equipamentos para as pessoas mais jovens as poderem usar. E gostava de ver o concelho organizar um campeonato de escalada indoor”, confessa.
Ambição de divulgar a modalidade
Rafaela é uma apaixonada pela modalidade de escalada. A entrevista foi realizada nas instalações da Climb Up, o ginásio dedicado à modalidade que a própria abriu em Carnaxide no final do último ano. Confessa ter optado por Carnaxide ao invés de Vila Franca de Xira devido à grande procura de atletas na zona de Cascais, Sintra, Oeiras e Margem Sul. O espaço é também usado como local de treino para quem já ataca escarpas exteriores. A parede máxima do recinto tem 4 metros e meio e sobe-se sem a ajuda de cordas. Quando a queda acontece é amortecida por colchões.