Acidente deixou-o paraplégico e desporto ajuda-o a superar a revolta
Carlos Carmo é um exemplo de resiliência e tem-se destacado na paracanoagem. Tinha 40 anos quando um acidente o deixou entre a vida e a morte. Apesar da dor e revolta que sentiu nos primeiros dois anos decidiu lutar e mostrar que é nas adversidades que se revela a fibra de um homem. Este ano foi distinguido pela Câmara de Tomar, no Dia da Cidade, com a Medalha de Mérito Desportivo pelos títulos alcançados.
Carlos Carmo, 48 anos, sempre teve uma vida agitada de trabalho e era adepto de desporto até ao dia 13 de Agosto de 2011 quando um violento acidente o deixou paraplégico e preso a uma cadeira de rodas. O motorista de pesados, natural de Tomar, conduzia o seu camião, onde também seguiam a esposa e a filha, na altura com seis anos. Circulava na A1, antes da saída para Torres Novas, quando um veículo ligeiro terá feito uma manobra perigosa. “Para evitar o contacto com o carro desviei o camião e tombei. O cinto de segurança rebentou com o impacto e acabou por ser a minha salvação. Se ficasse preso no cinto de segurança teria morrido porque a cabine encostou à galera com a violência do despiste”, conta a O MIRANTE.
Esteve cerca de um mês em coma no Hospital de São José, em Lisboa, entre a vida e a morte. Pesava 85 quilos e depois do acidente ficou com pouco mais de 40. O seu pesadelo começou quando acordou do coma. “Comecei a bater com força nas minhas pernas e não as sentia. Até que veio uma enfermeira que me disse que se nas próximas horas eu continuasse a não sentir as minhas pernas estava paraplégico devido à gravidade do acidente”, diz.
O sombrio cenário confirmou-se e não foi fácil lidar com a nova realidade. “É uma revolta, uma dor e uma impotência muito grande. Os primeiros tempos são muito complicados. Passamos de uma vida agitada, em que andava sempre a correr de um lado para o outro, para uma cama e numa cadeira de rodas, totalmente dependente dos outros”, confessa, enquanto lhe correm as lágrimas pelo rosto.
Após cerca de dois anos complicados, em que passou pela fase da revolta e da raiva, Carlos decidiu que tinha que deixar de estar preso a uma cama e aos medicamentos que o deixavam apático. “Aquele não era eu e, contra a indicação da médica, deixei de tomar os medicamentos para a cabeça. Queria voltar a ser eu”, afirma.
Começou por adaptar o seu automóvel para o poder conduzir e entrar e sair sozinho, porque gosta de depender o menos possível dos outros. O desporto foi o seu escape. Começou a praticar paracanoagem no Grupo Desportivo da Nabância (GDN), em Tomar, e foi campeão nacional de fundo em dois anos seguidos. Já conquistou vários campeonatos regionais na sua modalidade. Sempre que pode vai para o rio Nabão onde o clube tem o hangar com as canoas.
A 1 de Março foi distinguido pela Câmara de Tomar, no Dia da Cidade, com a Medalha de Mérito Desportivo pelos títulos desportivos alcançados. “Fico satisfeito com o reconhecimento do município pelo trabalho que tenho desenvolvido. Damos visibilidade ao concelho e a Câmara de Tomar também nos tem ajudado”, diz.
O ‘capacete azul’ que foi vice-campeão nacional de Halterofilismo
Carlos Carmo sempre foi um homem dedicado ao desporto. Foi vice-campeão nacional de halterofilismo dois anos consecutivos. Foi militar durante dez anos e meio e esteve em Angola numa missão dos chamados capacetes azuis, da Força de Manutenção da Paz da Organização das Nações Unidas (ONU). Na juventude já tinha experimentado canoagem e durante o tempo em que esteve na tropa fazia desporto com regularidade.
“O meu trabalho de camionista tinha horários complicados, trabalhava de segunda-feira a sábado. Aos domingos de manhã pegava na bicicleta e ia tomar um café ao Entroncamento. Não consigo estar parado. Se estiver um dia inteiro sem fazer nada fico nervoso”, conta, acrescentando que não é um acidente que o vai derrubar.
Uma das situações que o revoltou quando regressou a casa foi perceber que a chamada vida real não está adaptada a pessoas com deficiência. Como mora numa moradia, a seis quilómetros da cidade de Tomar, em Casal Marmelo, não tem grandes problemas porque adaptou a casa à sua condição. “Na cidade é muito difícil circular pelos passeios ou porque o pavimento não é o adequado para a cadeira de rodas ou porque há canteiros com árvores e temos que nos desviar. São muitas as barreiras arquitectónicas com que temos que lidar diariamente”, diz.
O acidente provocou mazelas também na sua esposa, Fernanda, actualmente com 50 anos, ficou com a bacia desfeita e teve cerca de seis meses internada no hospital. A filha de ambos, Ana Margarida, que tinha seis anos na altura, sofreu apenas ferimentos ligeiros mas teve que lidar com o facto de ter os pais internados. “Foi muito complicado para ela porque nunca tinha estado longe dos pais. Foi na altura em que entrou para a escola e teve que ir viver para casa da madrinha. A vida não foi fácil”, recorda Carlos com a voz embargada.
Há oito anos à espera de justiça
Pouco tempo depois do acidente Carlos Carmo interpôs uma acção em tribunal para que lhe seja paga uma indemnização pelos danos provocados pelo acidente. Desde essa altura, em 2011, que aguarda por uma decisão do tribunal. Segundo conta a O MIRANTE, o condutor do veículo ligeiro que terá provocado o acidente não parou mas existem várias testemunhas identificadas na altura pela GNR, que esteve no local do acidente. “Coloquei uma acção contra os Seguros de Portugal porque não sei quem é o culpado mas tenho direito a uma indemnização. Era um homem saudável e agora estou paraplégico e dependente de uma cadeira de rodas e de outras pessoas”, disse.
Carlos Carmo diz que a Seguros de Portugal pediu uma avaliação corporal feita por médicos de Medicina Legal para avaliarem os danos no seu corpo. “Querem saber o meu grau de paralisia. Isto é revoltante porque não ando, estou confinado a uma cadeira de rodas. Como é que é possível haver necessidade de averiguar o meu grau de incapacidade física. Não me mexo da cintura para baixo, não será suficiente”, critica.
O paracanoísta lamenta a lentidão da justiça portuguesa e considera a espera pelo julgamento um massacre. “A justiça em Portugal não apoia as vítimas de acidentes. Como é que estou há quase oito anos à espera por uma decisão do tribunal? Este tempo de espera dá tempo para uma pessoa morrer. Às vezes parece que é isso que querem, adiar o máximo possível a tomada de decisões e depois acontece algum problema e as pessoas morrem”, afirma.
Após o acidente Carlos Carmo tornou-se sócio da Associação dos Acidentados de Portugal e por isso não tem pago despesas com advogado.