Dois médicos que contrariam a tendência de fuga dos hospitais do interior
Em 2018 ficaram no Hospital Distrital de Santarém oito médicos após formação específica. O MIRANTE esteve à conversa com um médico no ano de formação geral e uma médica no segundo ano de formação na especialidade e percebeu que também há vantagens nos hospitais do interior.
Pedro Oliveira iniciou a formação geral no Hospital Distrital de Santarém (HDS) a 2 de Janeiro deste ano. É de Vila Nova de Famalicão, distrito de Braga, e confessa que Santarém não foi das suas primeiras opções. Faz parte dos 42 internos que actualmente cumprem um ano de formação geral nesse hospital ribatejano. Nos últimos cinco anos frequentaram ali o ano comum do internato 228 médicos.
Embora tivesse sido a sua 12ª opção, Pedro afirma que está a gostar da experiência e destaca como pontos positivos a própria cidade, a sua cultura e gastronomia e a facilidade dos acessos. Já conhecia Santarém porque o pai, que tem uma empresa de metalomecânica e agro-pecuária, costuma participar na Feira da Agricultura. Quando tiver que optar pela formação na especialidade confessa que Santarém será contemplada. Começou pela cirurgia e é a área que pretende seguir. Volta a Famalicão com frequência e tenta dividir os fins-de-semana livres entre a sua terra, onde tem família, namorada e amigos e Santarém, onde também gosta de conviver com os amigos que já fez pelo Ribatejo, maioritariamente médicos também deslocados.
Fizeram a formação específica no HDS, durante os últimos cinco anos, 13 médicos. Um número manifestamente baixo face ao número de médicos contratados para o hospital no mesmo período, 34. A título de exemplo, em 2018, foram contratados oito profissionais enquanto apenas dois ali fizeram formação específica no ano anterior. Em 2017 a discrepância foi ainda maior, com a contratação de 10 clínicos e com apenas três médicos a frequentar a formação específica no HDS em 2016.
Ramona-Diana Bindean, de 38 anos, fez o ano de formação geral no Hospital Distrital de Santarém e ali seguiu para a especialidade de patologia clínica, que frequenta desde 2 de Janeiro de 2018. Ramona é romena, mas tem dupla nacionalidade. Chegou a Portugal em 2004 e tirou o curso na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Santarém foi a sua primeira opção quando teve que decidir onde fazer o ano comum. O marido é de Torres Novas, mas optou por Santarém e não pelo Centro Hospitalar do Médio Tejo porque queria ter a experiência de um hospital distrital. Em Julho de 2017 Santarém voltou a ser a primeira escolha para a especialidade, que tem uma duração de quatro anos.
Ramona refere que quando entrou ainda não haviam incentivos para os médicos que se fixassem nas zonas carenciadas. Para os médicos especialistas há um incentivo de mil euros mensais, mas a realidade é diferente para os internos da especialidade. “Para os internos as regras ainda não estão definidas na totalidade, o que se está a ponderar é que depois de acabar a especialidade se fique três anos no hospital onde se fez a especialidade. É um bom incentivo para fixar as pessoas”, afirma a clínica, acrescentando que “estas medidas são o começo de um processo que no futuro será cada vez mais importante”.
Um dos motivos que fez Ramona optar por um hospital distrital foi o facto de lhe permitir fazer investigação. “Existe o mito de que não há investigação nos hospitais de província, mas hoje em dia a investigação pode fazer-se em qualquer sítio. Penso até que os hospitais distritais são melhores que os centrais. Faço parte do laboratório de patologia clínica e tenho muito mais facilidade em falar com os especialistas e em partilhar ideias”, refere.
Pedro Oliveira, de 26 anos, concorda com a colega e acrescenta que nos hospitais centrais há mais doentes e mais internos e não há tanta disponibilidade dos médicos especialistas para apoiar os internos que querem fazer investigação.
Ramona-Diana visita a família, na Roménia, 15 dias por ano, mas é em Portugal e mais concretamente em Santarém que quer permanecer. “O meu marido adora esta terra e eu entendo porquê. É uma região onde vale a pena viver. Os ordenados não são os melhores, mas a qualidade de vida é excelente”.
Unidades hospitalares querem fixar médicos
A intenção de Ramona em permanecer no Hospital Distrital de Santarém contraria a tendência generalizada de fuga de médicos para outras unidades hospitalares, sobretudo do litoral. Sobre a frustração de formar médicos na especialidade e depois vê-los partir para outras unidades, Ana Paula Infante, presidente do conselho de administração do Hospital Distrital de Santarém confessou a O MIRANTE que a direcção clínica e o director do internato “estão a fazer um grande esforço para conseguir cativar esses profissionais, aproveitando o facto de já estarem traquejados nas rotinas, já conhecem as equipas e o hospital”.
Carlos Andrade Costa, presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar do Médio Tejo, afirma que o objectivo é “ir crescendo e aumentando o número de internos porque os formados numa unidade hospitalar tendem a ficar nessa unidade, o que é muito importante para o rejuvenescimento dos quadros de pessoal médico”. Os conselhos de administração das unidades hospitalares lembram, no entanto, que a escolha da instituição, por parte dos internos, para celebrarem contrato após o internato médico, depende das vagas autorizadas pela tutela e da nota final obtida no respectivo internato.
Medicina interna lidera especialidade na região
Nos últimos cinco anos foram colocados em internato médico, em formação geral, 133 profissionais, nos hospitais do Centro Hospitalar do Médio Tejo (CHMT). A última entrada aconteceu em Janeiro de 2019 e foram colocados 30 médicos, um número que aumentou ligeiramente em relação às vagas disponíveis nos anos anteriores. Já no que respeita às colocações em formação específica os números são menos expressivos, com um total de 41 clínicos a optarem pelo CHMT. Entre 2015 e 2018 foram contratados após internato médico na formação específica um total de 11 clínicos, numa média de três clínicos por ano, maioritariamente na especialidade de medicina interna.
Também no Hospital Distrital de Santarém a especialidade de medicina interna é a que tem maior número de vagas disponíveis para formação específica, com perto de 300 médicos na última década. Medicina interna é a especialidade mais escolhida pelos internos de formação específica que ficaram no HDS após exame, com 11 médicos nos últimos cinco anos. Seguiram-se ginecologia obstetrícia, com quatro, e psiquiatria, com três.
Formar um médico custa tempo e dinheiro
Se todo o percurso académico correr bem a formação de um médico implica, no mínimo, seis anos de estudos, aos quais se segue um ano de internato em formação geral e entre quatro a seis anos de formação específica. Segundo a Ordem dos Médicos, formar um médico custa ao Estado cerca de 115 mil euros.
A ministra da Saúde, Marta Temido, admitiu recentemente a possibilidade de avançar com formas de reter por algum período de tempo os recém-especialistas, após conclusão do internato, no Serviço Nacional de Saúde. Actualmente, depois de cumprido o internato os médicos não estão sujeitos a qualquer obrigação adicional para com o SNS.