Tradição das Janeiras animou noite fria no Espinheiro
Mais do que cantar, comeu-se e bebeu-se numa aldeia onde a população mostra grande espírito de união.
Nem o frio que se fez sentir na noite de sábado, 5 de Janeiro, demoveu os 18 membros do grupo coral da Associação Musical e Tradições do Espinheiro, concelho de Alcanena, de afinarem as vozes e juntarem-se ao redor da igreja da terra para cantarem as Janeiras à população.
Recuperar tradições perdidas no tempo é o que motiva os membros do grupo coral a sair de casa e resgatar as letras e os trajes do rancho da terra, que remontam aos tempos dos seus pais e avós. “Não quisemos mexer em nada. Assim é que deve ser, para manter o antigo”, explica à reportagem de O MIRANTE, Noémia Justo, cantante das Janeiras e também presidente da direcção da colectividade.
A fogueira acesa e as mesas postas com as sobras da época natalícia, doadas pela população, tornam o ambiente mais acolhedor. O cheiro a fumeiro começou a sentir-se assim que os primeiros enchidos foram colocados no lume, pelos homens. “Comam e bebam, há para todos. Aqui tudo se partilha”. Às mulheres estavam entregues os chás, café e doces.
O Cantar das Janeiras foi, em tempos, uma tradição regular no Espinheiro, enquanto existiu o grupo coral, criado por João David Lourenço, em 2003. Depois foi sendo feita esporadicamente e agora o objectivo é manter a regularidade.
Noémia Justo tomou posse da associação há dois anos e desde então recuperou a tradição. Aos 78 anos, natural do Espinheiro, viveu toda a vida em Paris. “Trabalhava numa loja de roupa, numa das capitais da Europa mais bonitas, mas estava sempre com o pensamento na minha aldeia”, conta.
Assim que teve oportunidade, reformou-se e rumou ao local onde estava o seu coração. “É aqui que me sinto bem. Na minha casa e com as minhas gentes”, contou enquanto os primeiros acordes entoavam.
Os ensaios foram feitos com regularidade na sede da associação e há mais de dois meses que tudo tem sido pensado ao pormenor para que nada falhe. António Ferreira, 54 anos, é funcionário da Câmara de Alcanena e é o acordeonista de serviço. Faz parte do grupo coral desde que foi criado. “Gosto muito de andar nestas andanças, estou presente em todas. Desde que seja para dar ânimo à terra e levar o nome do Espinheiro a outras localidades, podem sempre contar comigo”, refere.
Mais difícil de encontrar são os jovens da aldeia a participar nestas iniciativas. Mas não é impossível. As caras mais jovens presentes têm 14 e 20 anos. Ricardo Bernardino e Sofia Gomes, respectivamente. O amor pela música é o principal motivo que os leva a marcar presença. Ricardo não faz parte do grupo coral, mas assim que lhe foi feito o convite para ser um dos percurssionistas, não hesitou. “Gosto muito de música e os meus estudos vão ser nessa área. Por isso, tudo o que me chamem para fazer que inclua música, estarei presente”.
Sofia Gomes, estudante de Análises Laboratoriais, na Escola Agrária de Santarém, teve à sua responsabilidade o timbalão tradicional. Gosta de participar nestes eventos e admira o trabalho feito pelas conterrâneas com mais idade. “É de admirar toda a energia que têm para dar vida à nossa terra, deviam ser os mais jovens a fazer este trabalho”, admite.
Para Odete Correia, 65 anos, o único elemento do grupo que não é natural nem residente no Espinheiro, a culpa dos jovens não participarem nas actividades é da internet. “Se aqui há uns anos era difícil tirá-los de casa por causa da televisão, agora é a internet que estraga tudo”, refere a natural da aldeia vizinha de Canal.
Fátima Carloto tem 52 anos e alguns vividos na cidade. “Saímos do Espinheiro por motivos profissionais, mas assim que tivemos hipótese regressámos e nem queremos pensar em sair daqui outra vez”. Fátima dedica-se de corpo e alma à aldeia que a viu nascer. Além do grupo coral, é ela que faz o jornal A Voz do Espinheiro, uma publicação da União das Freguesias de Malhou, Louriceira e Espinheiro. “Faço tudo, escrevo as notícias, mando o jornal para a impressão, faço a dobragem à mão e vou colocá-lo aos CTT para ser distribuído”, conta.
Para esta jornalista de serviço, a vida na aldeia tem outra qualidade e há um espírito de entreajuda. “Claro que temos às vezes as nossas zangas, mas passam depressa”, diz entre risos.