Santarém tem muitos tesouros para mostrar mas falta um espaço para os expor
Visita nocturna à reserva museológica municipal assinalou o Dia Internacional dos Museus. Algumas dezenas de curiosos aproveitaram a oportunidade para conhecer o espólio ali guardado e fizeram críticas à falta de um espaço expositivo onde possam ser vistas algumas das peças icónicas que contam a história da cidade.
Vanda Lourenço, Maria Gonçalves, Maria João Venda e Ana Calado vieram de Almeirim, Glória do Ribatejo e Muge para conhecer, na noite de sexta-feira, 17 de Maio, a reserva museológica municipal de Santarém, no âmbito das comemorações do Dia Internacional dos museus, que se celebrava no dia seguinte. As quatro foram colegas do curso de técnico de informação e animação turística do Instituto do Emprego e Formação Profissional e quiseram ver o que normalmente não está acessível aos olhos do público.
Conhecer um pouco mais da história da cidade foi também o que motivou Maria do Rosário e Fernando Duarte, assim como Helena e Miguel Ezequiel, de Santarém, a acompanhar esta visita.
“Todos os dias se perde um bocadinho da memória colectiva de Santarém” conta Vanda Luciano a O MIRANTE. Veio acompanhada do marido Nuno Santos, são ambos arqueólogos e não quiseram perder a oportunidade. Lurdes Vieira, Alice Roque e Celeste Dias são três amigas de Santarém que aproveitaram a ocasião por ser fora do horário laboral e do sábado, como são habituais estas acções. “É um bom motivo para sair do sofá”, dizem. Joana Nogueira, que já trabalhou como guia intérprete, tomou conhecimento da acção no Facebook e marcou presença com o filho Eduardo.
Ao todo foram cerca de cinquenta as pessoas que aproveitaram o serão de sexta-feira, para ver aquilo que “está fechado nos outros 364 dias do ano”. Um número que surpreendeu António Matias, arqueólogo municipal, responsável pela visita e pelo departamento de arqueologia da Câmara Municipal de Santarém. “Não é a primeira vez que a câmara organiza este tipo de visitas, mas é certamente uma das mais concorridas”, reforça.
Ainda antes de descermos ao piso inferior do Arquivo Distrital de Santarém, às salas onde está depositado o património histórico, cultural, estético, social, técnico e científico da cidade, António Matias explica que parte dos materiais são doações, outros decorrem de trabalhos de arqueologia e outros foram adquiridos pela autarquia.
António Matias veio de fora, da Figueira da Foz, mas está na cidade há 20 anos e diz-se um apaixonado pela sua história. Ironiza que Santarém tem coisas “importantinhas”, um vastíssimo espólio, que merecia, na sua opinião e na de todos os presentes, estar exposto e acessível ao público em geral. A O MIRANTE confidencia que a presença de tanta gente só revela o interesse que as pessoas têm no património da sua cidade e fala da necessidade de o salvaguardar como forma de preservar a memória da população que hoje está cá, mas sobretudo das populações que por cá passaram, independentemente da sua índole cultural ou religiosa.
“Dá-nos prazer que as comunidades se identifiquem com este património” refere o técnico da autarquia, acrescentando que é necessário agir junto das autoridades locais para que o espólio possa ser exposto. António Matias defende a actuação das associações de defesa do património, que podem promover em conjunto com a autarquia intervenções arqueológicas de salvaguarda de certos locais. Mas também acções movidas pelos populares como abaixo-assinados.
Na última semana surgiram novos elementos que ampliam a ocupação islâmica medieval da cidade. “Todos os dias surgem novas coisas, o manancial de informação, o aporte de espólio de materiais é tão grande que é preciso fazer mais, sejam os técnicos, os políticos e sobretudo a própria comunidade”, refere o arqueólogo.
Um património valorizado lá fora
Para exemplificar a importância do património arqueológico da cidade, António Matias refere o interesse do Museu Nacional de Arqueologia de Espanha no candelabro islâmico que está exposto no Centro de Interpretação – Urbi Scallabis, nas Portas do Sol, uma peça que irá para Madrid integrar a mega-exposição temporária sobre o mundo islâmico.
“Temos pinturas de Josefa d’Óbidos, relíquias islâmicas e muitos outros materiais que mereciam estar expostos à população. Não se pede um espaço enorme, mas um espaço suficiente para uma exposição permanente que permitisse às pessoas ter contacto com os vestígios que contam a história da cidade”, refere o arqueólogo.
O Museu de Santarém existe há 140 anos mas não tem, efectivamente, uma sala onde se possa expor as peças icónicas relevantes. Para António Matias, a Igreja de São João de Alporão é um edifício que deve brilhar por si próprio, não tem necessidade de qualquer exposição para mostrar o seu esplendor. O arqueólogo lembra que este é o exemplar da arquitectura românica mais a sul do país que se conhece. Não afasta a hipótese de o espaço voltar a albergar exposições, assim como não o chocaria criação de um “caixote”, mais contemporâneo. O importante, destaca, é criar urgentemente duas infra-estruturas essenciais à cidade: um museu e uma biblioteca, investimentos a longo prazo na educação e sobretudo na formação da comunidade.